Tania Maria de Oliveira
Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.
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Bolsonaro e o caso das jóias: “me chama de corrupto, porra!”, por Tânia Maria de Oliveira

Aqueles que acreditavam nele já podem voltar de Nárnia. A bomba-relógio do celular de Mauro Cid explodiu!

Bolsonaro e o caso das jóias: “me chama de corrupto, porra!”

por Tânia Maria de Oliveira

Kit de jóias, estátuas, relógios, esculturas valiosíssimas desviadas do acervo do Estado, vendidas em um esquema protagonizado por militares. Algumas compradas novamente em uma fraude para dar satisfação à Justiça. Uma organização criminosa envolvendo o ex-presidente da República, seus assessores e seu advogado.

A narrativa poderia ser o enredo de um daqueles filmes comerciais de segunda linha que lançam nos cinemas e TV. Mas aconteceu de fato. Bem aqui debaixo dos nossos narizes. Aconteceu com o governante que sempre encheu a boca para acusar adversários de corruptos se dizendo honesto.

Aqueles que acreditavam nele já podem voltar de Nárnia. A bomba-relógio do celular de Mauro Cid explodiu! Não há mais espaço para o brado debochado que dá nome a este artigo.

Jair Bolsonaro foi um presidente parasita. Seu governo foi de agitação político-ideológica, orientado pelo objetivo de radicalizar uma massa de apoiadores e armá-la. Passeios de jet-ski e motociatas desviavam a atenção da população, enquanto se destruía tudo em termos de gestão, ciência, cultura, transparência, meio ambiente, direitos.

O uso distorcido da máquina pública foi uma constante, com privilégios, sigilos, sonegação, preconceitos, violência, promoção da ignorância. O grande fato que marcou o governo Bolsonaro foi a má gestão que resultou em mais de 700 mortes pela pandemia de Covid-19.

Por tudo isso não podemos dizer que há espanto na descoberta de um esquema de corrupção na “cozinha” do ex-presidente. Ela traduz a face oculta do que era esse antigoverno, cem por cento desonesto em todos os quesitos.

De todo modo os dados espantam sobretudo pelo despudor da forma.

Segundo a Polícia Federal a coisa toda é um mega esquema de corrupção de venda de patrimônio da União.

Bolsonaro levou para os Estados Unidos joias recebidas em razão do cargo que ocupava. Desviadas para sua posse privada, essas peças foram comercializadas no exterior com pagamento em dinheiro, sem uso do sistema bancário formal. São presentes que deveriam obrigatoriamente ser entregues ao acervo da Presidência da República. Bens públicos, não pessoais.

O ex “faz-tudo” de Bolsonaro, Mauro Cid, que se encontra preso, vendeu um relógio da marca Patek Phillippe por aproximadamente 51 mil dólares, que teria sido presenteado a Jair Bolsonaro em novembro de 2021 por autoridades do Reino do Bahrein.  A Polícia Federal destacou que fotos do relógio foram enviadas por Mauro Cid para um contato cadastrado em sua agenda como “Pr Bolsonaro Ago/21” em 16 de novembro de 2021, ainda durante a viagem ao Bahrein.

Além disso, em áudio enviado ao assessor especial de Jair Bolsonaro Marcelo Câmara, Mauro Cid cita três temas: 25 mil dólares endereçados a Bolsonaro; tratativas para a venda de estátuas de palmeira e um barco folheados a ouro, recebidos pela comitiva brasileira durante visita oficial ao Bahrein em 2019; e negociações para levar a leilão um dos kits recebidos na Arábia Saudita com relógio e joias masculinas.

Apareceram em cena novas personagens, como o pai do ajudante de ordens, o general do Exército e colega de Bolsonaro Mauro César Lorena Cid que, segundo a investigação, era o responsável por negociar as joias e os demais bens nos EUA. Recebia os valores em sua conta bancária. E já operava a estratégia ilegal há algum tempo, havendo registros de junho de 2022 de um depósito de 68 mil dólares pela venda de um Rolex e um Pater Philippe, dois relógios de luxo.

O rosto do general foi identificado pela Polícia Federal no reflexo de uma foto usada para negociar, nos Estados Unidos, esculturas recebidas pelo governo como presente oficial.

O advogado de Jair Bolsonaro Frederick Wassef também está envolvido no esquema.

Ele comprou de volta o relógio Rolex Day-Date em março de 2023, para cumprir a decisão do TCU de devolução do kit com joias suíças, recebidas como presente do governo da Arábia Saudita em viagem oficial de 2019. Pagou um valor maior do que aquele obtido na venda. Com que dinheiro? Não se sabe ainda.

O restante das joias foi recuperado por Mauro Barbosa Cid em 27 de março, em uma loja em Miami.

Ainda segundo a PF, as duas partes do kit foram entregues a Osmar Crivelatti, tenente do Exército, assessor mais próximo de Bolsonaro após a prisão de Cid, e que continuou recebendo do GSI informações sobre viagens do presidente Lula.

Fica evidente que a pressão, antes revelada, para liberar as jóias presenteadas à Michele Bolsonaro era para operar o comércio de venda ilegal dos bens.

A quebra do sigilo bancário de Bolsonaro solicitada pela Polícia Federal nessa sexta-feira pode mostrar caminhos de dinheiro que tenham sido depositados, embora o dinheiro tenha chegado até ele principalmente em espécie.

O que importa verdadeiramente para os fatos que estão vindo à luz não é apenas que sejam levados ao fim com punição de responsáveis. É desnudar que mais uma vez o tema da corrupção, que foi apropriado pela extrema-direita como mote para colocar no poder um presidente neofascista, não passava de uma cortina de fumaça para os desvios cometidos no interior da estrutura do Estado por ele ocupado, usado como instrumentos de poder pessoal.

Desmascarar Bolsonaro e sua organização criminosa só pode ter serventia se a narrativa for no sentido de desnudar discursos moralistas e oportunistas, fazendo uma análise estrutural dos processos de como um sujeito desqualificado e sem qualquer mérito chegou ao poder convencendo uma massa tão grande de pessoas que era incorruptível.

Não podemos nos perder no imediatismo. Sob pena de substituirmos Bolsonaro por outro ou outros de mesma índole e igualmente nefastos.

Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Tania Maria de Oliveira

Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.

2 Comentários

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  1. TODO AQUELE QUE vive de apontar o dedo acusando os outros de algo o faz para desviar o foco. Nunca vi homem sério, nem quando mesmo jornalista ou advogado, se ocupando unicamente em denunciar ladroagens. Por isso quando raramente se pronunciam, nos autos, o fazem pra valer. Viveu falando em corrupção? É corruptíssimo. Mais safado que cachorro de fateira.

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