Para aonde vai o planejamento?, por Márcio Gimene

A julgar pelo que vem sendo discutido no Ministério do Planejamento, existe o risco de que a função planejamento perca o empoderamento político necessário e seja ainda mais enfraquecida com a fusão de secretarias

do Brasil Debate

Para aonde vai o planejamento?, por Márcio Gimene

Com a extinção da Secretaria de Assuntos Estratégicos e a volta do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) ao Ministério do Planejamento, seria de se esperar que este ministério voltasse a ser empoderado para coordenar de fato as ações governamentais, buscando um equilíbrio entre o planejamento de longo prazo e as urgências de curto prazo.

Nesse formato, caberia à Casa Civil, seguindo orientações da presidente da República, mediar soluções políticas para os problemas que não tenham sido resolvidos no âmbito técnico entre o Ministério do Planejamento e os ministérios setoriais.

No entanto, a julgar pelo que vem sendo discutido no Ministério do Planejamento, existe o risco de que a função planejamento seja ainda mais enfraquecida com a possibilidade de extinção da Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), que teria suas atribuições diluídas entre duas outras secretarias.

Pela proposta em discussão, as atividades da SPI relativas à coordenação da elaboração, do monitoramento e da avaliação dos planos plurianuais ficariam reduzidas a um departamento dentro da atual Secretaria de Orçamento Federal (SOF), que mudaria de nome, enquanto que o monitoramento de investimentos prioritários ficaria a cargo de uma nova secretaria resultante da fusão de parte da SPI com a atual secretaria do PAC (Sepac).

Outras atividades, como as relativas ao planejamento de longo prazo, o planejamento territorial e a promoção da integração de políticas públicas transversais, simplesmente seriam abandonadas.

A rigor as três secretarias (SPI, SOF e Sepac) poderiam até ser fundidas em apenas uma, desde que a nova secretaria fosse estruturada para valorizar o planejamento de longo prazo e empoderada para coordenar de fato os processos de formulação e implementação dos programas e das ações governamentais.

No entanto, a tendência das mudanças em curso é se limitar a reduzir estruturas administrativas, mantendo a concentração do processo decisório na Casa Civil, que não possui capacidade técnica nem pessoal suficiente para lidar com centenas de problemas diários que são levados ao Palácio do Planalto.

Uma forma de gestão menos centralizada, que valorizasse os papéis institucionais das coordenações de planejamento e de orçamento que já existem nos órgãos setoriais, sob a liderança da SPI e da SOF (ou da nova secretaria resultante da fusão entre elas), contando com o qualificado apoio técnico do Ipea, poderia filtrar muitas das demandas hoje levadas para a Casa Civil, conferindo mais agilidade e qualidade ao processo decisório.

O curioso é que para essa forma de trabalho em rede ser efetiva, basta colocar em prática o que prevê o Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, que tem como órgão central justamente o Ministério do Planejamento.

Sistema este cuja eficácia é consequência direta da combinação entre empoderamento político e capacidade técnica das unidades que o integram. A capacidade técnica dos servidores que trabalham na SPI e na SOF é amplamente reconhecida.

Neste quesito, a maior dificuldade encontra-se nos demais órgãos da administração direta e indireta, muitos dos quais ainda hoje desprovidos de servidores especializados nas atividades de planejamento e orçamento.

De nada adiantará a fusão se não forem realizados periodicamente novos concursos para a carreira de planejamento e orçamento, de maneira que seja possível atender às demandas daqueles órgãos por profissionais qualificados para o trato destes temas.

No mais, trata-se de criar condições para que os técnicos e analistas de planejamento e orçamento possam aperfeiçoar suas aptidões, incorporando permanentemente novos aprendizados teóricos e práticos.

Quanto ao empoderamento político, trata-se de condição indispensável para que as duas secretarias possam coordenar as atividades de planejamento e de orçamento do Poder Executivo federal, em harmonia com as unidades responsáveis pelas atividades correspondentes nos demais poderes e entes federados.

Não há motivo para acreditarmos que a fusão de secretarias, por si só, venha a conferir o empoderamento político que se faz necessário para a coordenação das atividades de planejamento e orçamento, que vão muito além da mera elaboração dos planos plurianuais, das leis de diretrizes orçamentárias e das leis orçamentárias anuais.

Ao que tudo indica, o que os ideólogos da fusão pretendem é que a nova Secretaria de Planejamento e Orçamento fique responsável por atividades tratadas pejorativamente como burocráticas, enquanto outras esferas da administração pública fiquem responsáveis pela gestão das políticas públicas de maneira desconexa com o que foi planejado e orçado.

Na ausência de uma combinação apropriada entre empoderamento político e capacidade técnica, surgem diversos outros problemas que impedem o adequado funcionamento do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal e, consequentemente, afetam a qualidade das políticas públicas.

Sem enfrentarmos esses problemas, a reestruturação do Ministério do Planejamento será apenas mais uma medida paliativa, sem garantia de proporcionar melhorias de gestão e com alto risco de piorar o que já não anda muito bem.

Enquanto prevalecer a lógica de curto prazo dos ajustes fiscais e seguirmos com processos decisórios excessivamente concentrados na Casa Civil, dificilmente reuniremos as condições necessárias para darmos um salto de qualidade na oferta de políticas públicas. Diante deste cenário pouco animador, fica a pergunta: para aonde vai o planejamento?

 

Redação

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