Para entender o artigo de Gaspari sobre a benemerência do BTG, por Luis Nassif

Obviamente, o Inteli não é uma obra à altura da “vigorosa classe média americana”, nem foi fruto de uma “doação”, mas um investimento da oligarquia patrícia para se apossar dos melhores projetos da maior universidade brasileira.

Em geral, a interpretação de textos, na mídia, esbarra em algumas dúvidas fundamentais. Pode ser por incompetência jornalística, por falta de informação, por falta de discernimento. No caso de Élio Gáspari, a análise fica mais fácil, por ser um jornalista reconhecidamente competente, bem informado e com discernimento. 

Justamente por isso, há um enigma instigante em seu artigo “André Esteves produziu uma boa notícia”, publicado em sua coluna dominical na Folha e em O Globo.

Gaspari narra a criação do Inteli (Instituto de Tecnologia e Liderança) implantado por Esteve dentro do campus da USP. “Esteves doou R$ 200 milhões para a construção do campus e os custos operacionais”, diz ele, comparando o feito à “vigorosa classe média americana” que financiou suas universidades e enaltece os 180 estudantes matriculados nos cursos de Ciências e Engenharia da Computação e Sistemas da Informação. A mensalidade é de R$ 5.500,00, mas metade dos alunos têm bolsas parciais ou totais, doadas por outras fundações. Ou seja, uma obra de benemerência para 90 alunos!

Qualquer analista bem informado – e Gaspari é – sabe que a Universidade de São Paulo, especialmente o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e a Escola Politécnica são os principais alimentadores de startups do país. A Poli tem 457 professores, 4.500 alunos de graduação e 2.500 alunos de pós-graduação, injeção direta na veia das pesquisas tecnológicas do país. 41,5% dos alunos da Poli são cotistas. Ou seja, 1.850 apenas na graduação, 20 vezes mais do que os bolsistas do Inteli.

Não apenas isso. Instalado em pleno campus da USP, o Inteli terá facilidades para identificar os melhores projetos da Poli e do IPT, os melhores professores, e contratá-los pois, como diz o release de Gaspari, o Inteli paga a seus professores salários três vezes maiores que na rede privada. E o BTG terá prioridade para selecionar as startups nas quais investir. Obviamente, o Inteli não é uma obra à altura da “vigorosa classe média americana”, nem foi fruto de uma “doação”, mas um investimento da oligarquia patrícia para se apossar dos melhores projetos da maior universidade brasileira.

Alguma dúvida de que haverá uma investida sem precedentes sobre os professores da Poli? É evidente que não. E em detrimento de 4.500 alunos, dos quais 1.850 cotistas, que ascenderam ao curso por mérito próprio, pois tanto alunos quanto cotistas se submeteram ao mesmo vestibular. Mas a Inteli tem 90 bolsistas, não é mesmo?

E aí se chega ao que interessa: qual o intuito dessa reportagem de Gaspari, que ofende a inteligência e a reputação do autor? Recentemente, Nelson Motta publicou no próprio O Globo uma candente defesa da abertura dos cassinos, reproduzindo acriticamente todos os argumentos do setor. Coincidentemente, pouco antes de um site de apostas se tornar o maior anunciante de O Globo. Mas Gáspari é maior que Motta. E é um sobrevivente que passou de maior apoiador do esquema militar na mídia, para uma estrela da democracia pós-Constituinte. Ou seja, sabe se posicionar no mar revolto das mudanças políticas e econômicas.

O que permite deduzir um jogo maior.

  1. Desde 2021 correm rumores insistentes de que as Organizações Globo estariam à venda. E os dois principais interessados seriam o BTG e a J&S. Nos últimos tempos a Globo vendeu algumas de suas sedes, está investindo pesadamente na Globoplay, mas sem esperanças de conseguir enfrentar a concorrência de gigantes internacionais. Boatos sobre sua venda se espalharam pela rede, embora ainda sem confirmação.
  2. Pelo teor da matéria, Gaspari recebeu o material diretamente do BTG, que não é sua fonte habitual. Antes, não saiu em nenhuma editoria de economia, em nenhuma publicação econômica. O banco preferiu passar para uma das colunas de maior visibilidade na mídia escrita, mas que aceitasse publicar sem questionar o conteúdo.

Esta é a melhor hipótese para o artigo. Outras explicações – ingenuidade, incompetência, falta de discernimento – não fariam justiça à inegável competência de Gáspari.

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Luis Nassif

13 Comentários

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  1. Em a “Saburra do Pasquim” que postei aqui há anos, Rui Barbosa já falava na pena de aluguel, mais de um século depois a prestação de serviço persiste.

  2. Aqui o Nassif, com sua acuidade, fazendo a interpretação devida:

    “Obviamente, o Inteli não é uma obra à altura da “vigorosa classe média americana”, nem foi fruto de uma “doação”, mas um investimento da oligarquia patrícia para se apossar dos melhores projetos da maior universidade brasileira.“

  3. Não haveria qualquer problema nesse investimento ou benemerência feito pelo BTG, caso essa mistura tão comum em terras brasileiras, dos interesses privados invadirem as esferas dos interesses públicos. Só o fato de existir cobrança de mensalidades nos cursos oferecidos pelo INTELI, que além de ser privado está ocupando o espaço pertencente a uma Universidade Pública já seria questionável. O fato de distribuir bolsas não reduz a questão. Mesmo que o curso fosse totalmente gratuito, sua natureza privada não mudaria. Se a criação do departamento fosse uma doação para a USP, trazendo novas formações e elevando a qualificação da universidade em suas dimensões públicas dando o mesmo proveito a qualquer interessado nos formados ofertados ao mercado. Não apenas em atrair os melhores professores dos departamentos citados pelo GGN, mas o benefício desigual em relação a interesses concorrentes ferem princípios que não devem ser ignorados. Tudo poderia ser evitado se o BTG realizasse seu projeto, sem qualquer prejuízo, reconhecendo seu interesse privado em outro lugar. Teria as mesmas condições de atrair os melhores profissionais docentes para o seu empreendimento. Essa busca por facilidades indevidas produzem desequilíbrios, inviabilizando o País. Não há nada demais em o BTG tentar criar soluções que o beneficiem, atendendo seu próprio interesse, fazer aquilo que outros não fazem. O problema não está no fim desejado, mas na forma ou meio utilizado.

  4. É a tragica reproducão do padrão americano. Essa privatização da pesquisa e do ensino universitário vale-se do financiamento publico dos programas de ciência e tecnologia. Assim o demonstram Mariana Mazzucto em seu livro “O Estado Empreemdedor” e Marco D’Eramo no livro Domínio. A apropriaição particularista dos resultados a pesquisa científica e tecnológica determinou a decadência das universidades americans. Quem tiver a pachorra de se informar, peça uma entrevista ao cintista brasileiro Miguel Nicolelis. Ele trabalho muitos anos em instituições americans.

  5. Ou seja, dou com uma mão “bondosa” 90 oportunidades, mas retiro com a outra, oportunista, os cérebros para o deus-mercado. Esses são realmente os “patriotas”. Mais um vexame em nome do poder e dinheiro…

  6. Sutileza do Nassif para apontar a hipótese de um vigoroso JABÁ. Inquestionável a competência do Gaspari, como inquestionável também é o seu papel de grande colaborador do sistema, seja ele comandado pelos fardados, seja pelos civis dentro da ordem que lhes convém.

  7. “Para entender o artigo de Gaspari”, reduzi a manchete propositalmente. O Nassif, infelizmente, é uma das últimas pedrinhas nos sapatos das nossas “zelites”. Se foi o Paulo Henrique Amorim da “Conversa Afiada” tá se apequenando verdadeiros jornalistas independentes.

  8. O cara ganha 5 mil por mês para dar 200 horas no Segundo Grau pelo Estado. E recebe 1800 em média de um colégio privado.
    No colégio do Estado ele embroma, mete atestado em cima de atestado, e põe a culpa todo no sistema. Já privado, dedicação total. Quando perguntam se é professor, se apressa logo dizer no colégio tal (o privado).
    Assim funciona o país.
    Gente que anseia entrar nesses projetos de “educação” da Globo. Onde, entre isenção e isenção, cada mestre deve sair pelo triplo do que paga o Estado, porém o dito mestre só leva um sexto, o restante se perdendo nos escaninhos da rodovia esperteza.
    Sobre o Gaspari?…

  9. Nada é público, tudo é privado.
    O que é lucrativo avança e progride, fazendo prosperar o bolso e a conta bancária em paraíso fiscal, o que não é se transforma em contas a pagar – pelo contribuinte.
    É absolutamente necessário perder as ilusões que ainda temos a respeito de ‘espírito público’.
    Toda e qualquer iniciativa dessa natureza usa uma fantasia externa – a benemerência – fartamente explorada e divulgada como tal; enquanto, nas coxias, seus verdadeiros propósitos se desenrolam.
    Élio Gaspari pode ser competente, profissional atilado, e ter escrita límpida e correta; mas não é ingênuo – nem nunca foi. Sabe onde está se movendo: nos pântanos da cupidez capitalista.
    E, com o perdão da má palavra, puta que pariu: “vigorosa classe média americana doando fortunas para o progresso da humanidade” é duro de aguentar.
    Que jeito de começar uma segunda-feira.

  10. Quando, ainda no domingo, fiquei sabendo do artigo do Gaspari, pensei: o cara incorporou de vez a idiotia do personagem EREMILDO, criado por ele. O escriba de aluguel (diria o velho Brizola) não aprende; passou anos enaltecendo o dono do Banco Santos: depois viu-se depois que a grana do mecenato era fruto de fraudes e crimes, conforme definiu o magistrado De Sanctis. Será que o Gaspari, leu o Plínio Marcos? O grande dramaturgo esculpiu na pedra, numa conversa de bar: VAMPIRO não doa SANGUE!

  11. Muito bom Nassif!! Apesar do tema na coluna do Elio não ser novidade. Ele sempre critica a elite do atraso em não emular a elite americana e elogia outras iniciativas. Mas, não é difícil compreender que se quisessem realmente ajudar, haveria muitas outras possibilidades. Os 200 milhões poderiam ser “dados” por meio de 4166 bolsas de mil reais para alunos negros fazerem cursos de quatro anos nas universidades federais. E, como o dispêndio seria mês a mês, ele ainda poderia investir o que fosse ficando a cada mês. Ou poderia eleger um estado como Alagoas, no qual menos de 3% da população acima de 24 anos tem educação superior.. ou Poderia financiar 2083 mestrando com bolsas …

  12. Lendo tardiamente os comentários do artigo do Nassif, nada restou para acrescentar, a não ser parabenizá-los todos, autor e comentaristas. Só não posso deixar de dizer que, ao ler o artigo, lembrei-me na hora daquele chiste sobre um deputado que esbravejou na tribuna, contra seus pares, dizendo que na casa metade era formada por vigaristas. Diante das reclamações, pediu novamente a palavra, desculpou-se, e finalizou com um “retiro minha crítica, metade desta casa não é formada por vigaristas. A sutileza do Nassif é impagável. Até eu, que tenho uma certa dificuldade de interpretar textos, entendi que o jornalista da Folha é competente, bem informado, tem discernimento, e é contra a liberação dos cassinos.

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