A história trágica da moderna Rondônia

Do Portal Luís Nassif

Por Montezuma Cruz

Aquela que um dia foi Prosperidade

RONDÔNIA DE ONTEM

Este é o quinto artigo da série que relata alguns fatos ocorridos em Rondônia no período de transição entre o Território Federal e o Estado.

Montezuma Cruz

Prosperidade era o nome de uma gleba no Distrito de Riozinho, em Cacoal. Lugar de sangue, suor e lágrimas, parafraseando a expressão do premiê britânico Winston Churchill em 1940, no começo da Segunda Guerra Mundial. Quase 80 famílias perseguidas por jagunços ocupavam pedaços de terra cuja posse era defendida pelos fazendeiros paulistas Sílvio Lázaro e Moacir Ravagnani, sócios no grupo Bonanza, que contratavam na ocasião o escritório de advocacia de Amadeu Machado e Ney Leal.

Insultadas na beira da cerca de arame farpado, elas foram despejadas e impedidas de retirar as colheitas de café, arroz, feijão, mandioca, milho, banana, abacaxi, e alguns porcos, patos, galinhas e cães de estimação. Tudo era confiscado.

Antes da chegada dos soldados da Polícia Militar à área, pulavam miúdo nas mãos de oficiais de justiça. Houve dois despejos ali: num deles, depois de três dias e três noites presos numa cela fedorenta, Jovino de Souza, da linha nove, relatou: “Não deu tempo para pegar nada: eles apareceram às 8h. Seis jagunços mandaram a gente pôr as mãos na cabeça e depois retirar os trens para fora de casa. Depois, fomos saber que eles jogaram tudo no Rio Machado”.

“Catem tudo, que eu vou queimar a casa!”, gritou um policial, cercado por jagunços. O casal de posseiros Florivaldo Honório Xavier e Carmelita Xavier viu o casebre ir abaixo. Por trás desses jagunços estava o capitão-de-Exército Antônio Domingos Sanson, vindo de São Paulo. Posseiros viram pistolas e metralhadoras nas mãos dos jagunço. Nenhum inquérito foi aberto para apurar o uso dessas armas privativas.

Em junho de 1978, um batalhão de soldados da PM executou a tiros o segundo despejo. Duas grávidas passaram mal. Quem mais amedrontava as famílias era José Joaquim dos Santos, o conhecido “Zé Bahia”. Quando ele aparecia, ranchos vinham abaixo com motosserras. O coordenador especial do Incra, Bernardes Martins Lindoso, ameaçava: “Tiro eles de lá na hora que quiser e quando bem entender, do jeito que fizemos no (seringal) Muqui”. “As acusações do advogado e do deputado de nada valem e pouco vão influenciar o nosso
trabalho”.

O advogado era Agenor Martins de Carvalho, assassinado em 1980, e o deputado, Jerônimo Santana, que teve três legislaturas. O ex-servidor da Funai, Alceu de Araújo Veras, transformou-se no principal líder dos posseiros.

Os abusos corriam a BR-364. Outro oficial de justiça requisitara a PM para despejar posseiros nas terras do fazendeiro Fernando Iberê, em Pimenta Bueno. O então juiz de Direito e mais tarde desembargador, César Montenegro, decretara o despejo de apenas cinco famílias. O oficial decidiu despejar 70 (!), valendo-se da PM comandada pelo coronel Ivo Célio da Silva. Depois, o demitiram.

Representando as famílias, Antenor Penasco, Manoel Alves dos Santos e Valdivino Martins Vieira foram de ônibus protestar em Porto Velho. Queriam indenização e denunciavam recibos dos fazendeiros, supostamente falsificados, de comum acordo com funcionários do Incra, em maio de 1977.

O juiz substituto da Comarca de Porto Velho, Bruno Ferreira, não quis reintegrar as famílias. Seu colega José Clemenceau Pedrosa Maia, que gozava férias, assinou liminar mantendo a posse temporária em favor dos fazendeiros. O advogado Agenor de Carvalho contestou-a, requerendo a anulação do despejo. Só em janeiro de 1979, por maioria de votos, o Tribunal de Justiça revogava a decisão do juiz Clemenceau Maia e determinava o retorno das famílias aos lotes.

Os interrogatórios visavam também à imprensa, seja pelo depoimento ou pela espionagem nua e crua. Desta maneira, o secretário de Segurança Pública José Mário Alves da Silva convidou-me para um cafezinho, às 9h da manhã, em seu gabinete.

A conversa ia bem, até que ele se voltou para a secretária, dizendo: “Dona Fátima, tome os termos”. Começava mais um inquérito policial que se transformaria em processo judicial movido pelo governo territorial contra este repórter. Forças do bem o abortaram.

Sem o azul e o vermelho que caracterizavam a primeira página de A Tribuna – não havia tinta em estoque –, o editor Paulo Queiroz deu o título em duas linhas numa capa negra: “Só resta medo na gleba que um dia foi Prosperidade”. 

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Luis Nassif

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