Livro-reportagem alerta sobre a questão dos desaparecidos

Agência USP de Notícias

Por Ana Paula Souza – [email protected]

Publicado em 13/dezembro/2013

Produzido na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, o livro-reportagemSem Resposta – Dor, luta e esperança na busca por pessoas desaparecidas levanta discussões a respeito de como a sociedade e a justiça brasileiras lidam com o desconhecimento do paradeiro de milhares de pessoas. De autoria da jornalista Rafaela Carvalho, e elaborada entre 2012 e 2013, a obra não apenas traz ao público informações importantes sobre os desaparecimentos no País como também apresenta um questão cujo valor parece óbvio, mas que é menosprezado por muitos: o fato de que a história de cada pessoa é relevante e merece ser valorizada.

 

                                       

                   Cerca de 200 mil brasileiros desaparecem anualmente no País

 

O livro é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) feito por Rafaela para a graduação em Jornalismo. A obra traz seis histórias de pessoas desaparecidas, narrativas que chegaram ao conhecimento da jornalista por meio da ONG Mães em Luta, com a qual Rafaela entrou em contato para a produção do trabalho. No livro-reportagem, é traçado um paralelo entre o desaparecimento e a abertura de uma ferida. Por meio dos depoimentos dos familiares dos personagens da obra, percebe-se, como bem explica Rafaela, que não saber o paradeiro de uma pessoa abre uma lesão íntima cuja ausência de resposta não permite a sua cicatrização. Essa metáfora conduz à reflexão de que há milhares de pessoas feridas no Brasil, cujas trajetórias, tratadas de maneira sensacionalista pela mídia e negligenciadas pela sociedade, não podem ser ignoradas e merecem ser respeitadas. “Parece um universo abafado do nosso cotidiano. Vemos as fotos das pessoas desaparecidas e parece que elas sempre estiveram assim. Tudo que enxergamos é um rosto chapado, sério, em uma foto com a qual não nos relacionamos. Com esse trabalho, passei a ver cada um dos rostos dessas fotos como uma história. Não existe sentido em ignorá-las”.

Onde está a lei?
Cerca de 200 mil brasileiros desaparecem anualmente no País, número que se aproxima do total de habitantes da cidade de São Carlos, no interior de São Paulo. No entanto, apesar das estatísticas alarmantes, não há um dispositivo jurídico que possibilite às famílias um respaldo da lei na busca por seus parentes. Segundo Rafaela, “não existem delegacias especializadas em tratar a questão. E mais: desaparecimento não é considerado crime, especialmente se a pessoa desaparecida for um adulto. Logo, não havendo nenhuma prova material, a polícia não investiga, ou investiga muito pouco. Nesse caso, o Boletim de Ocorrência (BO) não vale absolutamente nada. O documento é só a prova de que o desaparecimento foi notificado, mas ele não serve para quebrar sigilo bancário e começar uma investigação, por exemplo. Quem desaparece deixa de ser protegido pelo Estado, o que significa que deixa de ser um cidadão.”

Questão de luta
Dos sequestros ao tráfico de órgãos, passando, também, pelas fugas voluntárias, são inúmeras as causas dos desaparecimentos em território nacional. No entanto, independentemente das circunstâncias ou do tempo em que uma pessoa encontra-se desaparecida, há quem não deixe de lutar para encontrar novamente aqueles que amam. Entre essas pessoas incansáveis, presentes no livro de Rafaela, está Sandra Moreno, autora do Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Pessoa Desaparecida no Brasil, que visa à promoção de mudanças no tratamento dos casos de desaparecimentos no País. Sandra é mãe de Ana Paula Moreno, que desapareceu no ano de 2009 quando estava indo para o trabalho. Desde então, a mãe se tornou uma das principais protagonistas na luta pela procura de pessoas desaparecidas.

“Todo desaparecido é um ser humano e esse ser humano já esteve ‘aparecido’. Amanhã pode ser qualquer pessoa”, reflete a jornalista. “São 200 mil desaparecidos no Brasil por ano, mas esse dado é uma estimativa, esse número pode ser muito maior. Vamos realmente ficar sem fazer nada?”.

Uma reflexão para o jornalismo
“Depois desse trabalho, percebi que aquilo pelo que sempre brigo no jornalismo é real. Todas as histórias têm relevância”, ressalta Rafaela. Para a jornalista, nenhuma história é menor do que outra e todas merecem atenção. “Uma coisa que o professor Eugênio Bucci, meu orientador, falou na minha defesa é que o que envelhece o jornalista é ele contar essas histórias, se envolver e depois se afastar. Assim, percebi que, como jornalista, minha função é contar histórias como as seis que estão no meu TCC e ir para o mundo com a noção de que nenhuma é menos relevante que a outra, e que cabe ao jornalista jogar luz sobre todas elas.”

http://www.usp.br/agen/?p=164318

 

Redação

4 Comentários

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  1. Alarmante

    200.000 desaparecidos por ano não contam com Delegacia específica, no entanto 50.000 homicídio por ano, contam. Ainda q se leve em consideração os q desaparecem por vontade própria, o número ainda é gritantemente maior! Além do que, muitos desses desaparecidos poderiam, na verdade, estar contidos nos homicídios e não estão por simplesmente falta de investigação… Preocupamente.

  2. e pensar que a televisão sempre consegue localizar…

    e no mais tardar em duas semanas……………..

     

    mas todos daquela classe rica, linda e aventureira

     

    se é tão fácil assim, como já vimos várias vezes, por que o Estado não faz o mesmo?

     

    por que o Estado, polícia, consegue localizar carros roubados de ponta a ponta do país e não pessoas?

  3. Há muito tempo eu falo sobre

    Há muito tempo eu falo sobre isso. Acho que o número de 200 mil desaparecidos está errado, pois há uns 10 anos, quando eu comecei a me interessar pelo assunto, a estatística era de 500 mil por ano. Desses 500 mil calculava-se, na época, que 95% se enquadravam em 02 hipóteses: desaparecimento voluntário e acidente ou mal súbito. 5% eram inexplicáveis, o que deixava 25 mil pessoas sumindo sem rastro todo ano. Quantos desses foram vítimas de assassinos em série ou de traficantes de escravos ou órgãos? Ninguém sabe e, nas atuais circunstâncias, não tem como saber. Um assassino serial poderia cruzar o Brasil de norte a sul, de leste a oeste, matando indiscriminadamente sem jamais ser identificado e sem que as polícias saibam que ele existe. Bastaria desovar os corpos de suas vítimas em um estado diferente de onde as pegou, isso se não os enterrasse ao longo do caminho. Não há comunicação entre as polícias estaduais, a não ser em casos pontuais, como nos crimes de tráfico de drogas ou quadrilhas de roubo a banco, carro-forte, etc. Sequer existe um sistema onde se consulte os dados e fotografias de pessoas desaparecidas dentro do Estado, que dirá em nível nacional. O Brasil, nessa questão é o paraíso dos assassinos em série e dos traficantes de escravos e órgãos. Se nem se sabe que eles estão por aí, como se fará para combatê-los?

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