O espião brasileiro na Guerra Civil Espanhola, por Jota A. Botelho

No documentário intitulado Operación Nikolai, realizado pela TV3 da Catalunha, em 1992, e dirigido por Maria Dolors Genovès, nos revela que um espião da antiga NKVD (atualmente KGB) era um brasileiro identificado como José Escoy, e que teria sido um dos cérebros da operação de sequestro, tortura e morte de Andreu Nin, o marxista catalão e anti-stalinista, ex-ministro da Justiça da Generalitat em Barcelona, fundador e líder do POUM, partido de orientação trotskista já rompido com Leon Trotski. 

https://www.youtube.com/watch?v=stb7xIoF-s4 align:center]


Escrever sobre a Guerra Civil Espanhola é como entrar num caleidoscópio ou subir a Torre de Babel. É como se entrássemos numa biblioteca de um mosteiro medieval como aquele mostrado no filme O Nome da Rosa, baseado na obra de Umberto Eco. Um labirinto. Ou como cair num abismo. São tantas obras referenciais, escritas nos quatro cantos do mundo, e toda uma documentação repleta de informações que, juntadas as que já tenhamos lido, ainda assim seriam insuficientes. Culpa dos espanhóis. Antes, na era das grandes navegações, foram eles que estiverem nos cinco continentes. Não à toa que praticamente todas as partes do mundo se voltaram para a Guerra Civil Espanhola. Eu também fiz a minha viagem de circunavegação pela internet até chegar no espião brasileiro e depois tentar saber mais sobre ele, já que para mim foi algo surpreendente, impensável, mas entrei pelo elcano. O navegador espanhol, Juan Sebastián Elcano, foi mais feliz que eu. No Brasil, há quase um descaso em divulgar a participação dos brasileiros, com suas histórias, que lutaram na Guerra Civil da Espanha. Embora haja vários livros a este respeito, mas o que realmente ficou mais conhecido foi o livro de Apolônio de Carvalho Vale a pena sonhar (Aqui), que teve até um documentário homônimo (Aqui). E vale a pena dar uma espiada (sem trocadilhos) no artigo sobre os combatentes brasileiros na Espanha (Aqui). Mas por que me interessei pelo assunto? Curiosidade? Falta do que fazer? Desemprego? A Depressão? Algo mais urgente, talvez. Penso…

“… A morte de Nin foi um ponto de inflexão na Guerra Civil Espanhola. Uma guerra civil dentro da guerra civil. Como são perigosas as guerras civis… Este ano se comemora cem anos da revolução russa… Não sei quantos gritos a humanidade já deu. Lembro-me de um, dado em meados do século XIX por um velho barbudo e que ecoou pela humanidade inteira, percorrendo quase todo o século XX… Os russos…  A coisa tá rússia… Finalmente desimbernaram com este grito. Bem, tem os gritos de dor… Estes sempre foram permanentes. Houve um outro grito, dado pelos patrícios: Terra à vista! Ou teria sido um pregão: Vende-se terra, à vista! E Caminha acrescentou: Em se plantando, tudo dá! É uma possibilidade… Felizmente este grito ficou somente em torno das embarcações. Mas, afinal, quem foi que abriu a Caixa de Pandora na Espanha?… Segundo as más línguas, aqui foi a política moralizadora do ‘doa a quem doer’. Bobagem, quase todas as nações tem sua Caixa de Pandora. Talvez não fosse preciso abri-la… Mas neste caso nunca saberíamos o mal que nos habita. Habita o nosso país… Embora muitas nações a fizeram… A Alemanha de Hitler… E como gritava, meu Deus! Mil anos?… tá bom… Sempre gostei desta canção com La Dietrich cantando As Ruínas de Berlim… 

https://www.youtube.com/watch?v=Ja2Rqpi0z3s align:center]

…Temos a Itália de Mussolini, a França do senil Pétain… Lembro-me agora de um post inconcluso sobre a ocupação da França pelos alemães que continha alguns trechos de filmes de atrizes francesas que viveram e/ou até colaboraram com a ocupação alemã, acrescidos de belas canções românticas… Foram quatros anos de destruições e mortes inúteis até que os alemães fossem derrotados, restando aos seus colaboradores e beneficiários oportunistas apenas o ajuste de contas por suas traições e covardias depois da derrocada final, principalmente por terem transformado a França num verdadeiro ‘bordel’ muito antes de Fulgencio Batista em Cuba. A burguesia francesa preferiu se aliar ao invasor a tolerar governos progressistas com algumas reformas sociais…

https://www.youtube.com/watch?v=DQjiSuOwbVI align:center]

https://www.youtube.com/watch?v=5FAHpTWUC_c align:center]

https://www.youtube.com/watch?v=Ba3_TTq0H1s align:center]

https://www.youtube.com/watch?v=9j2mdquS8tk align:center]

… A China de Kai-shek, Los hermanos aqui do lado, com sua república do eterno retorno… Penso que foi Goya, que pintou o que existe entre o sórdido e o sublime. Ou então foi Picasso, com sua pintura inovadora e revolucionária. Depois dele, a pintura numa foi mais a mesma. Se os republicanos tivessem vencidos, talvez a Espanha também não… Foram isso que evitaram?… Da Espanha não ser mais a mesma naquela época? Com a palavra, Goya e Picasso, pois basta observarmos atentamente para os seus quadros que enxergaremos toda a Guerra Civil Espanhola. Como são perigosas… Esta acabou num 1º de abril… E numa ditadura feroz de 40 anos. Com campos de concentração, torturas e fuzilamentos, além de trabalhos forçados na reconstrução de uma Espanha praticamente destruída”. 


Espanha em chamas nas pinturas de Goya e Picasso.

ANTECEDENTES


Foto de Orlov (3º da esq. à dir.).

Como se trata de um documentário presente em vários blogs, e como já dissemos antes sobre os inúmeros livros que trataram da Guerra Civil Espanhola, portanto ficaremos presos a outros documentários como os da Série España en Guerra (1936-1939), produzidos pela TVE Espanhola a partir de 1986 (Aqui), mostrando antes à intervenção de vários historiadores espanhóis que colaboraram com seus textos à minissérie, sabiamente escolhidos pela produção por representarem visões distintas do conflito e, por isso mesmo, no intuito de buscar a pacificação com isenção e equilíbrio nos 30 capítulos produzidos, senão poderia ter ocorrido uma outra guerra civil (Aqui). Mas sobre o assassinato de Andreu Nin, ficaremos com o capítulo que nos mostra os antecedentes ao seu desaparecimento (Aqui). Visto o documentário Espanha em Guerra (17/31) – Os acontecimentos de maio, podemos verificar a união dos franquistas e o racha entre as esquerdas republicana. Como o leitor pode verificar são inúmeras as informações que poderíamos especular, enquanto que para mim a de George Orwell, o responsável por me jogar nesta enrascada depois de ler um artigo sobre ele na Carta Capital (Aqui), especialmente o seu livro Homenagem à Catunha (Aqui ou Aqui), em que ele narra os conflitos de 1937 ocorridos em Barcelona e a sua participação como miliciano do POUM. E foi assim, com uma coisa puxando a outra, depois que o novelo saiu do carretel, que comecei a minha viagem e cá estou eu à beira do abismo desta luta fratricida, num jogo de espiões.

https://www.youtube.com/watch?v=ShnNMxB4Av8 align:center]

Não me cabe avaliar o valor de todos esses documentários, se partidários ou não de um lado ou outro (deixo os julgamentos para os leitores), uma vez que, no momento, o que mais me despertou o interesse foi a presença do espião brasileiro na morte de Nin, mas infelizmente não encontrei nada além de sua citação no documentário Operación Nicolai e nos blogs a seguir. Deixo a cargo do leitor a leitura desses artigos. Como são longos vou evitar de transcreve-los aqui. Num deles há inclusive um artigo da diretora do documentário, publicado na Fundação Nin e reproduzido nos blogs Revista Socialismo [1] e La Veu Cardada [2], que dá o seu testemunho sobre a Operação Nicolai, e que pode ser complementado com o artigo do blog Relaciones Rusia-España – Estacion Mir. Ainda acrescentamos o livro de Boris Volodarsky El Caso Orlov (Editora Crítica, Barcelona), comentado em parte no blog de Javier Villanueva [3. Finalmente, um artigo de Nin referente ao 1º de maio de 1937, em Barcelona (Aqui). Para encerrar, recomendo ainda o filme de Jaime Camino, La vieja memoria, sobretudo a partir do 200º minutos onde vamos assistir um outra racha dos sobreviventes da velha guarda stalinista com os anarquistas da CNT-FAI e os partidários do POUM. De um lado, Enrique Líster e Dolores ‘La Pasionaria’ Ibárruri, e do outro, Federica Montseny e Abad Santillán, dentre outros (Aqui ou Aqui [4). Não falei que seria como entrar num labirinto. 

O DOCUMENTÁRIO OPERAÇÃO NICOLAI


Cartazes do POUM antes do assassinato de Nin e depois (à dir.) com a campanha para incriminá-los como agentes fascistas. No centro, os militantes no POUM grafitaram nas paredes – ¿Donde Esta Nin (On és Nin?) e os stalinistas respondiam: En Salamanca, o Berlin (cidades franquistas e nazistas).

Apresentação:
 
Em 16 de junho de 1937, durante a Guerra Civil Espanhola, Andreu Nin, marxista contrário à política de Stalin, sendo o primeiro a denunciar publicamente os famosos ‘Processos de Moscou’ em seu jornal La Batalla, é sequestrado em Barcelona e desaparece sem deixar rastros. Durante seis meses, uma equipe de investigação da TV3 da Catalunha trabalhou nos arquivos da Internacional Comunista e da KGB em Moscou. Era o ano de 1992, e pela primeira vez os pesquisadores tiveram acesso a uma série de documentos secretos, guardados até então há 55 anos. Neles encontram a Operação Nikolai, que revelavam a conspiração, o sequestro e assassinato de Nin, seguindo o mesmo modelo dos expurgos stalinistas ocorridos entre os anos de 1936 a 1938. Eles também descobriram o lugar e local onde foi enterrado o líder marxista.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=zLAfmtlCgTU align:center

P.S.1: as indicações dos vídeos estão no Youtube.
P.S.2: pesquise os links de alguns blogs citados, caso eles não abram:

[1http://revistasocialismorevolucionario.blogspot.com.br/2013/03/operacion-nikolai-o-el-asesinato-de.html

[2http://laveucardada.blogspot.com.br/2012/06/operacion-nikolai-o-el-asesinato-de.html

[3http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2015/09/orlov-marca-da-traicao-1-parte.html

[4http://javierdelaribiera.blogspot.com.br/2008/12/la-vieja-memoria-segunda-repblica.html  
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Jota Botelho

9 Comentários

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  1. Da Wikipedia

    1937: sequestro, torturas e assassinato[editar | editar código-fonte]

    Finalmente, à medida que as tensões ficaram mais evidentes, acirradas pelo PCE e o PSUC (organização catalã do Partido Comunista de Espanha), e após os acontecimentos de Maio de 1937 em Barcelona, foi detido pela polícia política soviética às ordens de Stalin, que agia na zona republicana em ligação com o comando do PCE na polícia e no governo (Junho de 1937). Transferido para Valência e depois para Madrid, foi torturado, esfolado, desmembrado e assassinado por ordem do general Orlov, que actuava em nome de Stalin, segundo os papéis da KGB recentemente exumados por José María Zabala, no seu livro En busca de Andreus Nin (edição espanhola), em Alcalá de Henares, a 20 de Junho de 1937. A versão oficial que se deu foi que Nin tinha sido libertado da “Cheka” (i.e., a polícia secreta soviética) “pelos seus amigos (sic) da Gestapo“. Assim falaram Juan Negrín, chefe do Governo da República na altura, e Santiago Carrillo, conselheiro de Ordem Pública e dirigente do PCE.

    O corpo de Andreu Nin nunca foi encontrado.

    1. “Versão Oficial “

          Desculpe a frase, mas : ” Merda quanto mais mexe mais fede “.

          Um dos tópicos mais complicados e ainda não “mexidos” desta época , é a colaboração entre os serviços de “segurança” soviéticos ( NKVD e GRU ) com os nazistas ( SD – Amt VI )* em paises como Espanha, e internamente na Alemanha onde o SD – Amt IV ) recebeu da NKVD listas de comunistas alemães, contrarios a Stalin, que ou foram mortos na própria Alemanha, ou deportados para a URSS, para “autos de fé “.

            A situação para muitos “comunistas – não estalinistas”, na Alemanha e Austria, ficou muito mais dificil após o Pacto de Agosto de 1939 entre Hitler e Stalin, quando familias de comunistas alemães e austriacos, perderam a cidadania, foram entregues a NKVD através de “listas” do RSHA/SD, e outros comunistas alemães, a época já refugiados na URSS foram “dedados” pelo RSHA/SD como anti-estalinistas, sendo a maioria deles executados ou deportados ( familias inclusive ) para a Sibéria ( alem da região de Omsk ).

          

    2. Ok, José! Antes, obrigado pelo comentário.

      Mas o que eu gostaria mesmo de saber era de outro José. Quem era esse José ‘Escoy’? Que fim levou o Zé? Voltou para a antiga União Soviética e foi executado por Stalin? Ou voltou para o Brasil? É verdadeira ou falsa a informação do entrevistado no documentário? Como ele soube da identidade de José ‘Escoy’? ‘Escoy’ foi pego e morto pelos franquistas antes de poder fugir? Na verdade eu fui atrás de um furo, talvez por pura diversão, passatempo… mas infelizmente não encontrei nenhuma fonte e, pior, não tenho meios de adquiri-la. Segue mais um documentário sobre o Último Secretário Geral do POUM – Wilebaldo Solano – mas nem ele acrescentou nada sobre a minha ‘caçada’.

      [video:https://www.youtube.com/watch?v=qNea8UaNXZk align:center]
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  2. Meu tio conhecia um cara

    Há muitos anos estava passeando com meu tio em Santana do Livramento. Eu era do Exército na época. Ele me apontou um homem velho, muito alto, e disse aquele ali é um agente do comunismo internacional.

    Perguntei como ele sabia disso e ele me contou a história. Quando da Intentona Comunista de 1935, o homem era do Partido Comunista. Deflagrada a Intentona, foi decretada a prisão de todos os membros do partido. Quanto tentaram prende-lo, na Praça Internacional, que divide a fronteira entre Brasil e Uruguai, ele matou três policiais e atravessou a rua para o lado uruguaio, de onde embarcou para a Espanha e se juntou às Brigadas Internacionais. Depois disso, ninguém mais soube dele, até ter voltado para Livramento, já nos anos 80.

    Infelizmente nunca soube o nome do cara. Gostaria de poder pesquisar sobre ele.

    1. Obrigado, Jorge

      Quem sabe conseguimos algo. Você lembrou um fato importante: em 1935 foi enviado para o Brasil muitos agentes pelo Comitê Central para ajudar Prestes na Insurreição Comunista, inclusive Olga Benário, que foi treinada pela NKVD, e antes de se tornar sua mulher, fora sua segurança. Além de muitos outros agentes. Questão: José veio na leva ou foi recrutado aqui no Brasil e depois enviado à Espanha? Seria ele um russo-brasileiro? Ele foi o tradutor de Orlov, e foi ele quem preparou à campanha de difamação e o posterior ‘processo’ contra os militantes e dirigentes do POUM. Deve ter participado do assassinato de Nin também. Há um artigo publicado no El País, do dia 22 de abril de 2007 que nos dá outras informações (Aqui). Bem, essa história está indo longe demais. Em tempo: já que estamos falando de espiões, quero esclarecer que não tenho nada a ver com o tal Botelho que foi espia do Exércíto recentemente. Embora tive parentes nas Forças Armadas Brasileiras, mas em outra praia e em pricas eras.  

      1. Vou tentar uma pesquisa por vias transversas

        Vou ver se consigo algo pesquisando agentes do estado mortos ou feridos em 1935. São Google ajuda os que vão atrás de informações.

        E seria um exemplo de OSINT se conseguisse identificar o conhecido do meu tio.

  3. Sob notre céu

    A burguesia francesa preferiu se aliar ao invasor a tolerar governos progressistas com algumas reformas sociais… E isso remete ao governo de Leon Brum e seus ministros incriveis, como Jean Zay. Nenhuma burguesia, je sais, deseja reformas sociais… Muitos colaboraram ou figiram, aceitando silenciosamente a ocupação, com o Reich. Como muitos hoje colaboram com o governo golpista e anti-democratico. Muitos desses atores, é claro, não eram colaboracionistas. Pelo menos jamais li que Gabin ou Arletty tenha colaborando com os alemães.

    Sobre a guerra civil espanhola apesar de ter lido alguns textos e visto documentarios, é realmente um emaranhando de acontecimentos, de participações de intelectuais e de tanto mundo… Contém um pedaço da historia em si mesmo.

    1. Outro post abismal

      Maria Luisa,
      Seria outro post fascinante se não fosse trágico, sobre este período da ocupação alemã na França, que acabei desistindo dele. São tantas histórias e personagens… um outro abismo. Quem sabe um dia… Jean Gabin e tantos outros foram embora do país. Nunca foi um colaboracionista. Esteve em Hollywood ao abrigo de Marlene Dietrich que, segundo historiadores, foi o grande amor da vida dela. Se reencontraram em Paris no dia da libertação. Quanto à Arletty, tem um filme sobre ela – Arletty, uma paixão com culpa (Arletty, une passion coupable, 2014). Chega, senão volta tudo de novo. Um grande abraço.
      __

       

  4. Corrigindo

    Léon Blum…. Esse periodo da historia é muito rico e ha tanto a dizer ainda. E no Brasil ha carência de se contar essas historias, não deixa-las para tras, para suprir as lacunas da escola e das familias.

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