O maior escândalo da história do Ministério Público Federal dos EUA

No dia 11 de setembro de 2001, houve o atentado contra as Torres Gêmeas e contra outros prédios nos EUA. A resposta ao terrorismo praticado veio na forma da promulgação do chamado Ato Patriótico, em outubro de 2001.

Esse ato permitiu uma escalada sem precedentes na flexibilização de direitos e garantias civis, ao abrir espaço para a interceptação telefônica e telemática sem autorização judicial, além de dar um verniz legal a práticas de tortura contra pessoas suspeitas de terrorismo. Houve também a quebra da Convenção de Genebra, em relação aos prisioneiros de guerra, e várias outras implicações.

O ato expiraria ao final de 2005, mas foi renovado pelo Congresso norte-americano, sendo promulgado pelo presidente George W. Bush em março de 2006. Nesta renovação do Ato Patriótico, entrou a mão de gato. Uma das cláusulas inseridas no texto pelo senador republicano Arlen Specter dava poder total ao Departamento de Justiça (similar ao Ministério da Justiça) e ao presidente para demitir e nomear procuradores federais a seu bel prazer, sem a anuência do Senado.

Essa cláusula passou despercebida, até que a rede ABC News mostrou e denunciou uma série de emails, em março de 2007, nos quais o principal estrategista político de George W. Bush, sr. Karl Rove, que o acompanhava desde os tempos de governador no Texas, aparecia trocando mensagens com Alberto Gonzales, então Conselheiro da Casa Branca.

Karl Rove era vice chefe do Estado Maior e Conselheiro Superior da presidência da república na época dos fatos. A troca de emails houvera sido feita em janeiro de 2005, e nela os senhores Karl Rove e Alberto Gonzales, além de outras figuras importantes do governo Bush, planejavam a troca de procuradores federais que não rezavam pela mesma cartilha do governo republicano.

Alberto Gonzales, que foi o principal responsável por justificar juridicamente as arbitrariedades do Ato Patriótico, chegou a colocar como pré-condição, para a sua chegada ao Departamento de Justiça e ao cargo de Procurador-Geral dos EUA (lá a função de Ministro da Justiça e de Procurador-Geral é exercida pela mesma pessoa), a possibilidade de demitir procuradores de orientação liberal, com vínculos políticos maiores junto ao Partido Democrata.

Dito e feito. Alberto Gonzales substituiu o antigo Procurador-Geral, John Ashcroft, em fevereiro de 2005. A partir de março de 2006, com o Ato Patriótico devidamente renovado, e contando com a cláusula “mão de gato” inserida no texto, Alberto Gonzales começou a colocar em prática o plano arquitetado em janeiro de 2005.

Uma ordem escrita revelou que, em março de 2006, Gonzales ordenou ao seu chefe de gabinete, Kyle Sampson, e à conselheira Monica Goodling, a demissão de 135 pessoas tidas como inimigas políticas da administração George W. Bush. A demissão dos procuradores federais começou em dezembro de 2006. No total, foram demitidos oito procuradores federais e, a partir da denúncia da ABC News, o Congresso dos EUA iniciou as investigações.

O presidente George Bush, o Procurador-Geral e chefe do Departamento de Justiça, Alberto Gonzales, e o estrategista Karl Rove, foram acusados de utilizar de má-fé a cláusula inserida na renovação do Ato Patriótico, e de politizar o Ministério Público Federal para blindar membros do Partido Republicano de investigações que vinham sendo feitas pelos procuradores federais demitidos em dezembro de 2006.

O maior escândalo da história do Ministério Público norte-americano teve como consequências as saídas de Alberto Gonzales e de Karl Rove da administração de George W. Bush, em meados do ano de 2007.

Além de perder os seus dois ‘braços direitos’, Bush viu o Senado aprovar a supressão da “emenda mão de gato”, ainda em março de 2007, por acachapantes 94 votos favoráveis e apenas dois contrários. Uma semana depois, com nova votação acachapante, a Câmara dos Deputados também aprovou a derrubada da cláusula que dava poderes ilimitados ao Departamento de Justiça e ao Procurador-Geral, com 329 votos favoráveis e apenas 78 contrários.

O texto final foi aprovado por sessão conjunta do Congresso, em maio, e em junho de 2007 o presidente da república se viu na iminência de promulgá-lo. E assim o fez. A aventura autoritária de dar plena liberdade para a nomeação e demissão de procuradores federais, por parte do presidente e do Procurador-Geral, enfim chegava ao seu término. Aventura que durou, felizmente, apenas um ano e três meses.

Hoje, como é de praxe na história dos EUA, os procuradores federais só podem ser nomeados ou demitidos com a anuência do Senado. Raras são às vezes em que há demissões de procuradores, muito menos demissões em massa. Até porque a vigilância do Senado é ferrenha, diferente da vigilância do Senado brasileiro, que pouco cumpre o seu papel de fiscalização.

Em linhas gerais este foi o caso mais emblemático e rumoroso da história do Ministério Público Federal dos EUA, quando um governo pretendeu politizar a categoria e demitir em massa procuradores federais não alinhados, além de blindar membros do partido dos eventuais plantonistas do poder.

A patranha durou pouco. Mas o suficiente para que o Congresso daquele país agisse rapidamente para estancar a aleivosia praticada.

Aqui no Brasil algumas pessoas imaginam que o presidente dos EUA manda e desmanda no Ministério Público. Em primeiro lugar, as estruturas de Brasil e EUA são diferentes.

Em segundo lugar, em que pese poder nomear o Procurador-Geral, o presidente dos EUA não tem poder direto sobre os procuradores federais. Estes, como no Brasil, têm autonomia de investigação. E só podem ser admitidos ou demitidos com a anuência do Senado, algo que raríssimas vezes ocorre, como foi dito anteriormente.

Redação

16 Comentários

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  1. Santa ingenuidade, Batman.

    Bem, há de considerar que o Ministério Público dos EUA, assim como sua cópia mal ajambrada, o MP de Botocúndia, não se resume aos procuradores federais.

    Logo, faltou considerar que o Ministério Público, ou o escritório dos District Attorney são totalmente vinculados a uma estrutura de poder local, e na maioria das vezes, eleitos (os chefes locais).

    Algum idiota pode imaginar “autonomia” a um Procurador-Geral indicado pelo presidente, e que ainda por cima, acumule o cargo de Secretário de Justiça?

    Pois é.

    Os estadunidenses sabem das coisas e sabem inclusive como se auto imolarem em público (prática estranha e atávica daquele povo estranho, vejam que gravam as conversas de seus presidentes para posteriores escrutínios)…é definitivamente, um povo diferente.

    01- Não colocam procuradores e promotores em seus cargos por concurso;

    02- Pagam bem menos, proporcionalmente;

    03- O Senado (poder eleito) pode demovê-los, o que per si, já revela, ainda que a medida seja rara, quem é que manda.

    Mas os EUA e o Brasil são diferentes? Uai, claro, sô.

    Então por que continuar a defender cópias mal feitas?

    Lá, o MP proporcionou erros e uma limpeza social que colocou 2 milhões de pretos,pobres e latinos nas cadeias.

    Aqui, o MP colocou tantos pretos e pobres nas cadeias, mas “permite” que outros 50 mil deles vão paras as valas.

    Como vemos, aqui as coisas são bem diferentes.

     

    Agora perguntamos, enfim:

    Nos diferentes EUA, nossa matriz jurídica, vocês imaginariam o procurador-geral processando o presidente ou o seu partido, em uma devassa moralista associada com os encoleirizados porcalistas da mídia foxistinizada?

     

    Pois é…

    Aqui no Brasil, pulamos da indicação por compadrio de promotores e procuradores para a formação de uma casta concursada anti-democrática e golpista, encastelada em palácios de mármore.

    1. Apenas 3 Poderes no terreiro do Tio Sam

      Sem falar que os  EUA tomaram medidas para evitar abusos de Promotores cortando-lhes as asas ou seja não admitem que o MP atue como Quarto Poder, pois tres bastam: executivo, judiciário e legislativo. Por aqui o MPF se monocomunou com a imprensa tucana o que tornou a situação incompatível com a democracia, judiciário, pf e MP se confundem, já não se sabe mais quais são as compentencias de cada um quando se trata de atender a sede de vingança dos zelotes sic zelites.

  2. Santa ingenuidade, Batman II.

    Para os ingênuos que mancionaram a “ferrenha” vigilância do senado estadunidense sobre o processo político e o mundo jurídido, recomendo ver a primeira parte deste documentário do Michael Moore.

    https://www.youtube.com/watch?v=3VP39M3F03Y

    Triste ver os deputados reclamando a investigação do resultado fraudulento da eleição de Bush Jr ao então derrotado e presidente do Senado (o vice-presidente) Al Gore.

    Como nenhum senador assinou a moção (condição sine quae non para instaurar o questionamento), ganhou Bush Jr, com a anuência do Senado “ferrenho” de lá, incluindo aí a fala do líder dos Democratas no Senado.

     

    1. Interessante. Ou no mínimo engraçado…

      Aqui no Brasil o PSDB empreende um duro e ferrenho terceiro turno. Questionam o resultado da eleição, entram na justiça, questionam a lisura das contas do partido vencedor, questionam as contas da campanha vitoriosa, solicitam auditoria nacional e internacional nas urnas eletrônicas e instigam a revolta nos perdedores. 

       

      Por fazer tudo isso as pessoas, principalmente os frequentadores deste blog, tem questionado e criticado duramente o comportamento golpista dos tetra vices fracassados. 

       

      Nos EUA, na eleição de 2000, rumorosa desde sempre, o Partido Democrata, que perdeu o pleito, poderia se igualar ao golpismo do PSDB e entrar na justiça, questionar o resultado e a lisura do pleito e instigar a revolta na base Democrata.

       

      Ao contrário, resolveram salvaguardar a democracia e não judicializar o processo político, pois sabem que essa judicialização é sempre prejudicial. 

       

      Não é engraçado ver alguém criticar o PSDB no Brasil, porque é golpista e mau perdedor, e ao mesmo tempo lamentar que o Partido Democrata não tenha tomado a mesma atitude golpista, em 2000, lá nos EUA?

       

      Quer dizer que judicializar e fazer terceiro turno é golpe aqui mas seria louvável nos EUA? 

      1. Uai.

        Um dos maiiores erros dos aritculistas rasos (não é Vosso caso) é comparar tudo como se fosse a mesma coisa.

        E olha que é Vossa Excelência que reivindicou antes quer observássemos a diferença entre os EUA e o Brasil.

        Bem, eu não acho Michael Moore isso tudo, mas o que ele reúne é contundente.

        E até as pedras do Capitólio (como diria o Mino) sabem que Jeb Bush fraudou as eleições da Flórida e que eleitores negros e pobres foram “descredenciados” pela empresa contratada e que tinha ligações com o Partido Republicano.

         

        Eu esperava tudo de Vossa Excelência, menos comparar o golpismo do psdb com a roubalheira republicana, como se uma justificasse a outra.

        Bem, o tema nem é esse, é sim o papel do Senado, chamadoi por Vós de ferrenho defensor da Democracia.

        Ué, e então, representantes (como eles chamam os deputados) queriam uma investigação (leia-se, investigação), e nenhum senador (democrata?) ousou apoiá-los?

        Uma breve olhada no mundo dos lobbies revelaria ao comissário que não se tratou de republicanismo e senso cívico a (im)postura democrata.

        Mas cada um acredita no que quer, não é mesmo?

        O que aconteceu em 2000 foi o ápice do processo iniciado em 80 (com Reagan), onde a agenda corporativa seuqestrou e aprisionou o sistema representativo deles, com o beneplácito de Al Gore e sua resiliência democrática e democrata.

        Resultado?

        Mesmo com um negro democrata na Casa Branca, o governo parece a mesma coisa que um republicano do Texas: guerra, violações de direitos humanos, ajuda aos bancos, e sem sistema público gratuito de saúde.

  3. A clausula da gigolagem esta

    A clausula da gigolagem esta aonde mesmo?

    Essa eu vi com os proprios olhos.  So nao a vi escrita em lugar nenhum ainda.

  4. O maior escandalo do MPF brasileiro

    O maior escandalo do MPF brasileiro é a sua partidarização para tirar o dos tucanos da reta e ferrar petistas

  5. Se a mídia no Brasil não

    Se a mídia no Brasil não fosse um monopólio ( e golpista ), o partidarismo da justiça não encontraria o apoio e consequentemente seria mil vezes mais fraco.

     

     

    1. Comentário certeiro e fulminante

      Este comentário é perfeito e vai no ponto crucial da questão. 

       

      A democracia brasileira é, na verdade, uma semi-democracia. E é assim porque há um setor que até hoje não foi alvo de nenhum tipo de regulação democrática, que é a “grande mídia”. Não há nos EUA, na Alemanha, no Reino Unido, na França ou em outros países industrializados, uma concentração oligopólica dos grupos de mídia como há no Brasil. 

       

      Em democracias maduras jamais se permite, por exemplo, que um grupo como as Organizações Globo tenham o poder que tem aqui em Pindorama. Não tenho a menor dúvida de que o aperfeiçoamento da democracia brasileira vai ter que passar, mais dia menos dia, pela questão da democratização da mídia. 

       

      E quando isso acontecer, o golpismo será reduzido de forma significativa. 

       

      Eu acrescentaria, para fechar o ponto, a questão da reforma política. Além do oligopólio de mídia, jabuticaba tenebrosa com a qual infelizmente ainda temos que conviver, tem outro ponto de alta instabilidade no Brasil. Vejamos:

       

      Enquanto nos EUA há apenas 02 partidos no parlamento; no Reino Unido apenas 03; na França apenas 07; etc., temos aqui algo totalmente absurdo, que é a presença de incríveis 28 partidos representados no Congresso Nacional. Essa situação, aliada ao oligopólio de mídia, é muito mais perniciosa do que a atuação do MP e do Judiciário. 

  6. Cabeça de bacalhau.

    Desde 1988, e mormente, desde 2003, eu gostaria que o paladino do Ministério Público, fá nº 1 dos nossos Harveys Dents, comissário Diogo nos revelasse qual foi a grande operação dos promotores ou procuradores federais que ousou arranhar o sossego dos tucanos.

    Alstom-Siemens? Piada.

    Compra de votos da reeleição de ffhhcc? Onde?

    Crise da água e privatização branca da Sabesp? Nadica de nada.

    Caso Sivam-Raytheon-Pasta Rosa? Ops, também nada.

    Mensalão rucano de Minas? Uai, sô…

    Afinal, para que serviu esse raio de autonomia do MPF e dos MPs?

    Caso Banestado, HSBC? Vixe, minino, fica quieto…

    Sonegação da globo? Sumiu, o processo sumiu!

    Para tornar a persecução criminal nos Estados mais universal é que não foi…temos os mesmos (quer dizer, em número muito maior desde 1988) presos de sempre, pretos, pobres e favelados.

    Para incomodar a elite também não…

    Para que serviu então?

    Ahhhh, para os tais direitos difusos e a lenga-lenga ambiental, onde o MPF e os MPs agem como procons ou agências administrativas, justamente porque ajudaram a asufocar a autoridade dos políticos…

    Cômico senão fosse trágico.

    1. .

      1) Denúncia do MP/SP contra tucanos pequeninos, não tocou nos grandões;

      2) Nunca houve uma denúncia formal do MPF porque o Engavetador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, engavetou;

      3) Questão do MP/SP, não sei a quantas anda ou andou;

      4) Nunca houve denúncia nenhuma, sequer investigação, pois o Engavetador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, engavetou tudo;

      5) Foi denunciado pelo MPF e o STF desmembrou o processo que hoje dormita nas gavetas de juízes de primeira instância;

      6) O caso Banestado foi alvo de centenas de denúncias do MPF e de Ministérios Públicos estaduais. O caso do HSBC recém começou, está na fase preliminar das investigações; 

      7) Não sei em que pé anda a patranha da sonegação da Globo. Vou me informar mas vai para as calendas gregas.

       

      Como se vê, muito do que não foi sequer investigado deveu-se a atuação do Engavetador-Geral da República Geraldo Brindeiro, que soterrava toda e qualquer denúncia, até mesmo as centenas de denúncias que eram feitas pelos seus próprios pares de Ministério Público. 

       

      O que me admira é que ainda existam pessoas com saudades dos tempos do Engavetador. 

  7. Os EUA são apenas mais um

    Os EUA são apenas mais um país. Não faria mal dar uma espiada em outros tantos.

    Saudades do que não vivi, saudades de Émile Zola, de Anatole France…

  8. Nao vou rir!
     

    Choro sempre.

    Conclusão é que nossos políticos não são políticos representativos do povo, independentemente dos seus partidos e leis. Nossa corte suprema, o STF é uma vergonha e nao é de hoje. Assim senhoras e senhores o que mais me assusta é a péssima qualidade dos senadores no senado federal brasileiro. Sim nosso senado é um circo! Muito,mais muito fraco em nível representativo e conselheiros da casa do povo brasileiro!

    Nao que “goste” do Barbosinha, minha opiniao nao passa subjetivamente por “puro sangue”, mais comparar ele com JB ou Gilmar é uma covardia!

    Um olhar no senado de hoje e de 100 anos passados e nada mudou, é de chorar!

    é uma questao de respeito. 

     

  9. Fora Richa! : dos campos de futebol ao Teatro Guaíra

    Por aqui, a coisa tá cada vez mais feia para o lado do governador. O final de semana foi marcado  por intenso protesto contra  Beto Richa Na Arena e no Couto Preira, torcedores do Atlético e do Coritiba manifetaram apooio aos professores e xingaram o tucano.  Durante o Show de Criolo, no Teatro Guaíra,  renúncia era a palavra de ordem dos espectadores:

    https://www.facebook.com/JoaoArruda15/videos/872734209432582/

     

     

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