Funarte cria GT para pensar políticas para artistas com deficiência

O GT tem como objetivo propor, acompanhar e implantar políticas de acesso e de acessibilidade em editais de fomento à arte

Associação Cultural Artemagia (Foto: MinC/reprodução)

do Nonada

Funarte cria GT para pensar políticas para artistas com deficiência

por Isabelle Rieger

A promoção de uma cultura anticapacitista e a participação de artistas e trabalhadores da cultura com deficiência nacionalmente está entre as ações pensadas no primeiro ano de restabelecimento do Ministério da Cultura. O trabalho vai iniciar com a Fundação Nacional das Artes (Funarte), que anunciou em setembro a criação de um grupo de trabalho. 

O GT tem como objetivo propor, acompanhar e implantar políticas de acesso e de acessibilidade em editais de fomento à arte. Ou, nas palavras do dançarino e pesquisador em Dança e Deficiência Edu Oliveira: “provocar um movimento, que temos chamado da Economia ou Cultura Def, de que a gente – pessoas com deficiência -, pode estar em diversas funções”. 

Uma das tarefas do GT será realizar um mapeamento de artistas com deficiência ao redor do País. Até o momento,  um dos poucos mapeamentos com esse teor no país é a Plataforma Arte e Acesso, do Itaú Cultural, que apresenta o trabalho de cerca de 250 artistas no país.

Homem branco de camiseta preta segura uma cartola cinza que está em sua cabeça
Edu Oliveira (Foto: divulgação)

Pioneiro em iniciativas nesse sentido, Edu considera a criação do GT como “uma iniciativa importantíssima para que a gente esteja também na elaboração desses textos, desse pensamento, articulando com isso”. Pessoas com deficiência sempre estiveram presentes, em diferentes sociedades, vivendo, trabalhando, criando arte e presentes nestes espaços.

“A pessoa com deficiência todos os tempos existiu. E no espaço artístico também nós estivemos ou como personagens, como assunto, ou como os agentes mesmos de produtores como artistas também estamos” reitera Edu. Ele considera que o mapeamento viabiliza uma visibilidade ao trabalho de diversos artistas com deficiência que compõem o mercado da cultura. 

A presidente da Funarte, Maria Marighella, reitera que a formulação de políticas públicas só é possível se o grupo que as produz e pensa contar com representatividade. “Você não promove política pública para aquilo que não se conhece, para aquilo que não se sabe, para aquilo que não se reconhece como parte fundamental”, explica. A mudança de representações políticas é mais um dos passos necessários para garantir o cumprimento de direitos. No Brasil, existem 46 milhões de pessoas com deficiência, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que corresponde a 20% da população. 

Segundo a presidente, é essencial que a composição desse GT seja paritária entre sociedade civil e representantes de órgãos governamentais. “Podemos assim construir imaginários, produção estética, produção artística e cultural é fundamental para a produção desse imaginário coletivo e, portanto, de uma afetividade que coloque, que projete essa cultura anticapacitista”, diz. Para formar este espaço, inclusive, um outro grupo vinha se reunindo desde o meio do ano, conjugando esforços para pensar a acessibilidade cultural. 

Desafios no setor cultural

“Quantos artistas com deficiência estão aí realmente conseguindo trabalhar e ganhar dinheiro do seu próprio trabalho?”, questiona a artista Estela Lapponi em entrevista anterior ao Nonada Jornalismo. A artista defende que as instituições culturais deveriam contratar profissionais da área para fornecer aos produtores serviços de acessibilidade, como intérprete de LIBRAS e audiodescrição. “Tem um monte de profissional aí para ser contratado. Acredito que o Estado é quem deve providenciar isso. Ter uma equipe rotativa em cada equipamento público, que gere emprego, interesse e não recaia sobre o produtor cultural. Por que isso tem que recair sobre nós, produtores independentes que ganham um cachezinho pra montar seu próprio trabalho?”, declarou.

Mesmo que existam projetos que convidem PCDs para expor seus projetos, vários aparentam que fazem isso “para preencher tabela”, denuncia Edu. “Tem eventos que eu participo com muitos artistas e a organização chama, por exemplo, apenas três projetos com artistas com deficiência. E dizem que isso é suficiente, porque parece que, se colocar mais pessoas com deficiência, vira tema”, complementa. 

Ilustração mostra homem de óculos escuros  atrás de uma mulher em uma cadeira de rodas que segura a coleira de um cachorro. Todos assim a uma peça de teatro atrás de cortinas vermelhas
Foto: Joana Lira/MinC

O pesquisador explica que o normativo sempre foi a temática das artes, ou melhor, o “humano universal que rege a arte durante séculos, que é o corpo branco, bípede, cisgênero, de uma classe social mais elevada”. Desta forma, ao não se perceber como privilegiado, esta pessoa universal reproduz comportamentos excludentes e discriminatórios. 

Assim, uma das estratégias de promoção de acesso e de acessibilidade é a reserva de vagas e recursos nos mecanismos de fomento, assim como em outros processos seletivos. Isso pode ser uma solução para os projetos “mascarados de acessíveis”, como revela o dançarino. “A pessoa com deficiência fica reservada ao quartinho dos fundos, não é isso que queremos”, finaliza. 

Por uma cultura anticapacitista

Em uma das múltiplas definições de deficiência, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ocorrido em 2006, conceitua que “deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. O nome dessa forma de agir que condena pessoas que existem fora dos padrões normativos é o capacitismo. 

Ao contrário, a promoção de cultura anticapacitista para uma sociedade justa e igualitária significa “ ir atrás de corpos que são dissidentes, que não estão dentro do imaginário constante de produção de mercado”, define Maria Marighella, defendendo uma transformação radical na forma de fazer políticas públicas para PCDs, colocando-as no centro das formulações.  

homem puxa artista com cadeirante em uma performance em cima de um palco
Foto: Vo’Arte CiM – Companhia de Dança

Segundo o Portal de Inspeção do Trabalho, iniciativa do Ministério do Trabalho que monitora o direito ao trabalho de grupos minorizados, 2.166 pessoas com deficiência ocupavam postos formais de emprego relacionados à cultura em 2021. Isso são apenas 65% das vagas previstas legalmente para este grupo. A legislação base é a Lei de Cotas para Pessoas Com Deficiência (8.213/91), que determina que companhias com 100 empregados ou mais reservem 5% das vagas para PCDs. Isso pode ser uma das explicações para o baixo número de postos na área cultural, que tem seu setor composto por pequenas e médias empresas, mas quase sem vagas reservadas. 

Ainda, um mapeamento realizado pelo Observatório Itaú Cultural constatou que, no primeiro trimestre de 2023, existiam 5 milhões de trabalhadores de cultura em empregos formais, mas, mais da metade, 3 milhões, em postos informais de trabalho. Isso significa que esse grupo depende de projetos financiados por editais para trabalhar e, por isso, firmam contratos com tempo definido de serviço. 

No entanto, mesmo as estratégias de financiamento que promovem, em tese, acessibilidade, não são de fato, como denuncia Edu Oliveira. “Eu já presenciei diversos projetos que constam apenas como se fossem máscaras de acessibilidade, escrevem que têm acessibilidade, que tem audiodescrição, mas não implementam, aí fica só para prestação de contas”, comenta o trabalhador da cultura. Ainda não há fiscalização efetiva dos projetos quanto ao cumprimento destas normas.

Além do não cumprimento da acessibilidade em projetos, Edu comenta que, a exemplo da Lei Paulo Gustavo, medida emergencial para auxílio aos trabalhadores da cultura, o critério acessibilidade passa a ser “preferencial”, ou seja, dando o poder de escolha de quem executa um projeto de preferir ou não ser inclusivo. “Não se pode dar brecha para que produtores e artistas prefiram ou não colocar acessibilidade. É uma exigência prevista em lei, um direito das pessoas com deficiência”, sustenta o artista. 

A discussão de políticas culturais para trabalhadores da cultura ainda é novidade na esfera pública brasileira. Daí vem os esforços de colocar ao centro quem sempre esteve atuando nas artes, mas não incluído ou reconhecido, sobretudo no sentido de afastar a política de acessibilidade do lugar do assistencialismo. 

“Além de tudo, é um reconhecimento pela nossa produção enquanto artística, enquanto artistas, enquanto produtores de conhecimento na área de cultura, que já estamos há séculos, não é uma coisa nova, nos circos, no teatro, na música, na literatura”, explica Edu. Os caminhos, assim, estão se abrindo. 

Redação

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