Entenda o que leva a economia alemã a se manter sólida pós crises

Jornal GGN – A “Economia social de mercado” alemã é responsável pela sólida economia do país que conseguiu superar importantes crises ao longo de décadas, como a explosão nos preços do petróleo nos anos 1970 e 1980, a crise econômica mundial de 2008-2009 e agora, mais recentemente, a crise que atinge a zona do euro.
 
Para especialistas, uma das chaves contra o abalo da economia na Alemanha está na forma como sindicatos e patrões são tratados pelo Estado. Os dois estão no centro das decisões sobre salário e produtividade, portanto participam ativamente das discussões quanto ao aumento real da renda dos funcionários para a manutenção de postos de trabalho. Atualmente, o índice de desemprego naquele país é de 6,9%, contra a média de 11,7% da Zona do Euro
 
O modelo germânico, em si, é distinto do anglo-saxão dos Estados Unidos e Reino Unido. Ou seja, na Alemanha cooperação e o consenso valem mais que competência, possibilitando assim o equilíbrio em investimentos que cobrem todo o sistema socioeconômico, “desde o setor financeiro ao industrial e ao Estado”, explicou o professor Reint Gropp, presidente do Instituto Hall para a Investigação Econômica (IWH), da Alemanha à reportagem da BBC Mundo. Veja à seguir. 
 
Da BBC
 
O segredo que faz da Alemanha a economia mais sólida do mundo
 
Por Marcelo Justo
 
Milagre do pós-guerra, a “economia social de mercado” alemã parece ser inabalável: superou as explosões nos preços do petróleo nos anos 1970 e 1980, o impacto da reunificação nos 1990, a recessão mundial de 2008-2009 e está passando firme pela atual crise que atinge a zona do euro.
 
Hoje, o país é um dos três maiores exportadores globais, tem o crescimento per capita mais alto do mundo desenvolvido e um índice de desemprego de 6,9%, bem inferior à média da eurozona, de 11,7%.
 
Segundo o professor Reint Gropp, presidente do Instituto Hall para a Investigação Econômica (IWH), da Alemanha, o modelo germânico se diferencia de forma muito clara do anglo-saxão dos Estados Unidos e do Reino Unido.
 
Mas o que faz dele algo tão particular? Quais são os segredos de seu êxito?
“É um sistema baseado na cooperação e no consenso mais do que na competência, e que cobre toda a teia socioeconômica, desde o setor financeiro ao industrial e ao Estado”, explicou Gropp à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.
 
Cooperação e capitalismo
 
A chamada “economia social de mercado” teve sua origem na Alemanha Ocidental do pós-guerra, que estava sob o governo democrata-cristão do chanceler Konrad Adenauer, e se manteve, desde então, como uma espécie de política de Estado.
 
Sebastian Dullien, economista do Conselho Europeu de Relações Exteriores, concorda que o consenso e cooperação estão presentes em todos as camadas da economia.
 
“No centro estão os sindicatos e os patrões, que coordenam salário e produtividade com o objetivo obter um aumento real dos rendimentos dos funcionários, além de manter os postos de trabalho. A integração é tal que, por lei, os sindicatos estão representados no conselho de administração, participam das decisões estratégicas nas empresas”, afirmou.
 
No sistema financeiro, as cooperativas e os poderosos bancos públicos se encarregam de fazer com que o crédito alcance a todos, não importa o tamanho da empresa ou o quão distante ela fica de um centro econômico.
 
Essa filosofia permite superar uma das limitações do sistema anglo-saxão, no qual as pequenas e médias empresas, diferentemente das multinacionais, não têm acesso ao mercado de capitais e muitas vezes enfrentam dificuldades para se financiar.
 
“Os bancos públicos têm regras claras. Por exemplo: para favorecer o desenvolvimento local, podem emprestar para empresas de sua área, mas não para as de outras regiões. O governo tem representantes nestes bancos, e eles são fundamentais na tomada de decisões. Um princípio que rege sua política de crédito é a manutenção do emprego”, afirma Gropp.
 
‘Mittelstand’
 
Esse modelo está enraizado na história germânica.
 
A unificação nacional de 1871, sob Bismark, reuniu 27 territórios governados em sua maioria pela realeza e que haviam crescido rapidamente e de forma autônoma durante a Revolução Industrial.
 
Dessa semente histórica surgem as Mittelstand (pequenas e médias empresas), que, segundo os especialistas, formam 95% da economia alemã.
 
Diferentemente do modelo anglo-saxão, centrado na maximização da rentabilidade para os acionistas (objetivo de curto prazo), as Mittelstand são estruturas familiares com planos a longo prazo, forte investimento na capacitação do pessoal, alto sentimento de responsabilidade social e forte regionalismo.
 
“A Alemanha é especialmente forte em empresas que têm umas 100 ou 200 pessoas. Com uma característica adicional: apesar de seu tamanho, muitas dessas firmas competem no mercado internacional e são exportadoras”, explica Dullien.
Exportações
 
Como consequência, a Alemanha tem figurado entre os três principais exportadores mundiais nas últimas décadas, uma prova da eficácia desse sistema para competir mundialmente com produtos tecnologicamente complexos, feitos por uma força de trabalho altamente qualificada e bem paga.
 
Enquanto o comércio mundial dominado por multinacionais que representam cerca de 60% de toda a movimentação global, na Alemanha as Mittelstand são responsáveis por 68% das exportações.
 
O setor automotivo, de maquinário, de eletrônicos e medicamentos estão entre seus pontos fortes.
 
Mas isso não se deve somente às Mittelstand.
 
Das 2.000 empresas com maior rendimento em todo o mundo, 53 são alemãs, entre elas marcas de grande tradição, como Bayer, Volkswagen e Siemens.
 
A recuperação do doente
 
Sob o peso da reunificação, a Alemanha ganhou nos anos 1990 o apelido nada simpático de “doente da Europa”.
 
Era consenso que um sistema com altos salários e forte participação sindical não poderia sobreviver em um mundo governado por um conceito novo, a “deslocalização”.
 
Aproveitando-se de um mundo mais liberal e do fato de que as novas tecnologias das grandes empresas poderiam mudar de um país para outro em busca de maior rentabilidade, obtida com custos salariais menores, as empresas alemãs começaram a migrar pra outros pontos do mundo.
 
No entanto, no início deste século um governo social-democrata implementou uma série de reformas, classificadas por seus concorrentes de “neoliberais”, para reativar a economia nacional.
 
O remédio funcionou – a economia voltou a crescer. Mas teve um preço: aumento da pobreza, do subemprego e do “miniemprego”.
 
“O lado positivo é que o sistema mostrou um alto grau de adaptabilidade. Porém, as reformas da seguridade social e do mercado de trabalho aumentaram a pobreza e a desigualdade”, avalia Sebastian Dullien.
 
Futuro
 
Os desafios se acumulam. No curto prazo, os problemas na China afetam as exportações. No médio, a taxa de natalidade alemã não é suficiente para manter seu mercado de trabalho.
 
Mas não se trata unicamente de uma ameaça externa ou de uma bomba-relógio demográfica.
 
Um estudo do Instituto Hall mostra que, mesmo em uma economia social de mercado, a interdependência de bancos, empresas e governo pode possibilitar situações de interferência política.
 
De acordo com a pesquisa, os bancos do Estado emprestam consideravelmente mais durante os anos eleitorais.
 
“Isso requer um modelo de governo melhor, que impeça a interferência política. Acredito que o sistema precisa de mais liberalização, não é possível que um banco estatal de Frankfurt não possa emprestar para outra região”, afirma Gropp, presidente do instituto.
 
“Estamos no meio de uma grande revolução tecnológica e a economia alemã não está respondendo como deveria porque tem uma estrutura rígida demais. O modelo foi excelente, mas é possível que seja anacrônico.”
 
No entanto, pode ser que mais uma vez o sistema alemão lance mão de sua extraordinária flexibilidade para sustentar um modelo que procura aliar capitalismo, altos salários e plena participação da força de trabalho.
Redação

8 Comentários

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  1. A reportagem é uma pegadinha.
    Porque o motivo é óbvio e foi antecipado muito antes de isso tudo acontecer.

    Queda de barreiras alfandegárias de economias MENOS desenvolvidas criou um mercado quase exclusivo para a indústria alemã.
    Neste ambiente, quem não quebrou foi comprado.

    Seja qual for a crise, a indústria alemã, pode vender sem concorrência. Se surgir alguma coisa, eles compram ou destroem.

  2. A cultura da administração do chão de frábrica é uma das chaves.

    Quem trabalhou em firmas alemãs e vivenciou as mudanças que ocorrem quando os cargos de chefia

    passam a ser de brasileiros, levam um choque com a decadência da qualidade no trato com os

    empregados. Os exemplos do que estou dizendo são inúmeros. A grosso modo cito a arrogância,

    o compadrismo. a fomação de hierarquia rígida, a limitação de competência e a tendência de

    suprimir qualquer regaliazinha dos comandados, a par da tendência frenétia de punir e despedir

    por qualquer bobagem,quando não para pavonear autoridade. É uma pena que até agora não

    aprendemos quase nada desses alemães que por aqui estiveram em tantas firmas que vieram de lá.

     

  3. Na Alemanha cooperação e

    Na Alemanha cooperação e consenso são palavras chaves para o sucesso do país.
    Lá ainda vigora os sistemas de bancos estaduais, que aqui foram extinto por serem “obsoletos”,  e que eram manipulados de acordo com interesses políticos. Assim, jogou-se a criança fora, jungo com a agua suja e a bacia. E se não houvess grande resistencia ia junto tambem o BB e  a CEF, responsávéis pela saída da crise em 2008. 

  4. Não adianta muito falar sobre a Alemanha

    Seus exemplos não são aplicáveis a qualquer outra sociedade e por conseguinte a outras economias.

    Simplesmente porque ela é habitada por alemães.

    Para entender melhor visitem a Colõnia Witmarsum, na cidade de Palmeira.

    Em especial o Colégio e a cooperativa da colônia.

    Só não tentem se estabelecer por lá. Heheheh

  5. Não tem republicanismo

    A diferença principal entre Alemanha e Brasil, está no fato de sua Elite não trabalhar contra o próprio país, não ter um republicanismo, e a mídia não ser o principal poder e partido de oposição na política.

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