Os otimistas e os pessimistas na indústria automotiva

Sugerido por Marcio Brasileiro

Do UOL

Otimistas e pessimistas

Joel Leite

Há uma diferença fundamental entre otimismo e deslumbre e pessimismo e torcida pra não dar certo.

A história dos dois irmãos ilustra bem o que é fazer uma análise passional.

O pessimista ganhou uma bicicleta:

“Caramba, vou levar um tombo, me machucar, quebrar o braço, ir para o hospital, perder a aula, ter que ficar em casa. Que desgraça!

O otimista ganhou uma lata cheia de esterco de cavalo:

“Alguém viu meu alazão por aí?”

Atores do setor automobilístico protagonizam os dois papeis neste ano de 2014, “um ano instável, de baixo crescimento, cheio de feriados por causa da Copa, retorno da inflação, juros controlados, eleição pra presidente da República, divisão da base aliada com PMDB perdendo espaço, racionamento de água e energia, leilão de energia que vai levar a aumento da tarifa, degradação da Petrobrás, acesso ao crédito caindo pela metade, aumento do preço do carro por causa da volta do IPI e da obrigatoriedade do airbag e ABS”. Essa foi a análise da assessoria econômica da Fenabrave, feita na última coletiva de imprensa da entidade, no início deste mês.

Diante do trágico retrato – da economia brasileira, e do setor automobilístico em particular – era de se esperar uma previsão bem pior do que a estabelecida pela entidade: manutenção do volume de vendas no mesmo nível do ano passado (com queda de 3,6% numa alternativa ainda mais pessimista) e um PIB de 1,6%.

Em 2013 a Fenabrave tinha expectativa de um PIB menor do que o registrado, enquanto Luiz Moan, presidente da Anfavea, apostava num crescimento acima dos 2%. Acertou. Deu 2,3%. Outra vez neste ano, Moan é mais otimista que seus parceiros. “Uma visão baseada nos fatos mostra um cenário muito melhor do que está sendo colocado, disse o presidente na última coletiva da entidade, no início de abril. “O viés é de baixa, mas não dá pra ficar especulando, é preciso se ater aos fatos”.

Fatos que levam o dirigente a acreditar em crescimento e não em crise. Economista, Moan analisa números objetivamente: considera a estabilidade do emprego, o aumento de caminhões nos pedágios (+ 4,4% no bimestre) e o aumento das encomendas de papelão, o que indica maior produção de embalagens e portanto aumento da produção industrial.

Na coletiva que Carlos Ghosn deu na semana passada, em Resende, que se seguiu à inauguração da fábrica da Nissan, houve um embate entre pessimistas e otimistas.

Com suas bicicletas novas, colegas de jornalões questionaram o chefe da aliança mundial Renault Nissan, sobre a “crise”, insinuando a incoerência da empresa em investir R$ 2,6 bilhões num país cuja economia está em “frangalhos”.

Ghosn disse que não vai investir para ganhar dinheiro nos próximos seis meses, mas a médio e longo prazos (até aí tudo bem). Exagerou, porém, quando comparou o Brasil com Portugal.

“O Brasil tem 175 carros por 1.000 habitantes, enquanto a Europa tem 500 e os Estados Unidos 800. A curto prazo o mercado de carros no Brasil é uma pequena decepção, mas a médio prazo o mercado deve retomar o crescimento anual entre 3% e 5%. Não tenho dúvidas de que o Brasil vai caminhar para um índice entre 400, 500 carros por mil habitantes”.

E arrematou:

“Não há razão para que o Brasil tenha um índice de motorização menor do que o de Portugal”.

Ele acha que um maior investimento em infra-estrutura e a redução da carga tributária podem acelerar o processo, mas mesmo sem essas condições o Brasil vai chegar a uma relação carro/habitante semelhante à da Europa.

Ora, população e necessidade de mobilidade não são garantias de crescimento da frota. Se assim fosse, a China e a Índia seriam líderes mundiais desde sempre.

Há, sim, razões para que a Europa tenha um índice de motorização maior do que o Brasil: a riqueza e o respeito ao consumidor. Enquanto o brasileiro tiver que pagar o equivalente ao salário mínimo por um jogo de pneus e US$ 10 mil por um carro que não tem nem direção hidráulica e vidro elétrico não haverá condições objetivas para atingirmos um índice de motorização de Primeiro Mundo.

Além disso, o Brasil tem como diferencial ser um fabricante de crises. Isso faz parte do DNA de vira-lata, que faz o brasileiro achar que tudo o que se faz aqui é ruim e tudo o que vem de fora é bom.

Acabei de receber em meu email um “aviso de fonte”, com o Instituto Mauá de Tecnologia oferecendo seus professores para falar da “crise no setor automotivo”. Que crise? Quais os sintomas?, questionei. Não obtive resposta.

Mesmo sem evidências, o prudente consumidor deixa de comprar, o mercado se retrai, as vendas caem e a crise, então, se cristaliza.

Os números não bastam, mas são um bom indicativo da situação.

Pois bem: o preço médio do carro subiu 4% no primeiro trimestre do ano, conforme o Índice Autoinforme/Molicar que faz o estudo da evolução do Preço de Verdade (o realmente praticado) do carro zero. Segundo estudos de especialistas, cada ponto percentual de aumento no preço do carro provoca uma queda de dois pontos no volume de vendas. Ora, se no período em que o preço subiu 4% as vendas caíram apenas 2,1% (dados do Renavam para o trimestre) é sinal de que o mercado está forte e rígido.

A crise é do dono da bicicleta.

Redação

13 Comentários

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  1. “Mesmo sem evidências, o

    “Mesmo sem evidências, o prudente consumidor deixa de comprar, o mercado se retrai, as vendas caem e a crise, então, se cristaliza.”

    Os economistas criam pontos de suas evidências na mente dos consumidores.

    Não fosse as crises que eles fabricam nem os bobos que divulgam isso existiriam.

    1. A crise fabricada
      A crise fabricada não é só econômica: é ambiental, da segurança pública, do arco-íris e da sopinha de nossa tia avó. Tudo fica em crise através da cuidadosa escolha dos depoimentos e depoentes. Não é unanimidade entre os economistas … Faz favor de não estigmatizar aí minha “catiguria”, Miguel.

      1. Os economistas não querem ter fundamento.

        “A crise fabricada não é só econômica: é ambiental, da segurança pública, do arco-íris e da sopinha de nossa tia avó.” 

        Os economistas fabricam crises porque na memória do homem não tem nenhum ponto de apoio fixo à consciência..

  2. Conheço outra do otimista e do pessimista (rs)

    O otimista disse que a crise era tao grande que todo mundo ia acabar comendo m*rd*. Mas o pessimista replicou, dizendo que a m*rd* nao ia dar para todos… 

    1. Socorro Malthus!
      Analu, você descobriu a mais recente narrativa neo-malthusiana! Será que a contra argumentação também virá pelo lado da necessidade de levar em conta o impacto da tecnologia no aumento da produtividade na geração de m*rd*? kkkkkkk

  3. “Não tenho dúvidas de que o

    “Não tenho dúvidas de que o Brasil vai caminhar para um índice entre 400, 500 carros por mil habitantes”.”

    Quem disse que ter 500 carros por mil habitantes é uma coisa boa.

    Melhor é ter ônibus, trem, metrô por X habitantes maior que a proporção da europa e EUA. 

    1. Foi “o cara”
      Quem acredita e está apostando nisso é o manda-chuva do conglomerado Renault-Nissan. O tema do post é algo como “crise ou pessimismo de encomenda?”. Nesta perspectiva, é interessante observar a diferença entre o discurso de um interlocutor insuspeito (de governismo) e nada irrelevante da “economia real” e aquele diariamente amplificado pela imprensa mesmo quando dito por qualquer Zé Mané ligado ao sistema financeiro privado.

  4. Joel Leite

    Joel Leite é peixe fora d´agua do jornalismo automotivo tupiniquim,me lembro de alguns anos atrás quando um presidente da VW espinafrava o Brasil e seu mercado .ele foi o unico jornalista que ficou ao lado do consumidor , chamando a atenção aos produtos que a VW  produzia em especial a kombi,se não me engano perdeu seu programa na eldorado Am jornal do carro e mais tarde seu emprego no estadão. Tempos atrás fez um estudo do preço dos carros aqui e no mundo e atraiu a ira de alguns de seus colegas ao constatar que na econômia européia a carga tributaria em alguns casos é superior a daqui .mas os carros daqui alem de serem depenados de equipamentos são muito mais caros o motivo da ira foi a frase “Não é o custo Brasil e sim o lucro Brasil! a origem dos altos preços que pagamos”, Nese texto solta mas uma tirada sarcastica com relção a seus colegas;

     

    “Com suas bicicletas novas, colegas de jornalões questionaram o chefe da aliança mundial Renault Nissan, sobre a “crise”, insinuando a incoerência da empresa em investir R$ 2,6 bilhões num país cuja economia está em “frangalhos”

     

    Grande Joel !

  5. Governo não pode ceder a chantagem

    Se o consumidor boicota o preço abaixa, cito como exemplo a páscoa.

    Fui no supermercado após o feriado e comprei 2 ovos de chocolate tamanho médio por R$ 17,00. Antes do feriado 1 único ovo tamanho médio estava acima dos R$ 20,00.

    Percebi a pressa dos funcionários em esvaziar os estoques (que eram muitos), fruto da campanha nas redes sociais.

    Antigamente quando ovo era mais barato, após a páscoa não era comum tantas sobras.

    Querem apostar que os fabricantes de chocolate vão começar a inventar que o país vive uma grave crise? As vendas foram abaixo do esperado por causa dos preços abusivos.

  6. O mercado dos fatos e dos dados.

    Hoje em dia há uma necessidade gigantesca, insistente e até certo ponto irritante, de se buscar e listar dados e fatos visando comprovar tudo, objetivando dotar de verdade afirmações, proposições e opiniões. Sem este recurso a pessoa passa a ser vista com desconfiança, como ingênua, enfim, como fora da realidade.

    Por outro lado, sacam-se fatos e dados por todo lado. Seja no varejo ou no atacado, o mercado está rico de dados e fatos para se “comprovar” todas as opiniões e afirmações. Há dados para todos os gostos, times e pessoas. Há fatos para “comprovar” que Airton Senna é um herói e um bandido; que o Brasil está crescendo e que está em crise, que somos o país do futebol e que o contrário também serve. Posso lhe provar que as cotas são boas. Mas eu também posso lhe provar que são ruins. Em tenho dados. Todos têm dados, todos mostram fatos. Enfim, o mercado dos fatos e dos dados está aí, é só comprar o seu, anexar como exemplo de suas falas e sentir-se o dono da verdade.

    Assim, a cada dia mais o debate se reduz, confunde a plateia e embaralha o caminho para qualquer entendimento. Mesmo que seja um entendimento mínimo possível para se avançar em algum ponto relevante da sociedade. Os fatos e os dados são usados a torto e a direito, são “torturados” para dizerem algo fora de seu alcance, são direcionados, ocultados, manipulados, reconfigurados. Nesse jogo vale tudo, menos o entendimento.

    Atualmente, as notícias são o formato por essência desse novo método de construção de ideias e realidades. Inúmeras vezes aquela notinha de roda pé, aquele campo do “conversamos com a outra parte” traz informações tão preciosas que poderiam modificar todo o sentido da notícia. Aquela errata do outro dia, aquele parágrafo lá no fim do texto pode mudar o entendimento do leitor. Mas a notícia tinha um recheio de dados e fatos tão convincentemente estruturado que você já chega ao final do texto com uma visão praticamente formada.

    E quando os fatos-dados são usados contraditoriamente por grupos poderosos e conflitantes?  Temos a famosa “guerra de palavras”! Ninguém tem coragem de avançar um pouco mais na análise, pois está sob a pena de sentir a mão pesada de um dos poderosos em disputa.

    Na internet, qualquer opinião enquadrada numa bela foto ou figura e associada a um dado-fato transforma-se em verdade absoluta. Passa a ser compartilhada aos milhões. O importante é que os dados comprovem o que você quer ouvir. Não importa se são mentiras bem construídas, suspeitas bem verdadeiras. O importante é se que tem dados para comprovar.

    Esse mundo é tão viciante que todos se sentem pressionados inconscientemente por sacar o seu dado da língua, por lançar o seu fato da boca. Cada qual pega o seu fato, cada um o seu dado e carrega consigo para suas batalhas diárias nos barzinho, no setor de trabalho, no ônibus, em casa e no restaurante.

    No final, quem perde somos nós que ficamos a mercê das empresas empacotadoras de dados, fatos e afirmações num produto acabado para pronta entrega. E assim, nos iludimos ao pensar que estamos “avançando”, só porque a corda está pendendo para nosso lado.

    E quando o fato guardado com tanto carinho salta aos olhos de todos, chaga-se a hora da cartada final: “Olha aí, eu não disse!”. Pronto, quer melhor comprovação que essa.

    Pois bem, nestas eleições o mercado dos fatos e dos dados está bastante aquecido. Preparem suas apostas para saber qual fato sobreviverá para contar a história.

  7. Brasil – São João

    Brasil – São João del-Pueblo – [Wlamir Silva] O governo Dilma está preparando uma medida provisória (MP) de “flexibilização” da legislação trabalhista, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

    O nome do monstrengo é PROGRAMA NACIONAL DE PROTEÇÃO AO EMPREGO (PPE). Pretende-se franquear aos empregadores a redução temporária (até seis meses) da jornada de trabalho pela metade e da remuneração dos trabalhadores por pouco mais da metade.

    Tal medida visa socorrer as montadoras de automóveis – alavancadas pelo estímulo ao consumo e com os pátios cheios –, evitando uma temida onda de demissões com forte impacto eleitoral. Mas as consequências da flexibilização terão impacto sobre toda a classe trabalhadora e, após a aprovação da MP, fixar-se-á no cotidiano das relações trabalhistas.

    Parte da remuneração será bancada pelo governo, com recursos retirados do FGTS e os empregadores pagarão encargos trabalhistas proporcionais àquela redução. Os empresários socializarão suas perdas por meio do uso de fundos públicos geridos pelo governo. Para tanto basta provar que estão “em crise”, o que será avaliado por um governo que tem demonstrado incompetência de gestão e fiscalização e profundos laços político-eleitorais com o grande capital.

    Será necessário também o aval dos sindicatos, paulatinamente atrelados ao governo desde o primeiro governo Lula. A proposta tem o apoio da Central Única do Trabalhadores (CUT), um braço do governo federal, e da Força Sindical, notória defensora do sindicalismo de resultados. Tal tendência, por sua vez, tem suas raízes na vertente propriamente lulista no novo sindicalismo originário do ABC paulista, fortemente influenciada pelo sindicalismo estadunidense. Não é um acidente, é um desdobramento do Lulismo.

    A projeção é de que quanto maior o salário do trabalhador, ou seja, quanto mais ele for especializado e com trajetória profissional valorizada, maior será a perda. Na perversa versão oficial, serão “privilegiados” os trabalhadores que ganham menos… O sentido é evidente, desqualifica-se o trabalho qualificado e, por consequência, organizado, como meio de conquista de melhores condições de vida, destacando-se as “bondades” concedidas pelo governo. Não é à toa que faltam trabalhadores qualificados no país, no qual o caos educacional se soma a políticas paternalistas e desqualificadoras do trabalho.

    Os empregados farão cursos de qualificação durante o período, que serão financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e, provavelmente, também pelo FGTS. Encaixa-se perfeitamente na lógica do Lulismo que, apoiado no subproletariado, promove uma “distribuição de renda” intraclasse trabalhadora, promovendo a fragilização do trabalho e temperando-a com medidas compensatórias como o bolsa-família e estímulos ao consumo.

    A justificativa conjuntural é eleitoral – proteger os índices de emprego enquanto todos os outros indicadores econômicos vão para o vinagre –, o que, por si só, já seria lamentável. Mas não é só isso. O Lulismo vem gestando uma razia contra os direitos dos trabalhadores há tempos com o ACORDO COLETIVO ESPECIAL (ACE), aliás, perfeitamente afinada com o neoliberalismo de FHC [1].

    O ACE, ao contrário da hoje proclamada urgência, foi proposto como fruto das excepcionais condições de desenvolvimento supostamente criadas pelo governo Lula, prevendo profundas mudanças nas relações de trabalho, com plena autonomia dos acordos coletivos, com grande liberdade para empregador na definição da jornada de trabalho, redução de férias, datas de pagamento, normas de saúde e segurança etc [2].

    De fato, maquia-se com urgências um objetivo estratégico, criando uma cunha que, mais adiante, facilitará o aprofundamento da flexibilização de direitos e a tornará irreversível. Tudo, claro, sem a explicitação dos objetivos e sem discussão na sociedade. E não é acidente que a presidente da República deixe vir a público tal proposta junto ao anúncio de reajuste do bolsa-família. É um consciente deslocamento do trabalho para as políticas compensatórias, da organização de setores dinâmicos da sociedade para a eternização de clientelas dependentes do Estado.

     

  8. ou se…
    Ou se dá um jeito no “lucro Brasil” ou nossa economia não vai deslanchar. É muito fácil critricar o governo, as leis ou a carga tributária (estão corretos sim, mas em parte), contudo não dá pra esconder a enorme taxa de lucro dessas montadoras. Somos nós consumidores de carrinho 1.0 que sustentamos os balanços das multinacionais americanas e européias.

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