Estado social camaleão, crise econômica e serviços públicos

A mais recente crise econômica, de 2008, jogou o mundo em um novo momento no que se refere à formatação do estado. Mais ou menos provedor? Mais ou menos interventor na Ordem Econômica e Social? É que veremos nos próximos anos.

Depois que os estados centrais especialmente os europeus, viveram, entre as décadas de 1950 e 1970, o seu melhor momento no que se refere aos avanços do estado social, com serviços públicos universalizados, viu o mundo uma sucessão de crises, com as do petróleo, inflação, de financiamento, dentre outros e, mais ainda com o aprofundamento da crise econômica que se iniciou em 2008, vão se forjando novas  estratégias de reforma do estado.

Lá se vão 30 anos das reformas promovidas por Margareth Thatcher em direção às primeiras privatizações na trajetória de um estado menos prestador e mais regulador. Mais responsável no sentido fiscal. Menos no sentido social. E quase 20 anos das primeiras reformas do estado no Brasil, que passaram por Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula, na mesma trajetória.

Desde então, o estado vem se remodelando tanto aqui quanto lá. Ao mesmo tempo em que delega a prestação de serviços públicos, pactua parcerias com a iniciativa privada em matéria de infraestrutura, financia investimentos particulares com alto montante em dinheiro, por outro lado, distribui em programa sociais valores mais que consideráveis em dinheiro diretamente ao cidadão com forma de potencializar um “upgrade” cidadão para aqueles excluídos.

A redefinição do estado passa por todo o esse processo.

No Brasil, o momento é de relativa estabilidade, ainda que a levantar algumas precauções por parte de analistas. No que se refere aos serviços públicos, não se sabe ao certo como se portarão os governos nos próximos anos. Saúde e educação têm passado por singelas transformações em direção à potencialização da sua universalização, mas o trabalho é árduo, muito custa e o déficit é gigantesco.  A face estatal de concretização dos direitos que concretiza esses bens constitucionalmente são os serviços públicos.

Temos problemas muito sérios como a assimetria econômico-financeira entre os entes no Brasil (União Federal, Estados e Municípios) continuam a ser algo que dificulta um processo uniforme de distribuição de bens constitucionalmente previstos, tais os referidos, mais moradia, cultura, lazer, alimentação, mas não somente. Há questões de âmbito tributário a resolver pelas quais passam diversas parcerias entre estado e iniciativa privada a depender de um órgão centralizador e que depende de decisão unânime, que é o CONFAZ. Há dificuldades também estruturais em matéria judiciária, que não se resumem unicamente a alterações legais ou reformas de códigos, mas sim a resolver a eficiência na distribuição da justiça no país. Verifica-se que o estado brasileiro, mas não só ele, tem se moldado a uma nova realidade econômica que altera pressupostos tanto do estado máximo quanto do estado mínimo – ainda que as duas referências sejam meramente ideais.

O Estado social brasileiro, assim, paradoxalmente e em função do patamar irrisório de que partiu, vem crescendo nos últimos anos, sendo alguns serviços públicos cada vez mais distribuídos de forma universal.

Em âmbito regional o Brasil joga forte contra o Mercosul, ainda que de forma enrustida. Não se verifica um espírito cooperativo em nossos governos, ainda que também as diferenças sejam grandes em diversos pontos e o momento brasileiro aprofunde essas diferenças.

No cenário global, o que nos preocupa, verdadeiramente, é um cenário que aponta ainda para um momento de extrema cautela, especialmente, em estados centrais que estão somente agora a voltar a patamares econômicos pré-crise (veja que somente a Alemanha, na Europa, volta a crescer em níveis que antecederam 2008).

Hoje (26 de novembro), o periódico El País, reconhecidamente o maior jornal em língua espanhola do mundo, afirma que a União Europeia está a encarar a sua segunda fundação: não mais uma união contra a ocorrência de novas guerras, como no seu momento de criação, mas pela não ocorrência de novas crises econômicas que instabilizem os estados e desencantem os europeus de uma união bastante assimétrica em matéria financeira, social e cultural.

E o estado, tanto aqui como lá, vive indefinições. Avança em alguns campos, retrocede em outros. Esse é o estado social: um camaleão reluzente em alguns momentos, opaco em outros, e uma coisa e outra em momentos de incerteza. Mas que com tamanhas dificuldades, não foi ainda superado por outro modelo.

Luiz Guilherme Arcaro Conci é professor da Faculdade de Direito, coordenador do Curso de Especialização em Direito Constitucional da PUC-SP, membro do IBEJI (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura) e advogado em São Paulo.

Redação

2 Comentários

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  1. A função de um advogado é

    A função de um advogado é complicar criando dificuldades para vender facilidades.

    Quanto mais complicado melhor.

    Eu vou ser reducionista, e tudo uma questão de produtividade.

    Tanto Portugal, como Brasil são acometidos do mesmo mal, o esquerdismo. Trabalho, produtividade, méritocracia são palavrôes para a esquerda. 

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