As manifestações da extrema-direita na França

Sugerido por Gunter Zibell – SP

Do O Globo

Intolerância

Helena Celestino
 
Uma França usualmente silenciosa está há três semanas nas ruas, gritando sua raiva. A guerra cultural causa mais estragos em tempos de crise, momento favorável a extremismos
 
“Fora judeu.” Este grito pavoroso ecoou pelas ruas de Paris e Lyon domingo, pela primeira vez desde a época da França ocupada pelos nazistas na II Guerra Mundial. Foi ouvido durante manifestações em que se misturavam católicos ortodoxos, muçulmanos radicais, extrema-direita, grupos racistas e respeitáveis partidos de direita, todos unidos na suposta defesa da “família tradicional” que degenerou numa demonstração de racismo, xenofobia e homofobia, E, pior, o governo socialista cedeu às pressões desta versão francesa do Tea Party americano e adiou o debate sobre a nova lei da família para 2015.
 
“É lamentável a débil reação dos partidos republicanos e a degeneração do debate político”, disse, escandalizado, o filósofo Roberto Badinter, ex-ministro da Justiça do governo Mitterrand.

 
Uma França tradicionalmente silenciosa está há três semanas nas ruas, gritando sua raiva. É bem diferente da França que a gente gosta e admira pela defesa da liberdade, a diversidade do pensamento e o elegante savoir vivre. Herdeira da direita antissemita, esta fatia da sociedade francesa radicaliza-se a cada domingo e acrescenta novas reivindicações em sua agenda centrada na defesa de valores ultraconservadores e no repúdio aos não iguais. Pede a revogação da lei do casamento gay, é contra a reafirmação da lei do aborto – prevista neste novo código da família – e agora organiza um boicote às escolas sob o argumento de que uma tal de “teoria de gênero” ensinaria as crianças a serem transsexuais e homossexuais. Acusam o governo de ser fobicamente contra a família e de se inclinar diante do lobby LGBT.
 
Delírios, claro. O mais recente alvo da ira deste grupo ultra conservador é o ABCD da Igualdade, uma inovação acrescentada experimentalmente ao currículo de 600 escolas. O ministro da Educação exaustivamente explicou que se tratava de promover os valores da República e da igualdade entre homens e mulheres, mas foi considerada pelos ultras como “uma maneira de diluir a ligação entre pai, mãe e filho” e contra a alteridade “homem e mulher”. Com a complacência da UMP – partido de oposição – a campanha para boicotar as escolas no dia do ABCD da Igualdade cresceu e chegou a deixar fora das salas de aula 40% das crianças em várias cidades francesas.
 
“O contexto é favorável ao crescimento da extrema-direita, os meios populares são receptivos aos slogans da Frente Nacional”, diz Bruno Cautrés, da Sciences-Po.
 
Para onde vai a França? Um vento torto está levando o país para a radicalização. O sentimento de pessimismo domina os franceses diante da constatação de que empregos, poder e ideias estão migrando para lugares mais acolhedores e dinâmicos. Nesta França que procura seu novo papel no século XXI, cada tentativa de mudar os contornos da vida em sociedade é vista como uma agressão por uma parte dos cidadãos, especialmente os religiosos, sejam eles muçulmanos radicais ou católicos ortodoxos. A guerra cultural americana, que há décadas divide o país, trava-se também há anos na Europa, mas causa mais estragos num momento favorável a extremismos, estimulados pela crise econômica e por líderes políticos fracos, como François Hollande na França e Mariano Rajoy na Espanha.
 
Personagens nefastos contam com inesperada popularidade, como o cômico Dieudonné com seus insultos aos judeus e a popularização da quenelle, um gesto de saudação nazista estilizado. Seus espetáculos estão proibidos na França e esta semana ele foi impedido de entrar no Reino Unido, mas tirou das sombras seu inspirador: Alain Soral, que se autoproclama nacional-socialista, “teórico” dos grupos fascistas franceses, há anos insultando gays, feministas e judeus mas devidamente colocado no ostracismo. Aproveitou a mobilização contra o casamento gay para se relançar e reativar seu blog odioso em que faz publicidade da literatura nazista.
 
“Esta França que repudia o outro – seja o imigrante europeu pobre, o judeu ou árabe – sempre existiu, mas era minoritária e agora acha mais canais de expressão”, diz o jornalista Jean Marie Colombani em artigo no “El País”.
 
Este mês tem eleições municipais na França, em maio para o Parlamento Europeu, e os prognósticos são de que a extrema-direita vai crescer nas cidades francesas e também pode formar uma bancada em Bruxelas. A direita tradicional, que deixou o poder há apenas dois anos e pretende voltar, está estimulando a radicalização dos movimentos de direita, fazendo das questões de família uma arma política. Esta estratégia, nós brasileiros, conhecemos, e não queremos ver esse filme de novo: há 50 anos, a Marcha da Família pela Liberdade antecedeu o golpe de 64.
 
Na Europa, a intolerância já causou duas guerras.
Redação

13 Comentários

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  1. A corda retesou.
    A democracia

    A corda retesou.

    A democracia parece não atender nem a direita que quer brecar os seus avanços, nem da esquerda que vê passos de tartaruga na sua evolução. Os governos paralisados.

    Ontem teve um post e comentários bem interessantes sobre este assunto:

    Como o ‘ocidente’ fabrica ‘movimentos de oposição’, segundo o Counterpunch

    Do comentarista DeBarros  “Parece que o confilto final, Capitalismo vs Democracia caminha para seu climax. Esse casamento entre duas entidades antagonicas nao poderia durar muito tempo mesmo.

    Incomodados com a interferencie em seus negocios causada pela participacao popular, os grandes capitalistas decidiram que a Democracia, sua inimiga, deve ser destruida.”

  2. Meu caro Gunther, a ideologia

    Meu caro Gunther, a ideologia nasceu na França, a direita francesa vem da Revolução, é coisa bem antiga, os legitimistas de Luis XVIII reacionarios e depois os orelanistas de Luis Felipe, mais liberais, o mais impressionante foi o renascimento

    violento da direita francesa como reação ao governo Leon Blum de 1936, imagine só, judeu esquerdista governando a França, a direita da Action Française de Charles Maurras e mais uma serie de grupos da reação abriram literalmente as portas da França para os nazistas e foram a base construtiva do Governo de Vichy, mais extrema direita do que os alemães ocupantes, ve-se isso no filme SEÇÃO ESPECIAL DE JUSTIÇA de Costa gravas.

    Portanto direita na França é coisa velha de séculos, sempre existirá em diferentes proporções de acordo com a época.

    1. Oi André

      Eu só sugeri o link, não comentei a respeito.

      Eu vi esse filme. Inclusive, em 1981, o professor de Direito da faculdade de Economia pediu para que todos os alunos assistissem e depois fizessem uma análise crítica como trabalho valendo nota, foi bem interessante, pesquisamos os conceitos de Estado, Governo, Direito, Justiça, Democracia, etc para elaborar isso.

      Eu não vejo problemas em direita democrática e moderna, interessada em eficiência econômica. Também não vejo problemas em esquerda democrática, claro.

      O problema que parece haver na França, contudo, é outro, é o uso manipulativo de preconceitos raciais ou xenofóbicos para alimentar aspirações eleitorais. É parecido com a Rússia atual, mas, por Putin ser anti-americano ele ficou convenientemente poupado pela mídia de esquerda, apesar dele gerir um governo neofascista de centro-direita…

      É essa duradoura e frequente confusão entre gestão/ planejamento da economia e valores sociais, confusão esta que esquerdas também cometem, que me motiva a trazer esses artigos.

  3. França

    Situação preocupante. Realmente como o comentário da Sra. Maria do Carmo, o capital não aceita ser limitado pela democracia. A ganância dos mais ricos não pára de crescer e qualquer obstáculo deverá ser removido, custe o que custar. Tempos ainda mais difíceis teremos num futuro não muito distante.

  4. O ESPECTRO DA EXTREMA-DIREITA NA EUROPA

    O ESPECTRO DA EXTREMA-DIREITA NA EUROPA

    Sobre o asunto em pauta, e a propósito da transversalidade da causa LGBT, leia-se também o importante artigo “O espectro da extrema-direita na Europa”, no Blog do Miro, no link http://altamiroborges.blogspot.com.br/2014/01/o-espectro-da-extrema-direita-na-europa.html

    No artigo citado, lê-se que “… o Partido da Liberdade (PVV) holandês é ardorosamente pró-Israel (além de defender o casamento gay).”

    Como se vê, partidos de extrema-direita que defendem, por exemplo, o massacre do Estado de Israel sobre a comunidade palestina de Gaza e da Cisjordânia, podem tranquiliamente se dizerem ‘progressistas’ na causa LGBT.

    Ou seja, nada impede ser ‘progressista’ na causa LGBT, e ao mesmo tempo, elogiar ou se omitir a respeito de massacres, como os de Sabra e Chatila, Gaza ou Pinheirinhos.

    Isto é, todo cuidado é pouco com o termo “progressista” utilizado de forma generica, especialmente em  auto-denominações.

  5. O que me espanta não é a

    O que me espanta não é a existência da direita na França e que esta resolveu se manifestar. Pois como nos ensina nosso querido AA, o famoso AApédia, foi nesse país que os termos direita e esquerda surgiram.

    O quem me deixa pasmo é que as manifestações francesas estão tão esquizofrênicas quanto as nossas, onde adeptos da ditadura marcham lado a lado com o PSTU.

    Islâmicos radicais juntos com xenófabos na mesma passeta? “Tudo bem” que na hora de ser contra judeu, eles estão juntos, como aqui na hora de ser contra a Copa. Mas isso não tem como acabar bem.  

  6. Não é novidade

    Esta tensão sempre existiu na França.

    A extrema direita entretanto, não consegue aumentar muito sua participação no jogo. No máximo mantem. Poucos, mas ativos e organizados. Merecem atenção.

    Um excelente documentário de meados dos anos 70 sobre o assunto,  Chantons sous l’Occupation, pode ser visto no site do INA

    Causou grande celeuma na França quando foi lançado.

  7. Apesar do discurso fascista e moralista de ambos:

    O Tea Party não tem nada haver com a Front National 

    Tea Party defende radicalização liberal na economia, com menos estado e regulação sobre o mercado. Libertários defendem o mesmo pensamento na economia, diferenciando apenas nas questões sócio-morais.

    Front National é favor de intervencionismo estatal com mais participação na economia e gasto do governo. A esquerda latino-americana tem a mesma opinião econômica, diferenciando também nas questões sócio-morais.

    Se as eleições francesas fossem hoje o partido de Le Pen chegaria ao 2º turno em 1º lugar deixando os socialistas de fora. Em 2002 Le Pen foi para o 2º turno chegando em 2º lugar, os socialistas votariam na direita gaullista sabendo que não se fazem mais direitistas com De Gaulle ou Chirac? Em 2002 no 2º turno contra Le Pen, Chirac teve 82% de votação, recorde nas eleições francesas.

    Qual a razão do fracasso de Hollande??? Com a entrada no Euro, nações européias abriram mão de políticas econômicas soberanas, a solução seria reformar as instituições (que não contam com consenso político e apoio da 1ª ministra alemã Merkel) ou uma medida radical que seria a França abandonar o Euro e voltar ao Franco.

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