As três correntes intelectuais da China

Sugerido por Raymundo Júnior

Do Blog de Rudá Ricci

As três correntes intelectuais da China

Li, recentemente, um interessante artigo publicado na revista Nueva Sociedad sobre as correntes intelectuais na China da atualidade. O artigo foi escrito por Emilie Frenkiel, cientista política da Universidade Paris 8.
 
O artigo é esclarecedor. Segundo a autora, três correntes disputam a interpretação sobre a China e os rumos que o país deve tomar: uma corrente liberal, uma corrente denominada de “nova esquerda” e uma corrente tradicionalista.
 
Os liberais se apoiam nos estudos de Hayek. Você deve ter se surpreendido, como eu me surpreendi quando li. Os expoentes desta corrente são Xu Younyu, Zhu Xueqin, Qin Hui, Ren Jiantao e Liu Juning. Consideram que a China colhe os efeitos das distorções marxistas (mesmo suas lideranças tendo a intenção a liberalizar a economia do país). Zhu Xueqin sustenta que não existiria um sistema de freios e contrapesos na política chinesa, o que exigiria o estabelecimento de um Estado de direito. Há diferenciações internas entre seguidores de Hayek e os de Rawls.

 
A nova esquerda se apoia nos estudos de Foucault e Lyotard, além de citar constantemente a Escola de Frakfurt e neomarxistas como John Roemer. Seus expoentes são Gan Yang, Sun Liping e Hu Angang. Seu foco é a superação da desigualdade social e os efeitos negativos das recentes reformas econômicas da China. Esta corrente considera que a China já é capitalista, origem dos problemas sociais atuais. Sua vertente pós-moderna dialoga com alguns liberais chineses (caso de Wang Hui, Wang Shaoguang, Gan Yang e Zhiyuan Cui, apesar de refutarem os conceitos de Hayek sobre a supremacia do mercado) e até mesmo com a terceira corrente de intelectuais, a tradicionalista (caso de Gan Yang, que admite a instauração de uma república socialista confuciana). O economista Hu Angang sugere que hoje existem quatro níveis de desenvolvimento chinês: a) o de países desenvolvidos, plasmado em Beinjing e Shangai; b) o de províncias que vivem processo de desenvolvimento acima da média mundial, como Cantão, Jiangsu e Zhejiang; c) as regiões centrais da China emparelhadas com o padrão dos países em desenvolvimento e; d) as províncias do Tibet e Ghizhou, cujo nível de desenvolvimento se aproxima dos países mais pobres.
 
Finalmente, a corrente tradicionalista, apoiada nos ensinamentos de Confúcio. Nacionalista, esta vertente sugere a modernização gradual da China, sem rupturas com suas tradições. Seu expoente maior é Kang Xiaoguang, influenciado pelo Choque de Civilizações escrito por Samuel Huntington. Esta corrente vem orientando parte das elaborações oficiais em relação ao desenvolvimento e chegou a introduzir estudos do confucionismo em programas escolares e concursos para seleção no serviço público. Pan Wei, outro intelectual desta corrente de pensamento, chegou a criticar publicamente a democracia eleitoral, a despeito de sustentar a necessidade de um “verdadeiro Estado de Direito” na China.
Emilie sugere que esta última corrente projeta um regime elitista e meritocrático que combina autoritarismo político, economia liberal de mercado, corporativismo e Estado de Bem-Estar Social, fundado na noção de renzheng (governo iluminado, na tradição confuciana).
Redação

2 Comentários

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  1. O sistema legal da China, até

    O sistema legal da China, até o período dinástico (até 1911) foi o maior e mais formidável existente. A China, com sua tradição confucionista e taoísta, não se portava tal como os impérios do ocidente, que saiam mundo afora para colonizar outros territórios. Mas logo a sanha exploratória do capitalismo tomaria corpo, principalmente aquelas trazidas pela Grã-Bretanha com a Guerra do Ópio[1], que deixou o país em extrema pobreza.  Foi ainda durante a última dinastia – manchu, uma dinastia “alienígena”/”forasteira” – que as coisas começaram a ruir, pois a dinastia Qing não soube confrontar as interferências externas. 

    De lá, para cá, a China e seu povo viveu de forma sofrida, tentando se reerguer, tendo inclusive perdido 14 milhões de chineses na luta contra o Japão na Segunda Guerra Mundial, ocasião em que os nacionalistas e os comunistas fizeram uma trégua.

    Mas aos poucos a China vem aprendendo a jogar no próprio jogo em que a obrigaram a participar. O que virá é incerto, mas a base ainda é a intenção da unicidade, conquistada em 221 a.C., diferentemente do pregado pelo ocidente, que valoriza o individualismo.

    Só espero que eles mesmos não esqueçam de sua fantástica e formidável história, pois nós ocidentais ainda temos muito o que aprender com ela.

    [1]

    “Em 1856, as importações de ópio foram avaliadas em perto de 35.000.000 de dólares [obs: cálculos hoje apontariam para algo em torno de US$ 950 bilhões], enquanto, no mesmo ano, daí resultava para o governo anglo-indiano um rendimento de 25.000.000 de dólares, ou seja, um sexto de todos os seus rendimentos.

    […]

    O Economist de 30 de Abril de 1853 reconhecia: “As receitas do nosso governo na Índia dependem da venda do ópio na China, tal como o povo da Inglaterra depende, para os seus almoços e ceias, dos produtos deste Império; ao mesmo tempo a nossa vida familiar e a nossa grandeza política enquanto nação estão agora voltados directamente para a China”.

    MARX ON CHINA, Articles from “The New York Daily Tribune”, 1853-1860, Londres, 1968“Sobre a China”. Tradução: F. C. Martins, p. 98 a 102http://www.marxists.org/archive/marx/works/1858/09/25.htm

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