Governo dos EUA está há 22 dias paralisado – um recorde, por Alexandre Martins

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Alexandre Martins
 
No Público
 
O mais longo encerramento forçado de agências e departamentos públicos norte-americanos tinha chegado ao fim há apenas duas semanas, e o Presidente Bill Clinton falava ao Congresso e à nação, no tradicional discurso sobre o Estado da União.
 
Perto do final, embalado pela recente vitória no braço-de-ferro com o Partido Republicano nas discussões sobre o orçamento para 1996, Clinton aponta os holofotes para um cidadão que estava sentado nas galerias da Câmara dos Representantes, elogiando-o pelo seu “extraordinário heroísmo pessoal”.
 
Richard Dean, de 49 anos, era um veterano da guerra do Vietname que trabalhava na Segurança Social há duas décadas. Meses antes, tinha-se destacado por resgatar três mulheres dos escombros do edifício público destruído no atentado à bomba no Oklahoma, que fez 168 mortos.
 
Depois de deixar que as centenas de senadores, congressistas e convidados aplaudissem de pé a bravura de Dean, Clinton partiu para a humilhação do seu maior adversário político por essa altura, Newt Gingrich. O republicano, que liderava a Câmara dos Representantes, era visto como o maior derrotado do grande shutdown de 21 dias, entre Dezembro de 1995 e Janeiro de 1996, e de outro, mais curto, entre 13 e 19 de Novembro.
 
“A história de Richard Dean não acaba aqui. Em Novembro, foi forçado a ficar em casa quando o governo foi encerrado. E, na segunda vez que o governo foi encerrado, continuou a ajudar os beneficiários da Segurança Social, mas trabalhou sem receber salário”, disse o Presidente, antes de desferir o golpe final em Gingrich, que estava sentado atrás de si. “Em nome de Richard Dean e da sua família, e de todas as pessoas que ajudam o povo americano, lanço um desafio a todos os que estão nesta câmara: nunca mais na vida voltem a encerrar o governo federal.”
 
Separados por um muro
 
Mais de duas décadas depois, é evidente que o apelo de Bill Clinton, feito em tom de advertência, não se concretizou. O cenário repetiu-se em 2013, durante 16 dias, numa batalha liderada pelo senador republicano Ted Cruz contra o financiamento do Obamacare; e, já durante a Administração Trump, várias agências e departamentos públicos voltaram a encerrar durante dois dias, em Janeiro de 2018, quando o Partido Democrata tentou incluir na proposta de orçamento verbas para programas de imigração.
 
Mas, desta vez, a Casa Branca e o Congresso ultrapassaram todas as expectativas. A partir deste sábado, o shutdown provocado pelas discussões sobre a construção de um muro ao longo da fronteira entre os EUA e o México para travar a imigração ilegal, que começou no dia 22 de Dezembro, é o mais longo da história do país. E, pior do que isso, parece cada vez mais certo que o impasse não vai acabar sem que o país mergulhe numa crise constitucional.
 
Um shutdown do governo federal acontece quando os dois partidos na Câmara dos Representantes e no Senado, e o Presidente dos EUA, não chegam a acordo sobre o orçamento para o ano seguinte. Quase sempre, esse desacordo existe por questões políticas e não estritamente financeiras – em 2013, os senadores republicanos mais conservadores bloquearam a aprovação de um orçamento porque não concordavam com o financiamento da reforma nos seguros de saúde da Administração Obama.
 
Como o orçamento não é aprovado, várias agências e departamentos públicos ficam sem verbas frescas para se manterem em pleno funcionamento e começam a encerrar, ou a trabalhar em serviços mínimos. Os números exatos variam conforme a duração do shutdown e a quantidade de agências afetadas, mas calcula-se que 800 mil funcionários públicos estejam a ser afetados por causa do impasse atual: 380 mil estão em casa há 21 dias (22 a partir deste sábado), sem salário, e 420 mil continuam a trabalhar, também sem vencimento, por serem considerados essenciais.
 
Um pouco por todo o país, há parques e museus encerrados, inúmeros trabalhos de investigação na NASA suspensos, inspeções alimentares e ambientais adiadas, acidentes aéreos de pequena dimensão por investigar. Por causa das limitações na Agência de Segurança nos Transportes, o aeroporto de Miami anunciou esta sexta-feira que vai encerrar um terminal durante três dias. E nas próximas semanas o shutdown pode vir a afetar milhões de pessoas, por causa de prováveis atrasos no reembolso de impostos.
 
Na quinta-feira, o Senado aprovou o pagamento retroativo aos funcionários afetados, assim que o shutdown for levantado. Mas, entretanto, milhares vão ficando sem dinheiro para pagar as contas, e já começaram a pedir subsídios de desemprego, a vender bens pessoais ou a pedir a senhorios e a bancos que lhes reduzam ou suspendam as prestações.
 
Emergência nacional
 
Numa das várias reuniões fracassadas na Casa Branca e no Congresso, o Presidente Trump chegou a dizer que, por ele, este shutdown pode arrastar-se por “meses ou anos”, se o Partido Democrata não desbloquear 5,7 mil milhões de dólares para a construção do muro. Do outro lado da mesa, a líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, já repetiu várias vezes que o Partido Democrata não irá aprovar nem um dólar para a construção do muro, que descreve como sendo uma solução “imoral” e “medieval”, e um esbanjamento de dinheiro público.
 
Chegados aqui, e partindo do princípio que nenhuma das duas partes vai ceder num tema tão emblemático como a construção de um muro com centenas de quilômetros na fronteira para gerir a entrada de imigrantes, é cada vez mais provável que a solução encontrada seja atirada para os tribunais.
 
De acordo com a imprensa norte-americana, o Presidente Trump prepara-se para declarar o estado de emergência nacional na fronteira com o México – ainda que o número de imigrantes tenha caído de forma significativa nos últimos 20 anos, e que na fronteira haja 930 quilômetros de barreiras e vedações construídas desde 2007. A lei que permitiu essa construção foi aprovada com o apoio do Partido Democrata no Senado, incluindo votos favoráveis de Barack Obama e Hillary Clinton.
 
Se o Presidente Trump declarar uma emergência nacional, poderá deslocar verbas do Exército e deixará de precisar do Partido Democrata para financiar a construção do muro. Esta solução poderá pôr fim ao shutdown e permitir ao Presidente dizer aos seus apoiantes que está a fazer tudo pelo muro, mas dará início a uma outra batalha: os seus opositores, a começar pelo Partido Democrata, vão recorrer aos tribunais para travar a declaração de emergência nacional, dando início a outra longa batalha
 
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. O muro que importa, o do

    O muro que importa, o do sistema capitalista que separa 1% dos 99% , este continua crescendo sem parar, até que a barbárie se estabeleça de vez, junto com o shutdown do insustentável modo de vida.

  2. Fale-se o que quiser acerca

    Fale-se o que quiser acerca do sistema americano, mas é inegável que eles construíram um modelo de Estado e Nação talvez único na história da Humanidade. Não é possível nem imaginar as consequências se tal impasse político-institucional ocorresse no Brasil. O país, literalmente, pararia. 

    Lá efetivamente vige uma federação e a dependência do Poder Público é infinitesimal se comparada com a nossa.   

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