Nova escalada de violência política no Haiti denuncia fracasso de missões de paz e estabilização, por Arnaldo Cardoso

É oportuno lembrar que o Brasil foi o país que mais enviou tropas ao Haiti, totalizando 37,5 mil brasileiros envolvidos nas operações.

Nova escalada de violência política no Haiti denuncia fracasso de missões de paz e estabilização

por Arnaldo Cardoso

O assassinato do presidente do Haiti Jovenel Moise nesta quarta-feira (7) escancara uma nova escalada de violência em uma sucessão de crises e instabilidade política no país mais pobre do continente americano e, expõe também, mais uma vez, o fracasso de uma Missão de Paz nos moldes como vem sendo concebidas e conduzidas em diferentes partes do mundo pela Organização das Nações Unidas e seus membros.

Por ter comandado o componente militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) de 2004 a 2017 o Brasil deveria poder contribuir com uma profissional e sincera análise crítica da missão. Na saída do país em 2017 o comandante das Forças da Missão da ONU no Haiti, o general brasileiro Ajax Porto Pinheiro despediu-se com a afirmação de “missão cumprida” e declarou crer “numa nova geração, distinta da que viveu o auge da violência”. No entanto, o que se viu nos últimos anos não confirmou a avaliação do general.

É oportuno lembrar que o Brasil foi o país que mais enviou tropas ao Haiti, totalizando 37,5 mil brasileiros envolvidos nas operações.

O primeiro militar brasileiro a comandar a missão foi o general Augusto Heleno, hoje ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Heleno ficou no país entre 2004 e 2005 dando lugar a uma sucessão de outros militares brasileiros em postos-chave na condução da Minustah como os generais Tarcísio Gomes de Freitas, Carlos Alberto Santos Cruz, Floriano Peixoto, Luiz Eduardo Ramos e Edson Pujol.

Além das críticas de diversas organizações humanitárias à operação “Punho de Ferro” realizada sob o comando do general Heleno logo no início da intervenção, em julho de 2005, na Cité Soleil, área mais pobre da capital Porto Príncipe, e que resultou em dezenas de mortes de civis, muitas outras denúncias de violências e abusos por parte de soldados brasileiros se seguiram ao longo dos anos da presença militar no país caribenho.

Se na visão dos comandantes militares brasileiros a participação na Minustah se constituiu em um excelente exercício de treinamento das tropas brasileiras, inúmeros analistas denunciaram a falta de preparo dos soldados brasileiros para atuação em operações humanitárias em comunidades urbanas carentes. Há certamente nisso muitas questões a serem debatidas acerca de intervenções militares em comunidades carentes, como é eloquente o caso do Rio de Janeiro, onde são péssimos resultados.

Após o encerramento da Minustah teve início no país a Minujusth (Missão da ONU para o Apoio à Justiça no Haiti).

Um olhar de mais longo alcance nos faz lembrar que desde o fim das ditaduras de Papa Doc e Baby Doc em 1986 no país, foram muitas as intervenções estrangeiras no Haiti realizadas “em nome da democracia”. Entretanto, até hoje o país sofre com a pobreza extrema, com a falta de infraestrutura básica para o estabelecimento de atividades econômicas capazes de gerar emprego e renda para a sua população.

É certo que muito já se discutiu acerca da terminologia e dos conceitos que envolvem as operações de paz e que, na prática, a atuação da ONU na prevenção e resolução de conflitos mistura essas categorias. Dos formatos da Preventive diplomacy (Diplomacia Preventiva), Peacemaking (Promoção da Paz), Peacekeeping (Manutenção da Paz), Peace-enforcement (Imposição da Paz) até a Post-Conflict Peace-bulding (Consolidação da Paz) muito se experimentou, mas até agora nenhuma delas se mostrou eficiente para assegurar a paz e promover a dignidade nas nações.

Em meio a pandemia que ainda castiga inúmeros países e que já evidenciou o agravamento de problemas decorrentes da desigualdade econômica concomitante ao debilitamento das democracias, é mais que urgente que lideranças políticas e econômicas globais assumam responsabilidades compartilhadas proporcionais às demandas de nosso tempo.

Os problemas estão a exigir grandeza de propósitos e determinação. O egoísmo e amesquinhamento das nações mais ricas trarão custos elevados a todos. O Haiti volta a nos lembrar disto.

Arnaldo Cardoso é sociólogo e cientista político formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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