Reflexões miúdas sobre o neoliberazismo brasileiro, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Reflexões miúdas sobre o neoliberazismo brasileiro

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Um dos fenômenos políticos recentes mais relevantes é o crescimento do nacionalismo, do fascismo e do nazismo na Europa. Os novos adeptos da extrema direita creditam seu sucesso eleitoral aos prejuízos causados pela globalização e ao fluxo de imigrantes que estaria a provocar uma deseuropeização da Europa. Observadores mais argutos, entretanto, afirmam que os neodireitistas confundem o sintoma colateral com a doença que ele mascara. A doença que quebrou as pernas da Europa não foi a imigração e sim a crise econômica neoliberal que simplesmente não pode ser superada dentro dos limites impostos pelo neoliberalismo como tem observado Yánis Varoufákis no seu livro O Minotauro Global.

A descrição econômica de Varoufakis é completada pelo diagnóstico sofisticado de Manuel Castells, para quem a globalização:

“… consiste em uma rede global de redes globais nas quais se integra o essencial das finanças, da economia, da comunicação, do poder, da ciência e da tecnologia. Qualquer atividade relevante, em qualquer lugar do mundo, gravita em direção a essas redes nas quais se concentram o poder, a riqueza, a cultura e a capacidade comunicativa. As elites dominantes no planeta seguem essa lógica de redes e se articulam entre si, frequentemente adornando-se com o sugestivo título de cidadãos do mundo. Por outro lado, para a imensa maioria dos humanos, carentes de capacidade institucional de ação sobre os programas que governam tais redes, o sentido de suas vidas provém de sistemas culturais específicos construídos por uma experiência comum: seus territórios, idiomas, suas culturas e histórias próprias, seu grupo étnico, sua nação, sua religião. A lógica das redes penetra nessas comunas culturais sem chegar a dissolvê-las.” (Ruptura – a crise da democracia liberal, Manuel Castells, Zahar, Rio de Janeiro, 2018, p. 93)

O diagnóstico de Castells explica porque a crise econômica neoliberal é percebida como um fracasso da globalização e funciona como um fermento para o nacionalismo na Europa. O conflito entre os povos dos estados nacionais e o povo do mercado (transnacional), no entanto, desaparece no momento em que o problema do “outro”, ou seja, do estrangeiro e do imigrante, entra na equação.

A explicação para isso me parece muito singela. Os imigrantes moram na casa ao lado ou na mesma rua. Eles disputam os mesmos serviços e benefícios sociais colocados à disposição da população em geral dos países europeus. O povo do mercado, por outro lado, não mora em lugar algum. Ele existe fora do território e os espaços que ele frequenta não são públicos. Os europeus empobrecidos fazem compras e provavelmente comem nos mesmos lugares que os imigrantes.

Onde quer que morem, os bilionários europeus, norte-americanos, asiáticos, africanos e sul-americanos frequentam lugares requintados e caríssimos. Os preços praticados nesses locais por razões obvias funcionam como uma barreira intransponível para os demais cidadãos. Quando muito, aqueles que fazem parte do povo do mercado são servidos por trabalhadores que, para manter seus empregos, se resignam a preservar e a reforçar as hierarquias sociais.

A extrema direita brasileira, especialmente aquela que se colocou em volta de Jair Bolsonaro, não é nacionalista. Ela é defensora da globalização. Sua meta não é defender e sim destruir o Estado nacional tal como ele se encontra estruturado.

Os neonazistas brasileiros acreditam que privatizando de maneira acelerada todas as empresas estatais brasileiras e entregando aos estrangeiros o controle das reservas petrolíferas do país o Brasil voltará a crescer e se tornará uma potência. Eles não agridem venezuelanos e haitianos porque querem preservar o privilégio de desfrutar serviços públicos como ocorre na Europa. De fato, os bolsominions nem mesmo podem mais fazer isso na medida em que apoiaram um golpe de estado que está devastando os sistemas de saúde e de educação.

A motivação dos neonazistas brasileiros para agredir os “outros” não é nem econômica, nem nacionalista. Ela é ideológica e, algumas vezes, racial. Isso explica porque os bolsominios tratam os petistas como se eles fossem estrangeiros indesejados e não brasileiros natos. Se reconhecessem que os “outros” também são cidadãos, os fanáticos eleitores de Bolsonaro teriam que admitir que eles também tem direito de votar e que o candidato do PT pode governar se for eleito.

Quando pensamos no crescimento da extrema direita europeia, portanto, podemos perfeitamente recorrer a Manuel Castells e a Varoufakis. O mesmo não ocorre em relação ao que está ocorrendo no Brasil. Cá, a realidade se apresenta como uma imagem invertida do que ocorre na Europa. Uma prova desse fenômeno foi a polida e firme reação da Embaixada da Alemanha à patética tentativa dos neonazistas brasileiras de explicar aos alemães o que ocorreu no III Reich. Nesse momento deicado, os intelectuais que tentarem entender o que está ocorrendo em nosso país devem tomar cuidado ao usar autores europeus.

Ao apoiar Bolsonaro e os neonazistas a elite brasileira, se é que ela tenha existido em algum momento, não renunciou somente ao seu papel de guardiã dos interesses de longo prazo da nação como fizeram as elites europeias. Ela está renunciando à própria ideia de Estado nacional o que, num curto espaço de tempo, colocará em risco a unidade territorial.

Traumatizados pela II Guerra Mundial, os europeus apostaram na unificação econômica e monetária. Desesperados em razão de não conseguir ganhar eleições, os bilionários brasileiros parecem acreditar que a fragmentação do país resultará num ganho econômico para as regiões sul e sudeste. Bolsonaro se apresenta como o facão que cortará o Brasil ao meio. Ele tem dito que o país deve vender a Amazônia aos EUA. Se ele for eleito e levar isso adiante, o resultado será um conflito de proporções épicas entre as regiões norte/nordeste/centro oeste e as regiões sul/sudeste, além de uma guerra intestina dentro de cada região entre os apoiadores e os adversários da fragmentação territorial.

Os nazistas alemães queriam conservar e ampliar o território da Alemanha. A preservação da unidade territorial brasileira não figura no programa do neonazismo que se apoia em Jair Bolsonaro e/ou defende a candidatura dele. Foi exatamente por isso que o chamei de neoliberazismo, movimento que une a violência irracional do nazismo à proposta neoliberal formulada pela extrema direita norte-americana de provocar a dissolução de todos os estados nacionais que podem de alguma maneira competir ou rivalizar com os EUA.

 
Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Não tem aquele ditado “unir o

    Não tem aquele ditado “unir o útil ao agradável”? Pois é, o fascismo à brasileira conseguiu criar o “inútil ao desagradável”

    A nova ditadura que o Mourão/Bolsonaro (nessa ordem mesmo) quer instalar no país pega o rúim da anterior e descarta o pouco de bom que tinha. Que er um nacionalismo do jeito lá deles, dos milicos.

    Agora o neofascismo brasileiro cria o monstro híbrido, mistura de Brilhante Ustra com FHC. Mussuolini iria proibir o uso indevido do termo, na porrada se necessário!

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