A prisão como regra: ideologia e decisões judiciais

Enviado por Nilva de Souza

Por Rubens R R Casara

No Empório do Direito

Em recente decisão, um juiz de direito do Estado do Paraná decidiu tecer considerações sobre a atuação do promotor de justiça signatário de uma peça posta à sua apreciação, imputando-lhe constantes manifestações em favor da liberdade dos réus. Em seguida, o juiz desconsiderou a promoção do Ministério Público, que sustentava a desnecessidade da custódia cautelar de um determinado réu, para manter a prisão.

Para além das diversas questões processuais que poderiam ser discutidas no caso concreto, essa decisão permite analisar a influência da ideologia na construção das decisões penais e a necessidade de sua compreensão e desvelamento em nome da concretização do projeto constitucional. Em um modelo em que vigora o Estado de Inocência, razão pela qual a prisão cautelar é sempre medida de exceção (Extrema Ratio), apenas a ideologia permite nublar a percepção a ponto de gerar estranhamento o fato de um promotor de justiça (portanto, em tese, comprometido com a legalidade constitucional) manifestar-se em elevado número de causas em favor da liberdade, valor fundamental consagrado na Constituição da República.

Poucas palavras são tão polissêmicas e objeto de tanta divergência quanto “ideologia”. Diferentes sentidos são atribuídos por autores de correntes distintas e até mesmo no seio de uma linha de pensamento. Terry Eagleton, por exemplo, elencou seis diferentes significados para “ideologia”. Em apertada síntese, costuma-se afirmar que a tradição marxista apresenta duas concepções dessa palavra: como imaginário social (ligada à ideia de ilusão, velamento ou ainda distorção da consciência) e como relação de poder, uma de caráter marcadamente pejorativo/negativo e a outra de viés político, ligada à posição de classe. Para os fins deste texto, porém, por ideologia ter-se-á esse sistema de representações, na qual a estrutura é inconsciente, mas que se impõe ao sujeito, como objetos naturalizados e inquestionáveis, que serve à dominação de uns por outros.

Assim, por meio da ideologia, por exemplo, a prisão torna-se a regra e o bom promotor deve estar preocupado com a “defesa social” ou o “combate à criminalidade”, mesmo que para isso deva sacrificar a normatividade constitucional.

O problema é que a ideologia influência nas decisões judiciais, na criação das normas pelos intérpretes a partir dos textos legais. No Estado Democrático de Direito, marcado por limites ao exercício do poder, o problema está no fato de que ideologias autoritárias levam a decisões autoritárias, inclusive à relativização dos limites que impedem o arbítrio (e a barbárie processual) e ao afastamento dos direitos fundamentais, que deveriam funcionar como trunfos contra a opressão, mas passam a ser percebidos como obstáculos à eficiência do Estado.

A compreensão dos efeitos da ideologia nas decisões judicias ajuda a explicar a perspectiva, ainda hegemônica (inclusive entre os atores jurídicos), de que o processo penal é um mero instrumento de repressão e controle social, bem como a crença de que o juiz criminal figura como órgão de segurança pública, ao lado das instituições policiais e do Ministério Público.

Não por acaso, essa perspectiva (diga-se: ideológica) leva à administrativização do juízo criminal, que passa a atuar de maneira parcial, sempre “no combate ao crime” (“custe o que custar”) e na “defesa da sociedade”, isso para não mencionar a tentativa de agradar a “voz das ruas”, forjada, não raro, a partir da desinformação tanto sobre as funções constitucionais dos atores jurídicos quanto sobre os efeitos reais do encarceramento e do sistema penal.

.Rubens R. R. Casara é Juiz de Direito do TJRJ, doutor em direito, mestre em Ciências Penais, professor universitário, membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Corpo Freudiano.     

 

Redação

4 Comentários

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  1. “Direito, Poder e Opressão”.

    “Embasado nas obras de Marx e Foucault, Roberto A. R. de Aguiar propõe uma nova concepção do direito, “respaldada nas relações concretas entre os homens”, desmistificando a visão romântica de neutralidade que é atribuída ao direito, pois este “não é imparcial, é sempre parcial por traduzir a ideologia do poder legiferante”. …

  2. Vc é par ou ímpar?

    O uso da política no judiciário existe em todo o mundo mas aqui é pior. Porque? Me arriscaria a dizer que as esquerdas pioraram a situação(para momentos de normalidade política) ao tentar corrigir o problema.

    Qual foi a solução das esquerdas para o problema de prisões políticas? Estou falando da Constituição de 88. A solução foi dificultar prisões de TODO MUNDO. Dos que deveriam ser presos e dos que não deveriam (políticos ).

    Este é o caso em que a emenda ficou pior que o soneto. Porque criaram um conceito, que seria ótimo se existisse DURANTE  a ditadura, para o momento NÃO ditadura de nossa história.

    A esquerda embarcou porque de fato dificulta MUITO prisões políticas. A direita adorou porque agora é IMUNE ao sistema pelo DINHEIRO.

    E como ficamos? Ficamos discutindo pontos menores sem ir no âmago da questão que é o artigo da constituição que diz que só é culpado após o trânsito em julgado. Conceito que vem do DIREITO FIANCEIRO para casos que envolvem GRANDES SOMAS de dinheiro.

    Para melhorar a situação, por incrível que pareça, é o contrário do que pregam as esquerdas.

    Menos garantias, como por EXEMPLO Trânsito em Julgado, resolve. Porque isso também vai valer para JUÍZES. Vai valer para todo mundo. E finalmente justifica o Foro privilegiado!

    Juízes vão pode fazer o que quiser, desde que às regras se apliquem a ELES MESMO! Pode haver um outro juiz que ache aquele outro, corrupto parcial ou seja o que for.

    Primeira instância! Com direito a recorrer UMA ÚNICA vez com TODAS as alegações juntas. Mas o judiciário. …gosta de fazer tudo NO PAPEL. Nada ao vivo pois assim podem esconder der SUAS deficiências, como juízes que COMPRARAM concursos e que NÃO TEM qualquer capacidade jurídica. Não sabem trabalhar. … Será que o Judiciário quer?

    Teriam que argumentar com advogados, sobre LEIS, ao vivo e a cores para todo mundo ver e ouvir!!!

     

    E caso haja algum problema em alguma decisão —> Consequências para os AGENTES(Os juízes)

    Mas pergunte lá para aqueles que vcs consideram DO BEM no judiciário SE eles tem interesse em CASO FAÇAM MERDA, SER PUNIDOS.

    Lewandowski, o cara do bem, quer? Pergunte lá para ele para descobrir a verdade…

    Para o Judiciário, uma vez lá dentro, mesmo por fraude em concursos, é um par. Pergunte lá para os esquerdistas Ministros do STF… Agora são pares!

    O povo é ímpar! E o mais importante é a opinião dos pares… e estamos parados aí. Ninguém nem ao menos pergunta o que os pares querem, se querem, o que acham…

    Direito só é direito se VALE para todos. Se não vale, é privilègio e deve ser removido da Cosntituição!

     

     

     

  3. Santayana magnífico!

    A matéria é longa, mas imperdível. Encontra-se na íntegra no Conversa Afiada. Veja do que se trata:

    Publicado em 09/07/2015 

    http://www.conversaafiada.com.br/economia/2015/07/09/lava-jato-combater-a-corrupcao-mas-sem-arrebentar-com-a-nacao/

    Lava-Jato: combater a corrupção,
    mas sem arrebentar com a Nação

    Santayana: ao tremendo prejuízo econômico gerado pela Lava-Jato, terá de ser somado incalculável prejuízo estratégico para a defesa do país.

     

  4. Essa “iedeologia” do lixo,

    Essa “iedeologia” do lixo, trazida do berço pré-conceituoso, é que embasa a pena com o aprisionamento, castigo necessário ao arrependimento do criminoso. Ora, ora e ora, a prisão, em si, nada acrescenta de bom e útil à vida do condenado. Ao contrário, no mínimo, faz nele crescer a indignação através do sentimento de vingança. Se é olho por olho, também é dente por olho, olho por dente e assim para sempre. A prisão, pois, não ressocializa e nem torna o condenado pessoa melhor: refina suas deficiências. Todo o crime, que não passional, deriva de simples questão: custo/benefício. O resto, apenas suposições neo-facistas.

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