O Globo
‘A decisão que sair daqui à noite vai repercutir no mundo todo’, ressalta promotor sobre Carandiru
MP defende que réus sejam julgados coletivamente. Sentença do primeiro processo deve sair ainda hoje
LEONARDO GUANDELINE
SÃO PAULO — O promotor de Justiça Fernando Pereira da Silva defendeu neste sábado que a ação do grupo de policiais réus no processo do Massacre do Carandiru seja julgada coletivamente. Ele pediu aos jurados a absolvição de três dos 26 policiais militares acusados no processo que, segundo ele, não colaboraram para as mortes no segundo pavimento (primeiro andar) do pavilhão 9. O julgamento do massacre foi dividido em quatro processos de acordo com o local das mortes dentro do presídio. O promotor finalizou sua apresentação com a seguinte frase, dirigida aos jurados:
— A gente é jovem, tem que acreditar em mudar esse país. A decisão que sair daqui à noite vai repercutir no mundo todo.
O promotor, no início de sua exposição, disse que o massacre do Carandiru é “a causa mais complexa da Justiça brasileira” e salientou que “as penas de prisão” das vítimas “foram transformadas em penas de morte”.
— Segundo o Ministério Público, desde março de 1993, é uma ação (da tropa) de conduta coletiva. A defesa sempre tentou dizer que há necessidade de individualização da conduta, desde o início do processo — disse. — Todos dispararam. E cada qual teve ciência que contribuiu para a obra comum — ressaltou.
Silva disse que as provas orais (depoimentos de sobreviventes) ao longo do processo batem com os laudos periciais (mesmo prejudicados, segundo ele) e o depoimento de quatro dos réus que, além do inquérito, também foram ouvidos no júri.
Sobre a possibilidade do exame de confronto balístico, pedido pela defesa quando da ocasião da marcação da primeira data deste julgamento para janeiro, o promotor disse que o Instituto de Criminalística (IC) atestou a impossibilidade de fazer o exame nas armas dos PMs. Os revólveres apreendidos e utilizados pelos policiais estavam, a maioria, com o cano oxidado. Já as metralhadoras, apenas algumas apresentava essas condições. Além disso, o IC informou aos envolvidos neste julgamento sobre o desaparecimento de todas as cápsulas retiradas dos corpos dos cadáveres.
— Uma apuração rigorosa (sobre o desaparecimento dos projéteis) deve ser feita. Um mês antes do primeiro julgamento isso foi atestado — disse o promotor.
Em seguida, o promotor utilizou de laudos do Instituto Médico Legal (IML) da ocasião para mostrar que 84,6% das 13 vítimas do segundo pavimento, que está sendo julgado nesse processo, foram atingidos por disparos na cabeça e no pescoço. Já sobre os 23 policiais militares que teriam se ferido em confronto com presos em todo o pavilhão 9, segundo Fernando Pereira da Silva, a maioria teve escoriações, quedas acidentais e podem ter sido vítimas de ricochetes.
— Isso é balela (que os 23 policiais foram feridos no confronto com presos do pavilhão 9) — concluiu o promotor.
No total, o processo registra 15 mortes. Além das 13 por arma de fogo, uma foi causada por golpes de arma, e outra que constava no processo como morta no segundo pavimento, na verdade, foi encontrada na gaiola do pavimento superior, o terceiro.
Finalizando, Fernando Pereira da Silva ressaltou que, das 13 armas supostamente apreendidas com os presos, sete tiveram os locais de apreensão identificados, e apenas duas delas foram rastreadas — uma havia sido apreendida pela PM e outra tinha sido vendida pelo fabricante ao Exército brasileiro em 1964. Segundo ele, as outras seis armas apareceram “misteriosamente” e foram supostamente guardadas pelo capitão Cleudir Fioravante. Ele ressaltou que, pelos depoimentos no processo, apenas a Rota apreendeu armas com presos. Os comandantes dos dois batalhões de choque, do Comando de Operações Especiais (COE) e do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) disseram que não apreenderam armas com os presos.
O promotor citou ainda depoimentos do coronel Ubiratan Guimarães e do comandante do COE, Arivaldo Salgado, que disseram que todos os 102 presos mortos por disparos de armas de fogo foram vítimas da PM.
— Como tinham certeza que um detento não matou o outro com arma de fogo, já que foram apreendidas 13 armas? — questionou o promotor.
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