Depoimentos de ministros recaem contra Bolsonaro, mas “interferência” fica em segundo plano

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Ministros deixam claro que Bolsonaro "interferiu" em pastas e queria "proteger familiares e amigos". Mas nada disso gerou preocupação em ministros do STF

Jornal GGN – Os depoimentos do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, causaram dobro impacto na investigação contra o presidente Jair Bolsonaro. Primeiro, por admitirem que o mandatário queria – ainda que vestida de uma suposta intenção positiva – “interferir” nos Ministérios, pressionando por atuações que o interessam. Segundo, que o presidente queria claramente “proteger seus familiares e amigos”.

Estas aspas são parte, inclusive, da transcrição das falas do general Augusto Heleno sobre a reunião ministerial do dia 22 de abril. O vídeo desta reunião foi entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) e no depoimento prestado pelos ministros nesta terça (12), os investigadores questionaram o general sobre o que o mandatário teria dito, naquele encontro de abril, sobre proteger seus familiares.

Não foi o ministro-chefe do GSI quem delatou Bolsonaro. Mas os próprios investigadores assim anteciparam sobre o que o vídeo mostrou da reunião que pode incriminar Bolsonaro:

“Perguntado [o general Heleno] sobre uma fala do presidente no vídeo da reunião do dia 22 de abril de 2020, exibido nesta data por ordem do STF, que, no entender da PGR se refere ao superintendente do Rio de Janeiro, em que o presidente fala em proteger seus familiares e amigos, e perguntado quem são esses familiares e amigos, o depoente respondeu que precisaria assistir ao vídeo para poder responder.”

Ou seja, Heleno não respondeu à pergunta dos policiais e procuradores nesta terça, mas os mesmos foram quem expuseram na transcrição do depoimento.

Entretanto, o fato de Jair Bolsonaro querer “proteger seus familiares e amigos” ficou em um supressivo segundo plano do noticiário sobre os depoimentos dos ministros. Isso porque a intenção do mandatário de querer misturar interesses pessoais na atuação de Ministérios e da Polícia Federal já não causaria novidade, nem mesmo ao próprio Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi o que mostrou Monica Bergamo, em sua coluna desta quarta, ao mencionar que os ministros enxergavam com cautela as versões contra Bolsonaro, já que as falas do presidente naquele dia poderiam ter “várias interpretações”. E a “mais generosa” delas, segundo a visão destes ministros do STF ouvidos pela coluna da Folha, “é a de que Bolsonaro estava preocupado com a segurança da família” ou que “apenas queria blindar os filhos”.

A preocupação destes ministros, continua a coluna, seria as acusações de Bolsonaro ou de integrantes do governo, naquela reunião, pela queda ou prisão de membros do Supremo, que teria sido defendida pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, ou a prisão de governadores e prefeitos, defendida por Damares.

Já a interferência de Bolsonaro nos Ministérios ou na PF para proteger familiares ou amigos ficaria em segundo plano nas percepções destes ministros. E é nesse sentido também que o depoimento do ministro Luiz Eduardo Ramos, sem querer incriminar seu superior, o presidente, expôs.

Ele admitiu que Bolsonaro atuou com “interferência” nos Ministérios, pressionando para que as pastas atendessem a seus pedidos. “Por ocasião da reunião do Conselho de Ministros, ao tratar da possibilidade de interferência nos ministérios, o presidente Jair Bolsonaro não excepcionou nenhum ministério dessa possibilidade, tampouco indicou exatamente a qual ministério se referia”, disse Ramos.

E sobre a interferência na Polícia Federal, o ministro adotou a versão já sustentada por Bolsonaro, de que o objetivo era assegurar sua “segurança pessoal”. Entretanto, como bem anotou Rubens Valente, em sua coluna para o Uol, a segurança de um presidente é competência do Gabinete de Segurança Institucional, e não da PF.

Ramos disse, ainda, aos investigadores que queria “melhorar a qualidade” dos relatórios de inteligência de órgãos como a PF, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), as Forças Armadas, entre outras. E que a pressão sobre a Polícia Federal, então, seria nesse sentido, “reclamando da escassez de informações de inteligência que lhe eram repassadas para subsidiar suas decisões”.

O vídeo desta reunião já integra o inquérito do STF contra Jair Bolsonaro, com base nas acusações de Sérgio Moro, mas ainda está sob sigilo.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. Até quando as Forças Armadas irá resistir às criticas, ao achincalhe e aos deboches da população, em razão da defesa descabida e insultante que fazem ao presidente e a desastrada equipe governamental? Será que ainda não perceberam que os graduados ministros militares de Jair Bolsonaro são considerados como os representantes oficiais da FA no atual governo? Será que não entendem que tudo que eles fazem, falem e provocam é creditado como a posição oficial da FA? Já não bastam as incompetentes trapalhadas que a FA provocou, através do exército, quando se intrometeu a fazer o papel de polícia e o que conseguiu foi mais uma mancha negra em sua história? Até quando continuarão pagando o alto custo da perda credibilidade e do respeito, que ainda desfruta, ao insistirem na também fracassada aventura política, na qual já deram mostras suficientes da sua imensa incompetência e incompatibilidade? Será que ainda não se tocaram que Luiz Eduardo Ramos, Braga Neto, Augusto Heleno, e outros já deu, passaram do ponto e não colam mais?

  2. Estariam os militares já mouranizando? Eles correm até o risco de quanto mais tempo deixam correr, Bolsonaro se desfazendo de seu ministério civil, vai jogando as crises no colo deles.
    Parece que o gal. Heleno não engoliu a desfaçatez de Bolsonaro depois que ele até bateu em mesa para defender o paraquedista e este ajudou a transmitir o coronavírus entre eles, sem a menor cerimônia, como parte da estratégia deixa infectar.

  3. Tanto faz as Forças Armadas, o Judiciário, o Legislativo, a imprensa, a falta de decoro do presidente e até os crimes dele, de seus amigos e familiares: o importante é manter os ricos ganhando, os pobres perdendo e acima de tudo submeter nosso país ao dólar dos EUA – perdendo, portanto, para que o estrangeiro ganhe -, e isso a turma que está no poder está fazendo direitinho. A turma de Moro discorda e aposta que faria melhor: manteria tudo isso só que sem escancarar. Algo como Dória está fazendo.

    Enquanto o capital privado “der as cartas” no que é público – e as Forças Armadas são públicas -, pensar em prosperidade, soberania, independência, em estado e não, afinal, é bobagem.

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