Em nota, ex-Procuradores defendem a proteção das mensagens vazadas ao Intercept

"É inaceitável que, em vez de lavar as próprias impurezas, ainda haja quem se empenhe na tentativa de esconder o que já é público"

Jornal GGN – Publicar mensagens que foram obtidas de maneira ilegal não obstrui o direito de publicação do jornalismo, defendem o ex-Procurador Geral da República, Claudio Lemos Fonteles, os ex-Procuradores Federais dos Direitos do Cidadão, Álvaro Augusto Ribeiro Costa e Ela Wiecko e o ex-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Wagner Gonçalves.

Os quatro assinam uma manifestação conjunta onde reafirmam trechos de nota pública da PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) sobre a liberdade de imprensa, divulgada recentemente com a repercussão das matérias do The Intercept Brasil, produzidas à partir de mensagens vazadas do ex-juiz Sergio Moro com procuradores da Lava Jato.

Desde que as reportagens começaram a ser divulgadas, em 9 de junho, o hoje ministro da Justiça e procuradores da força-tarefa Lava Jato tentam desmerecer o portal de notícias alegando que as mensagens foram obtidas de forma ilegal.

Na terça-feira (23), a Polícia Federal cumpriu mandados de prisão de 4 homens, apontados como os supostos hackers que teriam invadido os celulares de autoridades e repassado as informações para o jornalista Glenn Greenwald, diretor do Intercept. No dia seguinte, o ministro Moro indicou que todo o material será destruído.

Moro é um dos principais implicados nas mensagens vazadas. As conversas apontam que, além de não atuar de forma imparcial como juiz, ele ajudou a parte acusatória nas ações da Lava Jato a produzir provas contra os réus, deu opinião sobre como deveriam fazer os acordos de delação premiada e, ainda, adiantou decisões.

Nesta quinta-feira (25), dois dias após a prisão dos supostos hackers, Moro assinou uma portaria que regula a deportação de estrangeiros considerados “perigosos” ou “suspeitos” de praticar atos que contrariem a Constituição da República. Greenwald é norte-americano, mas vive no Rio de Janeiro desde 2005, onde constituiu família.

“Eventual responsabilidade pela invasão indevida de privacidade deve ser investigada de modo autônomo e, se comprovada, sancionada, sem, contudo, interferir na liberdade de publicação dos conteúdos”, diz trecho da nota da PFDC mencionada por Fonteles, Ribeiro Costa, Wiecko e Gonçalves.

“A manifestação da PFDC reafirma com propriedade e firmeza o que está escrito na Constituição Federal, na Lei Orgânica do Ministério Público Federal, no Código Penal e no Código de Processo Penal. Aliás, este deve ser o clamor da cidadania, a fonte primeira, permanente e última dos poderes públicos, justificadora da resistência democrática e da defesa da República”, completam os procuradores.

Eles alertam que a defesa do Estado Democrático de Direito “não pode ser retórica”. “Ao contrário, tem de ser ação concreta e efetiva a cada dia daqueles que não se submetem a pressões indevidas ou não sucumbem por tibieza ou covardia.”

“É inaceitável que, em vez de lavar as próprias impurezas, ainda haja quem se empenhe na tentativa de esconder o que já é público, assim comprometendo o próprio decoro e o da instituição, bem como sua  memória histórica”, completam.

Leia a seguir a nota na íntegra.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC (MPF) em nota pública lembrou:

“O combate à corrupção deve se dar com “respeito ao devido processo legal e à liberdade de imprensa”.

A prevenção e o combate intransigente à corrupção são legítimos quando se articulam com o respeito ao direito dos investigados e acusados de responderem a um processo justo, bem como com a liberdade de manifestação jornalística e de garantia do direito coletivo de receber e buscar informação.

A ilegalidade na obtenção das mensagens também não obstrui o direito de publicação. Eventual responsabilidade pela invasão indevida de privacidade deve ser investigada de modo autônomo e, se comprovada, sancionada, sem, contudo, interferir na liberdade de publicação dos conteúdos.”

A manifestação da PFDC reafirma com propriedade e firmeza o que está escrito na Constituição Federal, na Lei Orgânica do Ministério Público Federal, no Código Penal e no Código de Processo Penal.

Aliás, este deve ser o clamor da cidadania, a fonte primeira, permanente e última dos poderes públicos, justificadora da resistência democrática e da defesa da República.

Quando a complacência parece tornar-se regra, especialmente no seio das instituições constitucionalmente incumbidas da defesa da Lei Maior e da credibilidade delas mesmas, impõe-se proclamar que nem todos se omitem ou se calam.

A afirmação do Estado Democrático de Direito não pode ser simplesmente retórica em discursos e solenidades forenses.

Ao contrário, tem de ser ação concreta e efetiva a cada dia daqueles que não se submetem a pressões indevidas ou não sucumbem por tibieza ou covardia; daqueles que não cometem ilícitos ou não são coniventes para satisfação de interesses e/ou sentimentos pessoais e corporativos. Suas atitudes disseram, dizem e dirão.

Antes que se cumpram as provocações e ameaças contra o que ainda resta de respeitável nas instituições públicas, é indispensável que elas mesmas identifiquem e combatam as ilicitudes no âmbito de suas irrenunciáveis competências.

É inaceitável que, em vez de lavar as próprias impurezas, ainda haja quem se empenhe na tentativa de esconder o que já é público, assim comprometendo o próprio decoro e o da instituição, bem como sua  memória histórica.

Nós, abaixo-assinados – o primeiro, ex-Procurador Geral da República, e os demais, ex-Procuradores Federais dos Direitos do Cidadão e ex-Presidentes da Associação Nacional dos Procuradores da República -, e sobretudo como cidadãos, igualmente repetimos: não pode haver tergiversação quanto a princípios fundamentais.

Assinam:

Claudio Lemos Fonteles
Álvaro Augusto Ribeiro Costa
Ela Wiecko Volkmer de Castilho
Wagner Gonçalves

 

Redação

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