Fernando Morais diz que não escreverá mais biografias

Sugerido por Cláudio José

Do Uol

“Não vou mais escrever biografias”, afirma Fernando Morais durante festival

Carlos Minuano

Às margens da praia de Iracema, em Fortaleza, o Festival Internacional de Biografias, começou na tarde desta quinta (14). Apesar do sol e do cenário exuberante, pairou um ar de pessimismo quanto ao futuro desse segmento no Brasil. “Não vou mais escrever biografias”, anunciou à imprensa o escritor Fernando Morais. Segundo ele, figuras notórias da cultura brasileira estão se transformando em censores. “Querem impor censura previa”, diz.

O autor de “Chatô” e “Olga”, entre outros, que está concluindo um livro sobre o ex-presidente Lula, disse para quem quisesse ouvir que vai mesmo pendurar a chuteira em relação às biografias. “Só quem já passou pela censura sabe o que é ter texto lido antes de seu público, por uma pessoa com poderes de mudá-lo ou proibi-lo”.

“Prefiro vender caju na praça Buenos Aires”, lamenta. “Apesar do Djavan falar que estamos nadando em dinheiro, e ter escrito que estamos acumulando fortunas, não tenho onde cair morto, se parar de escrever três meses, falta dinheiro para o supermercado”.

O autor abriu o evento com um bate-papo mediado pelo escritor Paulo Cesar de Araujo, autor da biografia proibida de Roberto Carlos. Fernando Morais lembrou os principais nomes que influenciaram sua carreira, como Tom Wolfe, Truman Capote, Gabriel Garcia Marques, com ênfase para Gay Talese, um dos principais ícones do gênero conhecido como “novo jornalismo”. “Ele transformou uma não entrevista com Sinatra, o Roberto Carlos americano, em um texto primoroso”.

Entre os escritores brasileiros, Morais destacou Euclides de Cunha e ofereceu uma dica para mergulhar na obra do autor com mais facilidade. “As primeiras cinquenta páginas em geral são de uma chatice sem paralelo, o truque é pular a primeira parte e entrar direto no livro em si. ‘Sertões’ é uma grande reportagem escrita para o jornal O Estado de S. Paulo”.

Biografado bom é biografado morto
O autor falou também de como nasceram algumas de suas obras, como a bem sucedida biografia “Olga” (Companhia das Letras), que conta a história da comunista alemã que se envolveu no Brasil com Luiz Carlos Prestes. “Olga era um fantasma que me perseguia há tempos, desde a época em que não sabia nada sobre o universo da personagem”. A ideia segundo ele surgiu no momento em que matutava sobre a possibilidade de viver escrevendo livros. “Comecei a buscar temas que pudessem receber tratamento estético literário”.

“Gosto de personagens intensos, saborosos”, diz Morais. Foi essa atração que o levou a escrever “Chatô, o Rei do Brasil” (Companhia das Letras), sobre o influente mecenas e empresário da mídia, Assis Chateubriand, que fundou o Masp em 1947. “Algumas obras que estão no Masp, e que não há dinheiro que pague, foram adquiridos pelos métodos mais condenáveis”, conta. “Era um gângster”.

A biografia “O Mago” (Editora Planeta), de Paulo Coelho foi uma forma de escapar da proposta da editora para que biografasse a Xuxa. “Não era exatamente o que eu gostaria de fazer com ela”, brinca Morais. Mas o mago das vendas, que aceitou a proposta de não ler os originais, não gostou do resultado. “Paulo Coelho disse que não se lembrava da pessoa trágica que tinha sido”, contou.

“Biografado bom é biografado morto”, afirma Fernando Morais. “Além do personagem não encher mais o saco, é uma historia acabada”. Ele ressalta que também é preciso distinguir o que é privacidade. “Intimidade é o que acontece em casa às portas fechadas, se a Paula [Lavigne] pega o carro e joga na casa do Caetano porque estavam se separando, isso é público”.

Morais também explicou a troca de editora. Segundo ele, deixou a Planeta após a proibição da biografia escrita por Paulo Cesar de Araújo, sobre o Roberto Carlos. “Eles se comportaram de maneira calhorda, jogaram o livro do Paulo para os crocodilos”.

Festival
Pensado há três anos como um evento para debater a produção de biografias no país, o Festival Internacional de Biografias, que vai desta quinta a domingo (17), em Fortaleza, não poderia ocorrer em momento mais propício. Há poucos dias, Roberto Carlos anunciou sua saída do grupo Procure Saber, que reúne artistas como Caetano Veloso, Djavan, Chico Buarque e Gilberto Gil, contrários às biografias não autorizadas.

Além disso, o evento é realizado às vésperas da audiência pública no STF (Supremo Tribunal Federal), que deve indicar qual será a decisão sobre a ação direta de inconstitucionalidade impetrada em 2012 pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros), que propõem mudanças nos artigos 20 e 21 do Código Civil, que permitem censura previa de biografias.

Na opinião do escritor Lucas Figueiredo, que acaba de escrever a biografia de Tiradentes (que será lançada pela Companhia das Letras), não há uma disputa entre artistas e biógrafos. “É o grupo Procure Saber contra a sociedade”, afirmou durante o debate. Para o biógrafo Paulo Cesar, o posicionamento de Roberto Carlos e de artistas, representa uma visão patrimonialista da história. “Isso não é de ninguém, é da sociedade”. Segundo ele, o que artistas e herdeiros podem preservar e proteger são as obras.

E qual seria o mundo ideal dentro do arcabouço jurídico? Para Morais, basta “fazer valer o que está escrito na Constituição brasileira”. Para tirar proveito objetivo do encontro, Fernando Morais propôs que os doze biógrafos presentes no evento escrevam um documento dirigido e encaminhado à ministra Carmem Lucia, relatora da ação no STF.

Após o debate, o público conferiu a exibição do filme “Outro Sertão”, sobre Guimarães Rosa. Vale destacar que a cinebiografia, de Adriana Jacobsen e Soraia Vilela, foi proibida pela família do escritor e não pode ser exibida no circuito comercial. Depois, a DJ Renatinha e a banda Transacionais e o País do Carnaval  embalaram a primeira noite do festival.

Redação

7 Comentários

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  1. (…)não tenho onde cair

    (…)não tenho onde cair morto, se parar de escrever três meses, falta dinheiro para o supermercado

    Está melhor do que muita gente. Muita gente que se deixar de trabalhar alguns dias dança.

    Quanto a não fazer mais biografias, demos tempo ao tempo. O autor está apenas se vitimizando, capitalizando-se de apoios via solidariedade dos leitores. É uma ótima tática de vender seu peixe: quando ele sair com seu próximo livro – biográfico, claro -, a manchete já estará pronta: O retorno de Fernando Morais. Certamente uma estratégia infinitamente melhor arquitetada do que a do “Procure saber”. Quer dizer… Claro que o autor não está dizendo nada disso de caso pensado. Ele disse isso apenas em meio a uns dois dedos de prosa…

    1.   Está melhor que muita gente

        Está melhor que muita gente mas não nadando em rios de dinheiro, como Djavan argumentou. E mesmo que estivesse, qual o problema? É pecado?

        Isso tudo é uma maravilha, meia dúzia de caboclos defendendo o privilégio “do Chico, do Caê”, quando se trata de coisa muito maior.

        Parabéns pra mim, que se quiser ler uma biografia de um Sarney ou de um Collor terei que correr antes que seja proibida ou contar com o beneplácito do biografado. Personagens históricos brasileiros, nessa toada, surgirão nas páginas de algum livro apenas após receber o infame “imprimatur” dos próprios ou de descendentes que nada fizeram.

       

      1. Não me referi NUNCA à sua

        Não me referi NUNCA à sua pessoa neste blog. Uma vez eu não tendo desrespeitado você em nenhum momento, seria justo esperar outro tipo de postura de sua parte. Infelizmente, educação é uma coisa que nem todos têm – e quem não tem se revela com todo estardalhaço via internet…

        E não é a primeira vez que você faz comentários PESSOAIS DESABONADORES por aqui. Comigo, pelo que me lembro, é a segunda vez. É só o que se vê você fazendo. 

        Medíocre ou não, é minha opinião sobre o assunto. Mas você só tem opinião sobre os comentaristas, ao que tudo indica. 

        Parabéns pela sua participação construtiva no blog.

         

         

  2. Tiro no pé (mas qual?)

    É lamentável o desejo de esconder algo que todos sabem perdida num acidente de trem há muito, joguem fora muito mais da sua imagem do que o fato consumado.

    Pior a prótese do que sua história.

    Oops, pior a emenda do que o soneto.

     

  3. É grande a chance de que

    É grande a chance de que Fernando Morais e outros possam continuar a escrever seus livros tranquilamente. Ainda bem. Livros na linha de Olga devem continuar a sair, pelo bem da boa informação e do entretenimento de qualidade.

    Existe uma ação de inconstitucionalidade no STF, ADI 4815, proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livros – ANEL, discutindo o tema, a qual recebeu parecer favorável da Procuradoria Geral da República, que a considera procedente – o que contraria os interesses vocalizados por personalidades como Chico Buarque, Caetano Veloso etc. 

    Analisando o que o STF vem dizendo ultimamente sobre liberdade de expressão, é extremamente pouco provável que os candidatos a biografados descontentes obtenham o que desejam. A tendência é que os escritores possam fazer seus relatos sobre os biografados. Caso exagerem, aí sim, o judiciário, provocado, poderá condená-los a pagar indenizações que os exageros peçam.

    Exemplo de pensamento do STF sobre temas que envolvam a censura prévia: 

    “Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. Dever de omissão que inclui a própria atividade legislativa, pois é vedado à lei dispor sobre o núcleo duro das atividades jornalísticas, assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu. Vale dizer: não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o poder estatal de que ela provenha. Isso porque a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. Tem conteúdo, e esse conteúdo é formado pelo rol de liberdades que se lê a partir da cabeça do art. 220 da CF: liberdade de ‘manifestação do pensamento’, liberdade de ‘criação’, liberdade de ‘expressão’, liberdade de ‘informação’. Liberdades constitutivas de verdadeiros bens de personalidade, porquanto correspondentes aos seguintes direitos que o art. 5º da nossa Constituição intitula de ‘Fundamentais’: ‘livre manifestação do pensamento’ (inciso IV); ‘livre (…) expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunica-ção’ (inciso IX); ‘acesso a informação’ (inciso XIV). (…) A crítica jornalística, em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura. Isso porque é da essência das atividades de imprensa operar como formadora de opinião pública, lócus do pensamento crítico e necessário contraponto à versão oficial das coisas, conforme decisão majoritária do STF na ADPF 130. Decisão a que se pode agregar a ideia de que a locução ‘humor jornalístico’ enlaça pensamento crítico, informação e criação artística. (…) Suspensão de eficácia do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/1997 e, por arrastamento, dos § 4º e § 5º do mesmo artigo, incluídos pela Lei 12.034/2009. Os dispositivos legais não se voltam, propriamente, para aquilo que o TSE vê como imperativo de imparcialidade das emissoras de rádio e televisão. Visa a coibir um estilo peculiar de fazer imprensa: aquele que se utiliza da trucagem, da montagem ou de outros recursos de áudio e vídeo como técnicas de expressão da crítica jornalística, em especial os programas humorísticos. Suspensão de eficácia da expressão ‘ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes’, contida no inciso III do art. 45 da Lei 9.504/1997. Apenas se estará diante de uma conduta vedada quando a crítica ou a matéria jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral. Hipótese a ser avaliada em cada caso concreto.” (ADI 4.451‑MC‑REF, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 2‑9‑2010, Plenário, DJE de 1º‑7‑2011.) Vide: ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30‑4‑2009, Plenário, DJE de 6‑11‑2009. 

    A tendência, ao que tudo indica, é que o STF não decida conforme a vontade dos candidatos a biografado. O que talvez explique um discurso mais brando da parte de um dos principais personagens da história, Roberto Carlos, justamente ele que desencadeou tudo ao conseguir tirar de circulação uma biografia sua não autorizada, da lavra do jornalista Paulo Cesar Araújo.

  4. O que comentei em meu blog ontem, 15:

    “Quando do advento do Código Civil, em 2002, a Constituição Federal vigorava havia 14 anos. Como explicar-se, então, a aprovação dos artigos 20 e 21 do CV, se colidiam com o previsto no artigo 5º da CF? Ou teriam seus propositores e comissões parlamentares demonstrado a sua pertinência? Se sim, quais os argumentos apresentados? O que mostram exposição de motivos, discursos e registros taquigráficos de debates sobre o assunto, antes e ao longo de 2002? Seria interessante expor tudo isso na audiência pública convocada pelo STF.”

    http://domacedo.blogspot.com.br/2013/11/fernando-morais-assim-nao-biografo-mais.html

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