Moro escolheu o réu e, com o MPF, buscou um motivo para condenar Lula, por Afrânio Jardim

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Afrânio Jardim

No Conjur

Sergio Moro, de forma inconstitucional, escolheu julgar o ex-presidente Lula

Lanço aqui um desafio para os leigos em Direito e para qualquer procurador da República sobre a alegada existência de conexão que prorrogue a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar crimes que teriam sido praticados em São Paulo, todos da competência da Justiça Estadual. Vamos lá:

Que hipótese de conexão do artigo 76 do Código de Processo Penal existe entre o crime de lavagem de dinheiro, praticado pelo doleiro Alberto Youssef, através do Posto Lava Jato, sito no Paraná, e os crimes atribuídos ao ex-presidente Lula, que teriam sido praticados em São Paulo?

Código de Processo Penal.

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

O juiz Sergio Moro não diz, não explica, não demonstra. Ele apenas assevera que os processos contra o ex-presidente Lula são da sua competência, porque conexos com aquele processo originário e outros mais. Meras afirmações, genéricas e abstratas.

A Constituição da República dispõe, expressamente, em seu artigo 5, inciso LIII, que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Trata-se pois de incompetência absoluta, que acarreta nulidade absoluta de todo o processo, na medida em que estamos diante de um direito fundamental tutelado pela Constituição Federal.

Ressalto que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que sejam todos já genuinamente competentes. A prevenção não é critério de modificação da competência!

Como uma incompetência tão flagrante e acintosa pode perdurar em um país sério?

Note-se que aqui sequer estamos pondo em questão a própria competência (ou incompetência) do juiz Sergio Moro para aqueles processos originários, que teriam “atraído” os demais crimes para a 13ª Vara Federal de Curitiba.

De qualquer forma, é importante notar, tendo em vista o artigo 109 da Constituição Federal, que:

a) A Petrobras é uma sociedade empresária de direito privado (economia mista);

b) A competência da Justiça Federal é prevista, taxativamente, na Constituição Federal, que leva em consideração o titular do bem jurídico violado pelo delito e não a qualidade do seu sujeito ativo. Aqui, o importante é o bem jurídico atingido pelo crime, e não a qualidade do autor do delito.

c) A prevenção não é fator de modificação ou prorrogação de competência, mas sim de fixação entre foros ou juízos igualmente competentes.

Relevante salientar ainda que, no processo penal, a conexão ou continência se dá entre infrações penais e não entre processos.

Ademais, importa ressaltar que a conexão pode modificar a competência de foro ou juízo, mas não a competência de justiça, prevista na própria Constituição Federal. O Código de Processo Penal não pode ampliar e nem derrogar a competência prevista na Lei Maior, salvo quando ela expressamente o admite, como nos crimes eleitorais, pois ela menciona expressamente os “crimes eleitorais e comuns conexos”.

Por derradeiro, a conexão pode modificar a competência, como acima dito, para que haja unidade de processo e julgamento, evitando dispersão da prova e sentença contraditórias. (“Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo: …”)

No caso em tela, que contradição poderia haver entre a sentença do caso originário do doleiro e a sentença relativa ao triplex do ex-presidente Lula? Fica aqui mais um desafio: apontem uma possível contradição entre as duas sentenças.

De qualquer sorte, se um dos processos já foi julgado, não haverá por que modificar a competência originária, pois não haverá mais possibilidade de um só processo e uma só sentença.

Neste caso, diz a lei que eventual unificação e soma de penas se fará no juízo das execuções penais. Vejam o que diz o artigo 82: “Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas)”.

Saliento, mais uma vez, que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que já sejam todos genuinamente competentes. Vale dizer, a prevenção não modifica a competência, mas “desempata” entre foros ou juízos igualmente competentes.

Assim, se um determinado órgão jurisdicional pratica uma medida cautelar sem competência para tal, ele não passa a ser competente para as infrações conexas. A sua incompetência originária não é sanada, mas sim ampliada.

A toda evidência, a regra do artigo 70 do Codigo de Processo Penal está sendo desconsiderada de forma absurda. Tal dispositivo legal é expresso ao dizer, de forma cogente, que a competência de foro é fixada pelo lugar em que se consumou a infração penal e, no caso de tentativa, pelo lugar em que foi praticado o último ato de execução.

Destarte, não havendo conexão entre infrações praticadas em foros distintos ou não havendo mais a possibilidade de um só processo e um só julgamento, não há justificativa para a modificação da competência do foro originário.

Desta forma, verifica-se que o ex-presidente Lula não está sendo julgado por um órgão jurisdicional competente. Na realidade, o juiz Sergio Moro escolheu o seu réu e, com o auxílio entusiasta do Ministério Público Federal, foi buscar um determinado contexto insólito para “pinçar” acusações contra o seu “queridinho réu”.

Vale dizer, a garantia do “juiz natural” foi totalmente postergada. Por isso, muito antes da sentença condenatória, todos sabiam que o ex-presidente Lula seria condenado por seu algoz!

Afrânio Silva Jardim é professor associado da Uerj (mestrado e doutorado), mestre e livre-docente em Direito Processual Penal pela mesma instituição. Também é procurador de Justiça aposentado.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. mas tem mais…

    o que também explica a concentração em Moro é a heurística………………………

    pouco importa a verdade real,

    pouco importa a falta de provas.

    quando o juiz trabalha apenas com as suas verdades criminais e além disso sob influência da mídia

    As delações de hoje, sem provas, substituíram os boatos

  2. Crime de Hermenêutica foi Argumento da Defesa

    Deu-se justamente no Rio Grande do Sul. Norma local agravou a condição da defesa no juri. O magistrado, vanguarda do controle difuso de constitucionalidade, negou aplicação à norma local, para garantia da mais ampla defesa e do devido processo legal. Considerado pelo executivo estadual como deliquente e faccioso, o juiz foi processado e condenado a um afastamento. Na defesa do espaço de interpretação do magistrado, para afastar aplicação de norma local que reduzia a amplitude da defesa do réu e sacrificava garantias e direitos individuais em contrariedade à Constituição, é que Rui Barbosa constrangeu a corte ad quem com o argumento fulminante: hipérbole do absurdo, crime de hermenêutica! O que temos visto é a distorção mais enganosa que enganada disto.

  3. Mais uma razão que se somam a

    Mais uma razão que se somam a muitas outras para os processos contra Lula serem TOTALMENTE ANULADOS. São ilegalidades em cima de ilegalidades que, somadas às arbitrariedades, cotejam a consciência jurídica do país. 

    Se efetivamente se consumar essa aberração, Lula tem o dever de renegá-la. Jamais poderia se resignar a passar pela suprema humilhação de ser preso e jogada numa cela como um reles criminoso. Pois é esse o desejo que move esse aparato policial-jurídico: retirá-lo da vida pública e enodoar seu nome para todo o sempre. 

    O boquirroto, mas corajoso, Ciro Gomes foi muito feliz ao sugerir que, caso se ultime esse processo de destruição do ex-presidente, este busque refúgio numa embaixada estrangeira como perseguido político. Que seja sequestrado, se se negar a isso. O destino de Lula é de interesse de milhões de brasileiros. 

     

  4. De fato, o que legítima a
    De fato, o que legítima a competência da JF para os crimes praticados em detrimento da Petrobrás? Conexão com lavagem de dinheiro, com crimes financeiros?
    Levar o ex-presidente ao foro federal de Curitiba importou muita forçação de barra. Ou se fundamenta genericamente ou simplesmente se tangencia o princípio do juiz natural, com a complacência de quem tem o dever de zelar pelo cumprimento da ordem jurídica.
    Vivemos um tempo de realismo fantástico no Sistema de Justiça nacional.

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