Os desafios do Conselho Nacional de Justiça

Do Valor Econômico

CNJ enfrenta o maior desafio de seus 7 anos de existência

Valor Econômico – 05/01/2012 

A concessão de duas liminares pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado colocou no limbo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão encarregado de exercer vigilância sobre o Judiciário. Em seu sétimo ano de vida, o CNJ enfrenta agora seu maior desafio. Em uma das liminares concedidas, o Conselho teve suspensa suas investigações nos tribunais de 22 Estados, inclusive São Paulo, de pagamentos irregulares de auxílio moradia a desembargadores. A segunda liminar, concedida em 19 de dezembro, fere mais a fundo as atribuições do órgão. Seu pressuposto é o de que o CNJ não pode tomar para si a iniciativa de investigar juízes antes de que as corregedorias dos tribunais em que atuam tenham feito isso.

A ira de uma parcela da magistratura foi catalisada pela declaração sanguínea da corregedora nacional do CNJ, Eliana Calmon, sobre a existência de “bandidos de toga”. A indignação moral das vozes que se levantaram contra a corregedora misturava o protesto aceitável contra exageros retóricos ao predominante tom corporativista. Embora esse não seja nem de longe o cerne da questão, as reações indicam que boa parte da elite que recebe os maiores salários da República e tem o poder de ministrar a Justiça no país quer para si também a prerrogativa de estar acima de qualquer suspeita. A atuação do Conselho quebrou saudavelmente essa autoilusão antidemocrática. Boa parte da gritaria, na verdade, tem menos a ver com princípios em si e mais com pecúnia e poder.

Um dos estopins da crise foram as investigações que atingiram o poderoso TJ paulista, onde trabalharam dois ministros do STF – seu atual presidente, Cezar Peluso, e Ricardo Lewandowski. O TJ paulista resistiu a apurar dois singelos fatos que, depois das liminares que paralisaram a ação do CNJ, estão sendo reconhecidos. Cerca de R$ 1 milhão foram pagos indevidamente a 118 juízes por dias extraordinários de trabalho que deveriam ter sido convertidos obrigatoriamente em folga. Transformaram-se, porém, em licença-prêmio remunerada (“Folha de S. Paulo”, 31 de dezembro). Em outro lance fora da lei, 22 magistrados incluíram para efeito de licença-prêmio remunerada (três meses a cada cinco anos de trabalho) o período em que labutavam como advogados. Após o recesso de janeiro, o TJ paulista julgará o caso (“Folha de S. Paulo”, 29 de dezembro).

Um terceiro caso diz bastante sobre os privilégios do Judiciário. Em 2000, o STF estendeu a todos os magistrados o auxílio-moradia a que deputados e senadores têm direito e concedeu a eles a mesma regalia, com o pagamento retroativo de valores referentes ao período de 1994 a 2000. Ainda que o benefício seja injusto, deputados e senadores trabalham em Brasília, distante de suas moradias, enquanto a medida genérica da Justiça beneficia pessoas que moram na mesma cidade onde trabalham. Para alguns magistrados a vantagem chega a R$ 1 milhão, que deveriam ser pagos em parcelas. O CNJ hoje investiga pagamento integral a juízes favorecidos que teriam recebido o dinheiro antes de seus colegas por algum atalho.

Assim, questões materiais prosaicas são a motivação básica da atual revolta contra o CNJ. As críticas ao órgão, algumas delas pertinentes, se concentraram em seus métodos e atribuições. Ele teria passado por cima das corregedorias estaduais. É um fato, entretanto, que elas frequentemente nada investigam, ou fazem investigações que se estendem indefinidamente. Um dos méritos do CNJ, e uma das razões de sua existência, foi o de quebrar um círculo de interesses comuns gerados pelo compadrio corporativo, que é uma fonte segura de impunidade e iniquidades.

A julgar pelo tom da revolta, poderia-se imaginar que o CNJ está levando milhares de juízes para perto do cadafalso. Na verdade, o CNJ puniu em sete anos 49 magistrados, 38 em investigações por iniciativa própria (“O Globo”, 29 de dezembro). Destes, 24 foram obrigados a se aposentar e se dedicarão ao ócio com salários integrais e uma das mais altas remunerações da República.

Uma das questões de princípio em jogo foi vocalizada pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF, para quem a atuação do CNJ é subsidiária à das corregedorias, e não concorrente. Isso significa que, se o STF decidir de acordo com o ministro, o CNJ ficará eternamente a depender de um sistema inoperante, quando sua razão de ser é justamente para corrigi-lo.

Luis Nassif

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