Políticas públicas e o experimentalismo judicial, por Oscar Vilhena

Oscar Vilhena Vieira, para a Folha de S.Paulo

Devem os juízes interferir na condução de políticas públicas levadas a cabo pelo Poder Executivo? Se a resposta for positiva, qual a melhor forma de fazê-lo? Em dezembro de 2013 a Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, numa decisão retumbante, determinou que o município de São Paulo deveria criar, até 2016, nada menos que 150 mil novas vagas em creches e em pré-escolas, para crianças de zero a cinco anos de idade. Reformou, assim, decisão de primeira instância que acolhia o argumento da prefeitura de que o Judiciário deveria ficar calado quando o tema forem as políticas públicas.

 
A principal inovação desse caso não está, no entanto, na decisão do tribunal interferir na política pública ou mesmo na contundência da “obrigação de fazer” imposta ao Executivo. Original foi a forma como esse litígio, liderado pela Ação Educativa, foi conduzido. Especialmente a maneira pela qual o tribunal determinou que sua decisão deverá ser implementada.
 
Ao receberem o recurso, ao invés de emitirem uma sentença pretensamente “satisfativa”, pondo “fim” ao processo, sem necessariamente resolver o problema, os desembargadores decidiram convocar uma audiência pública, com participação de autoridades, especialistas e representantes da sociedade civil. Buscou-se ainda uma conciliação entre as partes. Como isso não foi alcançado, decidiu-se que a prefeitura, ao não assegurar vagas suficientes para todas as crianças em idade pré-escolar do município, estava afrontando a Constituição Federal. E se o Executivo não cumpre a sua obrigação na proteção ou promoção de um direito fundamental, cabe ao “Poder Judiciário, quando provocado, agir para resguardá-lo”. O princípio da separação de Poderes não pode servir de escudo para que o administrador deixe de realizar suas obrigações, “desrespeitando direitos”.
 
O dilema em casos como esse, no entanto, é como impor uma obrigação complexa ao Executivo, sem substituí-lo na própria formulação e implementação da solução? Afinal, não só foi o prefeito eleito para fazer essas escolhas políticas e financeiras, como é a prefeitura que dispõe do corpo técnico para implementá-las.
 
A solução não poderia ser mais criativa. Determinou o tribunal que a própria prefeitura elaborasse um plano, com prazo determinado que acaba de expirar, para a criação das 150 mil vagas, deixando claro que a expansão da rede deverá atender aos diversos parâmetros de qualidade no ensino estabelecidos pela legislação e pelos Conselhos Nacional e Municipal de Educação. Mais do que isso, determinaram os desembargadores que a Coordenadoria da Infância do tribunal ficaria incumbida de monitorar a implementação do plano, em articulação com a sociedade civil, o Ministério Público, a Defensoria etc., “seja no tocante à criação das novas vagas, seja no referente ao oferecimento de educação de qualidade”. A primeira reunião desse comitê ocorreu na semana que passou.
 
O Tribunal de Justiça de São Paulo parece ter criado, com essa decisão, de natureza gerencial e experimental, uma forma inovadora e mais efetiva para lidar com os desafios cada vez mais complexos na implementação de direitos sociais. O sucesso desse caso poderá determinar um novo padrão de atuação do Poder Judiciário no controle das políticas públicas no Brasil.
Redação

12 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Ridículo esse judiciário prá lá de tosco

    O TJ que vai elaborar o Orçamento da prefeitura?????? Só falta isso, o aparato midiático-penal que tem cometido um monumental erro judicial(leia-se AP 470) agora quer governar

  2. Flagrantemente ABSURDA essa

    Flagrantemente ABSURDA essa interferência do Poder Judiciário do estado de São Paulo. Não precisa ser jurista para dar esse vaticínio. 

    É peciso dar um basta nesses abusos. Por mais importantes que sejam as causas e supostamente benéficos seus efeitos a arquitetura institucional do país não pode ser alterada ou desvirtuada. Ir contra isso é fazer de letra morta as constituições do estado e da própria nação.

    Fosse eu o prefeito iria lá na sede do Tribunal e entregaria simbolicamente as chaves da prefeitura, Sem prejuízo da obrigatória recorrência ao Supremo Tribunal Federal. 

  3. O poder judiciário não deve

    O poder judiciário não deve interferir nas atribuições dos outros poderes.

    O sociedade optou que seus representantes diretos na condição de formulação de políticas sejam o legislativo e executivo.

    Sim,  a última Constituinte delegou a possibilidade do Judiciário interferir nestes poderes para responder à demandas não atendidas pelos mesmos. Então que se cumpra este dispositivo de qualquer forma que não seja o ato de legislar.

  4. Tudo depende de quem esteja

    Tudo depende de quem esteja no governo.

    Alguém se lembra de discussões “amplas, gerais e irrestritas” para a execução do Plano Diretor da cidade, particularmente o Projeto Nova Luz?

    Questionamentos sobre aumentos de passagens acima do índice de inflação nos vários que ocorreram em mandatos anteriores?

    Proibição da justiça para a implantação de corredores de ônibus? 

  5. Agora imaginem o Judiciário
    Agora imaginem o Judiciário pressionando de um lado, podendo punir o prefeito por não observância do prazo acordado, e o Tribunal de Contas de outro, bloqueando a realização de uma licitação, também com poder para punir o chefe do Executivo.

    Judiciário e TC apenas mandando e sem ter que responder a outra instância, e prefeito entrando apenas com o CPF “na reta”.

    No limite, eleger prefeito para quê? É só deixar o TJ e o TC mandando, e os servidores da prefeitura para executar as ordens. Que aliás serão os agentes responsabilizados caso algo dê errado…

  6. Na decisão que negou a

    Na decisão que negou a reforma tributária proposta pelo prefeito Haddad, o Imperator Joaquim Barbosa determinou que, antes de reformar os tributos, o Executivo deveria fazer cortes orçamentários, medida defendida pela concepção neoliberal do orçamento público. O que a decisão absurda e intromissiva de Barbosa significou foi o retorno das políticas neoliberais, contundentemente rejeitas pelo processo democrático, retornando sorrateiramente por decisões monocráticas de quem não recebeu um único voto.

    A intromissão do Judiciário em questões de competência de poderes eleitos representa a consolidação do autoritarismo.

  7. Fascismo togado.

    A violação de um direito, ainda que de natureza coletiva ou difusa, não pode ser satisfeito com a violação de estamento constitucional, por um motivo simples:

    Sistematicamente, o estaamento constitucional, nesse caso a separação dos poderes (uma noção basilar do nosso sistema) contém os direitos e garantias, e nunca o contrário.

    Na ausência de recursos para a implentação de TODOS os direitos constitucionais pelos governos, é justamente o poder político ELEITO que definirá POLITICAMENTE o que vai ser prioridade, NUNCA um juiz, salvo nos casos específicos (CONCRETOS) e que garantam a pretensão dentro dos limites previstos nas normas.

    Ao determinar que um prefeito amplie a oferta de vagas, sem que haja um, ou vários, destinatários em concreto, ou melhor, que haja um ato executivo que tenha ameaçado estes direitos, o juiz está a se portar como um substituto do poder originário, papel que não cabe ao Judiciário.

    Por mais nobres que sejam as causas, é bom que se diga que o inferno está cheio de boas intenções.

    Não há atalhos para o aperfeiçoamento da Democracia.

  8. inovadores, não?

    O TJ-SP está cada vez mais criativo e inovador.

    É a mesma criatividade e inovação que os desembargadores demonstraram quando reverteram a condenação na primeira instancia do réu Coronel Ubiratan, responsável pelo massacre do Carandiru, inocentando-lhe.

    Agora o TJ-SP entra de cabeça na militância anti-PT. Querem ser a ponta de lança dos sem-voto, disputando a vaga com o STF pelos holofotes da imprensa conservadora.

    O jogo político-institucional está virando uma guerra total. O judiciário reacionário quer dragar a disputa política democrática a um impasse. E o PT ainda segue receoso de ser acusado de “politizar o judiciário” ou “judicializar a política”.

  9. A velha e carcomida imprensa brasileira prega isso.

    Caso essa loucura vingue e se generalize, num único mandato de qualquer executivo o Judiciário terá comprometido verbas que inviabilizariam o gerenciamento do executivo por décadas.

    O sujeito não pode querer se julgar apto a decidir o que o executivo deve ou não fazer. Isso pertence à política. Priorizar em cima de recursos escassos pertence à política.

    Daqui a pouco o Judiciário estará governando sem mandato, mas apenas com mandado. E para dar ares de democracia à decisão o “Judiciário” convoca meia dúzia de quatro ou cinco para opinar e ajudar na decisão. Bela e ardilosa substituição do povo.

    Mas não nos surpreendamos, tem gente pregando isso há tempos. Ou seja, substituir o eleito (pela vontade popular) pelo juiz amigo.

    Fica mais fácil o controle. Imagine onze ministros ávidos por holofotes com poderes desse tamanho?

    A gente já sabe no que pode dá.  

     

  10. Essa novidade de audiência

    Essa novidade de audiência pública para decidir questões já estava lá no STJ ou STF. No episódio “Roberto Carlos e sua biografia”, parece que chamaram o Rei, o biógrafo, e colheram os elementos para decidir e criar uma série de regras, com aparência de tribunal democrático e que ouve a todos. Dependendo da extensão da criação de regras, foge-se do “judicar” para o “legislar”, como provavelmente ocorreu no caso Raposa do Sol.

    Mas nesta audiência pública esqueceram de chamar o público, o consumidor, o estudante, o historiador, o vendedor de livros, o curioso, e até o leitor de pequenos trechos em livrarias. Enfim, todos aqueles demais elementos de uma democracia que são representados no Parlamento através de eleições plurais, onde até o ignorante pode decidir em igualdade de condições com os gênios da nação.

    Ficou com cheiro de construção de ferramente para a oligarquia preservar seu poder de decisão. Um juiz nunca vai chamar um operário a uma audiência pública para se manifestar sobre os rumos da nação. No Brasil, houve um caso em que o povo chamou, e até que deu bastante certo.

    Os tribunais já tem uma ferramenta grave para obrigar o estado a cumprir decisões, que é a intervenção. De tão grave, ninguém usa. Com essas assembléias, estamos criando outra ferramenta com base em jurisprudência, e sem uma firme base legal, que deveria sair do Legislativo se conjunção de forças da sociedade representadas lá chegasse a esse acordo. O Judiciário anda com pouca noção de limite, e para essa conclusão basta ver os últimos presidentes do STF.

    Além de que essas audiências públicas têm apenas uma cara de democracia. Mas só reunem uma suposta elite – que sequer é a elite cultural, pois nunca vi um grande pensador ser convidado a informar – mas sim a elite econômica-financeira, que é o grupo que conseguiu controlar esse comércio e tranformá-lo em dinheiro, o que inclui gente boa em cartelizar e praticar crimes financeiros. Em longo prazo, com os tribunais livres para ir além do alcance da letra da lei, a tendência é haver tantas fontes de direito, que ninguém vai saber qual regra respeitar.

    Estamos adotando aqui, de um modo muito malfeito, o formato do júri e da “common law” americana, mas sem importar a regra fundamental de que o tribunal tem que se reportar e se vincular com forte base argumentativa a um caso anterior, que deu a norma que seja aplicada. Isto que dá força ao espiríto conservativo da Lei, e que mantém a unidade social. Ou ao menos que o júri seja a vontade soberana do povo, filtrado pela aleatoriedade, permitindo a aplicação de uma decisão que a maioria tomaria.

    Aqui, na nossa “civil law”, o juiz se lança a filosofar sobre o sentido da lei escrita nos grandes códigos, que foram dados pelo Legislativo, em sistema coerente e bastante diferente do que se pratica lá para cima do México. A nossa coerência está no fato de que o Legislativo já captou esse elemento aleatório nas eleições, e portanto não precisamos de um júri para garantir que tanto o operário quanto o empresários estejam representados no texto de Lei.

    O risco que se corre com essa idéia de assembléia não-popular é, quando o código não dá a regra desejada para a decisão porque o Legislativo não quis avançar, convoca-se uma assembléia, quase um soviete da direita esclarecida, e decide-se algo que a lei não previa. Provavelmente contra os interesses do povo, que é tudo que se tenta evitar desde 1988, e com mais capacidade de ação a partir de 2001.

  11. Se restou alguma dúvida de
    Se restou alguma dúvida de qual seria o posicionamento do atual STF diante da tendência, sugiro q leiam as reportagens do Valor, de 6 e 7/05, a respeito do encontro do Grupo de Veneza, ocorrido em MG.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador