SEC identifica fraudes grosseiras no fundo de pensão dos Correios

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Sócios da Atlântica Asset Managment fraudaram de maneira grosseira os papéis de instituições financeira da Postalis, fundo de pensão dos Correios. O Globo teve acesso ao relatório da SEC (Securities and Exchange Comission) sobre o caso que movimentou cerca de R$ 68 milhões. A fraude foi feita com corretor líquido de papel e na base do copia e cola. A Justiça brasileira afirmou que não tinha condições de detectar o esquema em andamento, visto que a ditetoria da Atlântica conhecia os meios de burlar os sistemas de fiscalização.

Em fraude milionária, gestora do Postalis altera preço de títulos com tinta corretora

Por Gabriela Valente

Uma das maiores fraudes de fundos de pensão no país foi montada até com a falsificação de documentos de forma grosseira. Relatórios da Securities and Exchange Comission (SEC, a xerife do mercado financeiro americano) obtidos pelo GLOBO mostram que ao menos seis papéis de instituições financeiras na carteira do Postalis (fundo de pensão dos Correios) tiveram o valor adulterado com tinta corretora ou com um simples “corta e cola” nos processos digitalizados. A fraude, feita entre 2006 e 2009, detalhada nos relatórios da SEC, chega a US$ 24 milhões (R$ 68 milhões). Os responsáveis são sócios da Atlântica Asset Managment, gestora contratada pelo Postalis para investir o dinheiro dos carteiros em títulos da dívida brasileira no exterior.

As fraudes geraram prejuízos milionários ao fundo de pensão e começaram a ser desvendadas no ano passado. O caso ganha contorno ainda mais complexo, já que o Postalis havia contratado o Bank of New York Mellon para exercer a função de administrador e fiscalizar o trabalho de gestores, entre eles, a Atlântica. Agora, cobra o banco americano na Justiça pelas perdas.

O Postalis é o maior fundo de pensão em número de participantes do país — 196 mil. E contrata gestores para decidir como investir os recursos dos contribuintes. Um deles foi a Atlântica Asset Managment, que passou a aplicar recursos em notas estruturadas, um papel bem mais arriscado do que os títulos soberanos. Além disso, a gestora fraudou as notas de forma primária, para elevar os valores e desviar recursos do Postalis.

LIQUIDAÇÃO DE GRANDES OPERAÇÕES POR FAX

O uso do líquido corretor escolar só foi possível porque o sistema financeiro americano não é tão eficiente quanto o brasileiro: até grandes operações são fechadas e liquidadas por fax. À Justiça da Flórida, a SEC explicou o artifício criado pela Atlântica e detalhou as ações do responsável pela empresa, Fabrízio Neves, e de seu parceiro José Luna. Os papéis eram vendidos para a LatAm, outra empresa controlada pelos dois, remarcados (às vezes em mais de 60%) e revendidos a empresas em paraísos fiscais. Entre elas, a offshore Spectra, que tinha como beneficiário Alexej Predtechensky (conhecido como Russo), então presidente do Postalis. A fraude ocorria no trajeto dos papéis.

“Em pelo menos seis casos, Neves e Luna esconderam o esquema (…) alterando os term sheets (documento-base com os principais termos e condições para efetivar uma transação) entregues para a LatAm por emitentes das notas, seja inflando o preço original, ou removendo informação do preço. Neves dizia a Luna quais preços usar, verificava o preço do term sheet alterado, e aprovava as alterações antes de Luna enviá-las aos representantes dos fundos brasileiros. Luna usou líquido corretor escolar ou o eletrônico ‘corta e cola’ para mudar ou omitir as informações sobre o preço original dos term sheet”, diz o texto da SEC. O GLOBO não conseguiu entrar em contato com Neves e Luna.

Após as fraudes virem à tona, o Postalis interpelou o BNY Mellon na Justiça para rever os valores, com o argumento que o banco é o responsável pela fiscalização dos investimentos. O GLOBO teve acesso ao contrato fechado entre o banco e o fundo de pensão. No documento, o BNY Mellon diz ter métodos eficientes de controle das transações feitas com recursos de clientes. Com base nessa premissa, o fundo dos carteiros conseguiu na Justiça o bloqueio de R$ 250 milhões do patrimônio do banco americano. O BNY Mellon é acusado pelo Postalis de gerir de forma “ruinosa” o dinheiro dos aposentados da estatal. Ao todo, o fundo teve perdas de nada menos que R$ 2 bilhões nos últimos dois anos.

FUNDO PASSA POR AUDITORIA

Para a Justiça brasileira, o banco argumentou que não teria como evitar a fraude, porque ela foi promovida pela ex-diretoria do Postalis, que conhecia mecanismos para burlar o sistema e evitar o controle da administradora. Ao GLOBO, o BNY Mellon disse que detectar ações fraudulentas desta natureza vai além do escopo de suas responsabilidades, especialmente quando foram propositalmente escondidas. “O fato de o gestor do fundo em questão ter saído do mercado local desta maneira e usar uma terceira parte para esconder suas ações indica que nós não fomos cúmplices ou responsáveis de forma alguma pela alegada fraude”, disse, em nota.

O BNY se refere à Atlântica. O escritório foi fechado, segundo fontes a par das investigações, e Fabrízio Neves vive, hoje, fora do país. O banco lembra que o ex-presidente do Postalis Alexej Predtechensky é apontado por autoridades americanas como um dos responsáveis pelos crimes. Ele presidiu o fundo por seis anos e deixou o cargo em 2012. Procurado pelo GLOBO, não retornou as ligações.

Para o Postalis, o BNY Mellon foi omisso. O fundo insiste que o banco tinha condições de detectar a fraude. E alega que não participou diretamente das operações, “cuja legalidade, autenticidade e confiabilidade estavam a cargo da BNY Mellon”.

Mesmo com os ânimos acirrados na Justiça, o banco americano detém o poder sobre os investimentos do Postalis. Na segunda cláusula do contrato com o fundo, o texto diz que a instituição tem exclusividade no serviços de negociação dos ativos do Postalis. A cláusula é considerada usual por integrantes do mercado, mas foi a primeira vez que o Postalis assinou esse tipo de contrato. O banco deveria avisar o Postalis em 48 horas em caso de risco excessivo. Se os gestores não atendessem às notificações, o banco tinha de liquidar as operações que não estavam de acordo com as regras. Pelos serviços, o banco recebeu R$ 11,9 milhões desde 2011.

Acionado pelo Postalis, o Banco Central não concluiu a fiscalização sobre a responsabilidade do BNY Mellon nas fraudes. Procurada pelo GLOBO, a SEC não se manifestou. A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) promove uma auditoria no Postalis e cogitou intervir no fundo, mas, segundo fontes, desistiu por ver sinais de que a nova diretoria está empenhada em recuperar as perdas. Em nota ao GLOBO, a Previc ressaltou que a responsabilidade pela gestão dos planos é dos dirigentes das entidades e a contratação de serviços especializados não os exime de suas responsabilidades.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. Fabrizio Neves, mas assim não pode!

    O uso do líquido corretor escolar só foi possível porque o sistema financeiro americano não é tão eficiente quanto o brasileiro: até grandes operações são fechadas e liquidadas por fax. À Justiça da Flórida, a SEC explicou o artifício criado pela Atlântica e detalhou as ações do responsável pela empresa, Fabrízio Neves, e de seu parceiro José Luna.

     

  2. Centenas de fundos de pensao

    Centenas de fundos de pensao de Prefeituras e Estados vao ser saqueados sob as vistas da Secretaria de Previdencia Complementar, e questao de tempo. Quadrilhas especializadas vao enfiar TITULOS PODRES nesses fundos, alias ja enfiaram, rachando o lucro com o Prefeito.   A PF prendeu em 2013 uma quadrilha em Goias especializada nisso.

    Soluçao logica :  FUNDOS PEQUENOS nao poderiam ter autonomia de gerir esses recursos. A GESTAO DEVERIA SER OBRIGATORIA PELO BANCO DO BRASIL. Um prefeitinho ladrao vai gerir um fundinho de 100 milhoes em prefeitura do interior de Goias?  Claro que nao, ele vai SAQUEAR em 95% dos casos.

    Essa gente rouba na merenda escolar, como deixar fundo de previdencia na mao das neides da farmacia, nezinho do posto, toninho da padaria, dessa malta que sao eleitos pelo Brasil afora.

    O Postalis indicou essa Atlantica? Porque nao credenciou o BB ou o Bradesco? Ah mas ai como fica o “”nosso””..

    Ate parece que a Secretaria de Previdencia Complementar nao sabe que aqui nao e a Noruega.

  3. História mais antiga

    Inclusive publicado neste blog.

    Os fatos apareceram a público em 2012. Aquele Fabrízio Neves morava em Miami, como bom brazileiro de colarinho branco.

    http://www.valor.com.br/financas/2811674/postalis-diz-que-investigara-perdas-milionarias-apontadas-pela-sec

    http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/08/sec-processa-corretores-por-prejuizo-a-fundos-brasileiros.html

    http://aposentelecom.blogspot.com.br/2013/07/anapar-cobranca-previc-para-fiscalizar.html

    Muitos alienados acham mesmo que Miami é a capital da América latina, uma especie de Alfaville dos riquinhos desta região. Brasil tenta construir uma nação com “a capital” em Brasília, enquanto poucos maus brasileiros operam desde Miam e levam “o capital”.  

  4. Fundos de pensão sem fundo.

    C’est une grotesquerie! Nos anos 90, a PREVI, maior fundo de pensão do Brasil e um dos maiores do mundo, através de seu presidente corrupto, indicado pelo Ricardo Sérgio, fez um investimento em um complexo hoteleiro na Costa do Sauípe, BA,  cujo valor corrigido é de R$ 1 bilhão. O valor do complexo hoje é de R$ 150 milhões. O governador da Bahia na época (PFL), enviou uma carta de agradecimento à diretoria da PREVI pelo investimento. Nota: a carta tinha data ANTERIOR à data da reunião que decidiria o investimento. Com todos os orixás da Bahia, o governador sabia que a PREVI aprovaria. É uma rima, mas não tem solução. O ex-presidente da PREVI, que também participou da Privataria Tucana está solto, caso vivo esteja. Nunca foi preso, o PT não quis ferir suscetibilidades tucanas. Agora está aí, nas cordas, apanhando feito adversário do Mike Tyson.

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