Um desembargador sério não chancelaria sentença tão fraca, diz Rogério Dultra

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Agência Brasil
 
 
Jornal GGN – Doutor em Ciência Política e professor de Direito da Universidade Federal Fluminense, Rogério Dultra disse em entrevista ao GGN, na tarde desta quarta (17), que “qualquer pessoa com bom senso olha a sentença [do caso triplex] e não acredita que algum desembargador sério, correto, vá chancelar uma condenação tão fraca, mal feita e desprovida de qualidade jurídica.”
 
“Alguém sério aprovar um negócio desse, aliás, é a prova de que não é sério”, disparou.
 
Apesar de ter tido acesso à íntegra da sentença e analisar que o correto seria o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) anular a condenação imposta a Lula por Sergio Moro, Dultra avaliou que “o mais provável é que a decisão seja chancelada porque a Justiça, neste caso, está funcionando de maneira política.”
 
“Não tenho dúvidas de que é um processo político, eivado de ilegalidades e deve ser anulado. Mas acho que isso não vai ocorrer, porque essa faixa do Judiciário não está operando sobre critérios jurídicos, mas políticos.”
 
O GGN publicou hoje uma reportagem resumindo em 4 tópicos os principais problemas na sentença de Sergio Moro que deveriam ser enfrentados pelo TRF-4, no próximo dia 24, e que vão além da discussão sobre Lula não ser, no papel, o proprietário do triplex.
 
Dultra opinou que o primeiro dos tópicos abordados – o fato de que Lula foi denunciado por um suposto crime A, narrado pelo Ministério Público, e acabou condenado por um suposto crime B, definido por Moro – é uma afronta ao Código de Processo Penal.
 
JUIZ ACUSADOR
 
“Não cabe ao juiz iniciar um processo de ofício e ele também não pode inventar o crime ou ser o sujeito ativo a determinar a acusação, porque o nosso processo penal separa a figura do juiz e do acusador. Quando ele [Moro] amplia o escopo da denúncia do Ministério Público para falar dos R$ 16 milhões, ele deixa de atuar como um juiz e passa a atuar como um acusador.”
 
Os procuradores da Lava Jato denunciaram Lula por ter recebido vantagem indevida a partir de 3 contratos entra a OAS e a Petrobras, que teriam gerado R$ 87 milhões me propina. Parte dos recursos teriam bancado o armazenamento do acervo presidencial do petista e a reforma no apartamento que a empreiteira construiu no Guajurá.
 
Porém, na sentença, Moro alterou a denúncia e condenou Lula com base em uma delação premiada de um executivo da OAS que afirmou que a empresa tinha um “caixa virtual” com o PT, com R$ 16 milhões. Segundo a tese do juiz, a OAS custeou a reforma para Lula e abateu a despesa desse suposto fundo para o PT. O resto do dinheiro, disse Moro, a Lava Jato não achou porque possivelmente abasteceu campanhas do partido.
 
“Isso [de dizer que a falta de prova é a prova do crime] não existe. Ele tem que provar que há culpa. Isto foi feito ao arrepio do Código Penal”, disse Dultra, para quem o papel do Ministério Público era justamente o de encontrar alguma evidência, qualquer rastro de que esse caixa existiu e financiou o PT e Lula. 
 
POSSE
 
Quanto ao fato de que o triplex está em nome da OAS e, inclusive, foi penhorado para pagar dívida da empreiteira junto a fornecedores, Dultra afirmou que “o direito civil brasileiro é muito tradicional, não tem nenhuma inovação. Para que um imóvel seja dado como propriedade de um sujeito, ele tem que ter o documento em seu nome, registrado em cartório, e provar uso, dormir lá. Não foi o caso.”      
 
“Há a evidente incapacidade técnica do Ministério Público e do Juízo em produzir provas consistentes.”
 
Dultra ainda apontou que a força-tarefa não fez uma investigação correta e ainda pecou pelo uso exclusivo de delações problemáticas, feitas por réus e outros investigadores que estavam submetidos ao controle do Ministério Público.
 
Caso de Léo Pinheiro (que estava desesperado por um acordo de delação), Delcidio do Amaral (que não entregou provas de nada do que disso, segundo o próprio Ministério Público Federal, em Brasília) e Pedro Corrêa (que, àquela altura, não teve o acordo homologado pela Justiça).
 
A JUSTIÇA POLÍTICA
 
Para Dultra, a Lava Jato não é nenhum “ponto fora da curva” quando o assunto é produto de um Judiciário politizado. Ele apontou que, no Brasil, a tradição é o Ministério Público levar à cadeia, sem provas, os réus sem condições de pagar uma boa defesa. É daí que nasce o problema nacional de superlotação em presídios.
 
Quanto à turma de Curitiba, especificamente, ele lembrou que na trajetória acadêmica do Sergio Moro fica claro que ele tem uma interpretação muito subjetiva do que é Justiça. “(…) 
ele sempre afirmou que a interpretação do juiz prevalece sobre o que está escrito nas leis.”
 
“A concepção dele de democracia também é complicada. Democracia para ele não é todo poder de decisão ao povo, é o que a opinião pública, expressa nos meios de massa, que são manipuladores, determina.”
 
A faceta política do próprio TRF-4 também é motivo de lamentação, disse.
 
Para o professor, a nota em que o TRF-4 antecipa que Lula, se condenado, não será preso imediatamente, e a declaração do presidente Thompson Flores que acabou acelerando o processo, são pequenos “avisos” aos demais tribunais sobre a preocupação com o calendário eleitoral.
 
“É triste um juiz [Thompson Flores] que não cumpre o princípio básico da magistratura, que é falar exclusivamente nos autos. É lamentável de assistir.”

 

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

14 Comentários

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  1. O autor esqueceu apenas uma
    O autor esqueceu apenas uma coisa. O TRF-4 já deixou de ser um Tribunal sério. De fato, ele se transformou numa maloca de canibais no exato momento em que disse num Acórdão que a Lava Jato não precisa respeitar o princípio da legalidade. Isso explica a natureza excepcional da condenação de Lula e sua manutenção em 24 de janeiro.

    O julgamento de Lula não será feito segundo critérios jurídicos. Já está tudo certo no TRF-4. No dia 24 os tupinambás de toga irão amarrar Lula pelo tronco/cintura numa corda grossa, a muçurana. Policiais federais segurarão uma ponta da corda, os jornalistas segurarão a outra. Então o relator do caso se aproximará por traz de Lula segurando o tacape e enunciando os crimes que ele cometeu. Depois de invocar seus ancestrais, o relator dará um golpe vigoroso de tacape na cabeça de Lula. O corpo do ex-presidente será então trinchado e metido no moquém. A festa será regada a muito cauim, pois o vinho de Tupã é essencial em ocasiões especiais como essa. Quando alguém censurar Thompson Flores por ter participar da cerimônia e comer um pedaço de Lula ele dirá apenas “Jau ware sche” (devoro como uma onça)

    https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/24-01-2018-dia-de-moquem

  2. CHANCELARIA SIM! ESQUECERAM DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO?

    Quando o Lula e o PT enfiaram o rabo no meio das pernas durante o processo do mensalão, deixando que pessoas inocentes e sem provas fossem condenadas, ali o Lula construiu a própria prova que vai condená-lo:

    A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

    Pois bem, agora temos jurisprudência para isso, e graças ao Lula, que deve ter dado risadas. Afinal, pimenta no dos outros…

    Naquela altura dos acontecimentos, o PT já deveria ter instituído o direito do povo CONVOCAR REFERENDO REVOCATÓRIO DE MANDATO com seus ABAIXO ASSINADOS. Assim, a sociedade colocaria o Joaquim Barbosa no olho da rua, e nosso judiciário não teria perdido completamente a vergonha, como ocorre hoje. Entretanto, o corporativismo e o pavor do PT de que o povo possa interferir nos “negócios” dos políticos, impediram qualquer avanço nesse sentido até hoje…

    MANEIRA CORRETA DE SE ENFRENTAR O CASO:

    1) Pedir o impedimento desse juiz, afastando-o do processo, devido às suas declarações.

    2) Fazer o pedido parar no STF.

    3) O juiz ou juízes que negarem o pedido, diante de flagrante falta de isenção dentro do processo, a gente pede o seu impeachment!

    4) O presidente do senado engaveta o pedido, como de costume, desencorajando essa prática na sociedade; mas a gente convoca seu REFERENDO REVOCATÓRIO DE MANDATO, cassando-o de seu cargo, e encerrando sua carreira política.

    SÓ TEM UM PROBLEMA!

    O próprio PT não defende esse nosso direito, e ele mesmo retirou da lei esse poder do povo convocar REFERENDOS com seus ABAIXO ASSINADOS. Confiram:

    https://democraciadiretanobrasil.blogspot.com.br/2017/06/lindberg-farias-traiu-o-povo-brasileiro.html

    Lula prova do próprio veneno, ou está aprontando de novo?

    E se houve acordo pra livrar a cara do Aécio e do Lula? Confiram como o PT defendeu com unhas e dentes a impunidade dos políticos:

    https://democraciadiretanobrasil.blogspot.com.br/2017/09/o-pt-apodrece-defende-aecio-e-impunidade.html

    Nesse caso, os facilmente previsíveis como desgastados Moro, Temer, e globo, são seus melhores cabos eleitorais. Ou seja, quanto mais batem, mais votos ganham pro Lula…

    Não seria Lula o candidato do imperialismo estrangeiro e dos neoliberais, para quando a direitona estiver desgastada?

    Por que será que em 13 anos ele não quebrou o monopólio da globo?

    Lula coloca novamente os coxinhas no bolso! Junto com os “cumpanherus”, é claro…

    1. Oi democracia direta
       

      Você voltou!

      Você estava sumida.

      Acho interessantes essas “conclusões originais ” a que vocês chegam.

      Não deixa de ser divertido.

       

       

  3. interpretação das leis

    É comum no judiciário, o advogado procurar saber qual é o “entendimento do juiz sobre tal ou qual tema”. Assim, o que vemos na prática, é que os juízes legislam. Não só eles, como também a “literatura” ou a doutrina como se diz sobre a opinião dos juristas. E isso alias, está dito com todas as letras pela Ministra Rosa Weber em decisão que lançou nos autos do Mensalão!!! E é sabido por todos, que o direito já é pronto e acabado quando chega ” às ruas” e não cabe a ninguém se arvorar em intérprete do que nela é dito. Se n~]ao gostamos do caminho que a lei aponta, o certo é lutar para mudá-la, e não fazer o que bem entendemos. Pode-se imaginar se as leis fossem cumpridas por  todos apenas e tão somente quando todos gostarem dela, pode imaginar o que aconteceria Assim, é uma vergonha para um país, qualquer país,  ter uma multidão de presos sem culpa formada, vivendo nos infernos que são os presídios , porque o MP não toma para si a obrigação de cumprir seu trabalho, de respeitar a Constituição e, também, as leis. 

  4. EXCELENTE

    EXCELENTE MATÉRIA

     

    http://www.diariodocentrodomundo.com.br/e-escandalosa-a-atuacao-do-judiciario-nas-acoes-movidas-contra-lula-diz-ex-ministra-da-justica-da-alemanha/
     

    “É escandalosa a atuação do Judiciário nas ações movidas contra Lula”, diz ex-ministra da Justiça da Alemanha

     

    Herta Däubler-Gmelin

    POR HERTA DÄUBLER-GMELIN, ex-Ministra da Justiça da República Federal da Alemanha

    Em 24 de janeiro de 2018, quer dizer, em poucos dias, o TRF-4 de Porto Alegre deverá decidir sobre o recurso do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva contra a condenação imposta pela 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba. Conduzido pelo juiz federal Sérgio Moro, a corte de primeira instância, em 12 de julho de 2017, sentenciou o ex-presidente a uma pena de nove anos e meio pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

    A decisão do TRF-4 será importante sob vários aspectos: em primeiro lugar, por estar em discussão a correição da sentença do juízo de primeira instância e a qualidade dessa sentença segundo os padrões do Estado de Direito.

    Em segundo lugar, depende da decisão do TRF-4 em Porto Alegre se Lula poderá ou não ser candidato do PT nas próximas eleições presidenciais no Brasil. É justamente isso que os donos do poder no Brasil atual pretendem evitar por todos os meios, em associação com o conglomerado midiático Globo, que pauta a opinião pública.

    Entrementes, a popularidade de Lula cresce diariamente, ao passo que a credibilidade – não apenas das instituições políticas, mas também dos tribunais brasileiros – diminui cada vez mais em virtude de acusações de corrupção e de decisões políticas contra a população pobre do Brasil.

    Muitos cidadãos brasileiros temem que o TRF-4 confirme a sentença da corte de primeira instância. Para fundamentar esse temor, lembram o fogo cerrado contra Lula – e também contra Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores desde 2013 – que vem sendo alimentado com crescente vigor também por altos representantes do Poder Judiciário.

    Lula e seu partido são difamados quase que diariamente como “canalhas“ corruptos e “organização criminosa“. A confirmação da sentença de primeira instância poderia resultar na ordem de execução imediata da pena, quer dizer, na prisão de Lula. Por outro lado, Lula ainda dispõe de outras possibilidades recursais na mesma instância, bem como no Supremo Tribunal Federal (STF).

    As causas desse combate à pessoa de Lula e à política de esquerda são, entre outras, as políticas de nacionalização e distribuição da renda, iniciadas por Lula e por sua sucessora, Dilma Rousseff, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais. Ambas foram claramente na contramão dos interesses políticos e econômicos da rica camada dominante do Brasil e da sua ligação com grupos empresariais internacionais.

    O retrocesso nas políticas social e econômica já iniciou há muito tempo. De acordo com conhecedores da América Latina, o próprio impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 2016, segue o figurino da nova “forma de golpe de Estado” (Aníbal Pérez Liñan). De resto, esse impeachment, em que pesem as patentes deficiências da sua fundamentação constitucional e sua impugnação junto ao STF – a corte com competência constitucionalmente definida para avalia-lo – simplesmente foi posto de lado pela corte suprema, não tendo sido sequer discutido e muito menos anulado.

    Não é descabida a suspeita de que o STF somente colocará em pauta a reclamação de Dilma Rousseff depois do transcurso do período de governo do atual Presidente Michel Temer, inquestionavelmente corrupto, para então arquivá-la por perda de objeto.

    Sérgio Moro, juiz de primeiro grau em Curitiba responsável pelos casos de corrupção na empresa paraestatal Petrobrás, há muito tempo também já dá margem às suspeitas de que ele seja parte dessa campanha política. Manifestou-se publicamente contra Lula em várias ocasiões, o que em um Estado de Direito deveria, sem dúvidas, acarretar na declaração de sua suspeição.

    Mas não é o que ocorre no Brasil, onde ele foi sempre respaldado e jamais recebeu qualquer penalidade por suas condutas. Isso tampouco causa admiração, uma vez que até juízes de instâncias superiores aderiram à campanha política antipetista, externando publicamente e com frequência condenações antecipadas de Lula.

    Seriam tais práticas compatíveis com os procedimentos usuais na justiça penal do Brasil? Será que elas não vêm há muito violando o que seria tolerável em um Estado de Direito? Um crescente número de indícios reforça o temor de que uma parcela considerável do Judiciário brasileiro se compreende como um braço da elite nacional do poder e do dinheiro, sacrificando com isso, mediante invocação abusiva da independência do juiz, os princípios do Estado de Direito, ancorados também na Constituição Federal.

    Apesar da petição do ex-presidente Lula encaminhada ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e da clara condenação, por parte desse órgão, das práticas do Judiciário brasileiro, contrárias ao Estado de Direito e aos Direitos Humanos, a comunidade internacional e também a sociedade europeia – e mormente a alemã – vem dando atenção insuficiente às lastimáveis mudanças da política brasileira nos últimos tempos.

    Em parte, isso talvez se deva à afirmação do Judiciário brasileiro (e à campanha midiática por trás dela) de que, no processo contra Lula, estaria em jogo apenas o combate justificado à corrupção. Fosse isso verdadeiro, o Judiciário brasileiro mereceria todo o apoio imaginável no seu empenho, em consonância com os princípios do Estado de Direito, uma vez que o combate eficaz da corrupção é hoje mais necessário do que nunca.

    Conforme mostram os relatórios da Transparência Internacional, a corrupção há muito tempo é endêmica no Brasil e constitui um problema gigantesco para o Estado, o setor privado e a sociedade. Além disso, ela solapa cada dia mais a confiança da população nas decisões do poder público.

    Por isso, o combate à corrupção em todas as suas formas exige leis eficazes, bem como instrumentos e procedimentos repressivos e preventivos. A descoberta e comprovação da corrupção podem ser difíceis, justamente quando se trata da influência em decisões políticas ou da prova do recebimento de uma vantagem. Isso vale para o combate à corrupção em qualquer lugar do mundo, e também no Brasil.

    Por isso, é digno de nota que durante o governo de Lula não só as leis contra a corrupção foram tornadas mais rigorosas, mas as instituições de combate à corrupção também foram fortalecidas. Seriam, então, as ações penais por corrupção movidas contra Lula resultantes apenas da aplicação dessas leis mais rigorosas – talvez no quadro caracterizado por muitos juristas como “demência normal do Brasil” – resultante de uma ingerência do Judiciário na política, inimaginável em nossas latitudes?

    Como já foi aludido, dúvidas são mais do que justificadas aqui. Em primeiro lugar, por causa da considerável tendenciosidade politicamente motivada do combate à corrupção: a corrupção patente, e.g., do atual presidente Michel Temer, bem como de grandes parcelas dos seus sequazes conservadores na Câmara dos Deputados e no Senado, não parecem perturbar os tribunais e a elite política do Brasil.

    Mas essa unilateralidade – politicamente escandalosa e contrária à credibilidade do Judiciário brasileiro – por si só é insuficiente para uma crítica do Judiciário. A referência ao Judiciário zarolho não exculpa a corrupção em outras áreas nem serve como exigência justificada de impunidade nelas.

    Porém, é escandalosa a atuação do Judiciário nas ações movidas contra o ex-presidente. Aqui, os princípios irrenunciáveis do Estado de Direito – e.g. da imparcialidade e ausência de prevenção por parte de juízes, mas também do devido processo legal – têm sido violados ininterruptamente; violações graves de regras processuais na instrução e no julgamento têm sido tão frequentes, e essas têm sido contestadas tão prontamente pelos tribunais de instâncias superiores, que a acusação do abuso de procedimentos judiciais para fins políticos não pode ser afastada.

    Tudo isso os advogados do ex-presidente resumiram na sua petição apresentada ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, na qual criticaram tanto o arbítrio na condução coercitiva de Lula ordenada por Sérgio Moro (feita sem intimação prévia, em desacordo com a lei brasileira) quanto a violação dos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e dos direitos à privacidade, especialmente no tocante a gravações de telefonemas e a operação de busca e apreensão no domicílio do ex-presidente.

    Aqui entra também a gravação de telefonemas dos seus advogados de defesa. Todas essas acusações são confirmadas na sentença do juízo de primeira instância. No entanto, o juiz Moro justifica-as expressamente em cada caso: e não apenas com o argumento da gravidade dos atos imputados a Lula ou com acusações penais à defesa, mas também com a alegação de que Lula teria querido destruir provas, influenciar testemunhas e intimidar o tribunal.

    Por conseguinte, a crítica à atuação do Judiciário brasileiro contra Lula não se baseia apenas na “zarolhice” do Judiciário; ou na alimentação constante da campanha midiática por parte de órgãos públicos envolvidos no processo; ou na parcialidade do juiz Moro; mas também na permanente violação de princípios irrenunciáveis do Estado de Direito.

    É em virtude disso que juristas brasileiros já há muito tempo falam em “lawfare”, ou seja, do fato dos tribunais ocultarem sob o pretexto do combate à corrupção – e mediante o abuso dos seus instrumentos – o combate político da elite do poder no Brasil contra a tão odiada esquerda.

    A decisão do TRF-4 deverá tomar tudo isso em conta no dia 24 de janeiro de 2018. Prolatada em 12 de julho de 2017, a sentença de primeira instância do juiz Moro chama a atenção por ser extraordinariamente longa e verborrágica: nos 961 parágrafos distribuídos pelas 186 páginas da versão em inglês, o juiz não discute apenas as acusações. Muito pelo contrário: ele busca criar uma atmosfera propícia à condenação, usando para isso constantes desqualificações de Lula, um sem-número de afirmações vagas e o indeferimento verdadeiramente monótono e não-fundamentado dos requerimentos da defesa.

    Fica evidente a intenção subjacente: o encobrimento da saliente falta de provas. A estratégia dá com os burros n’água. Remanesce um excesso de hipóteses, presunções, insinuações e afirmações não documentadas nem documentáveis, baseadas no diz-que-diz ou transmitidas por delatores premiados presos, aos quais a Procuradoria da República ofereceu – sempre com anuência do juízo – vantagens obscuras.

    Com muita frequência, o conteúdo dessas “barganhas” não é transparente ou comprovável no processo judicial. A credibilidade das alegações dos delatores premiados remanesce também problemática precisamente por não terem sido observadas nem as garantias mínimas exigidas na aplicação desse instituto na Alemanha.

    Destarte, a acusação do recebimento de vantagens por Lula com vistas ao dinheiro, mas também com vistas à propriedade, posse ou outras vantagens em conexão com um apartamento sempre aduzido (que Lula teria recebido como contrapartida de empresas favorecidas pelas suas decisões) permanece mais do que vaga.

    A própria acusação penal – de que Lula teria sido responsável, enquanto presidente da República, pela corrupção na Petrobrás – deve soar extravagante para ouvidos acostumados à linguagem do Estado de Direito, quando não acompanhada da prova da sua intervenção e influência pessoais, ou do auferimento de vantagens pessoais: afinal de contas, nem os delatores conseguiram confirmar no processo mais do que o fato conhecido de que o presidente da República tivera influência para a nomeação dos diretores da estatal.

    As hipóteses de Moro adquirem um gosto especialmente picante com a sua estranha inferência de que a conhecida doutrina do “domínio do fato” poderia justificar a acusação de punibilidade pessoal do ex-presidente da República mesmo sem nenhuma prova da sua intervenção ou da obtenção de uma vantagem.

    Há ainda outros indícios: a condução do processo pelo juiz Moro, conforme se depreende até dos excertos das atas por ele incluídos na redação da fundamentação da sentença, refletem liminarmente a sua parcialidade. Bastem aqui alguns exemplos: Moro chama várias vezes Lula integrante de um sistema criminoso e interpreta os pedidos da defesa – não apenas o de constatação da suspeição do juiz, mas também as petições apresentadas ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos – como sendo ilícitas, como tentativa de intimidação deplorável do tribunal, da Procuradoria da República e das testemunhas.

    Manifestações de Lula, nas quais este se defende em público contra a atuação do Judiciário, ele também qualifica como ameaça e difamação, ao passo que justifica posicionamentos públicos de juízes contra Lula.

    A atitude preconcebida de Moro diante de Lula, tanto em termos pessoais quanto em termos políticos, manifesta-se com maior clareza no parágrafo 948 da sentença. Ele é tão digno de leitura quanto a sua observação comparativamente memorável no parágrafo 961, no qual Moro afirma que “a presente condenação não traz a este julgador qualquer satisfação pessoal, pelo contrário. É de todo lamentável […]”.

    A sentença revela também as contradições no comportamento de Moro: se apenas algumas das suas acusações de supressão de provas e influência de testemunhas fossem comprováveis, conforme pressupõe a elevada pena prisional de nove anos e meio, a decisão ulterior de Moro, de permitir a Lula apelar da sentença em liberdade até a decisão da corte de apelação, seria praticamente indefensável.

    Em duas palavras: O TRF-4 de Porto Alegre deve cassar a sentença de Moro, mesmo se ele com isso admitir que essa ação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto matéria política, há muito tempo já se transformou no “Caso Moro”.

     

     Mas é mais do que duvidoso que o TRF-4 decida nesse sentido, uma vez que tudo indica que desembargadores desse tribunal também estão demasiado enredados nos conflitos e nas campanhas políticas em curso no Brasil.

     

    Em suma, a confirmação da sentença não prejudicaria apenas a credibilidade e eficácia do combate à corrupção, mas ao mesmo tempo revelaria a inexistência do Estado de Direito no Brasil.

     

     

  5. Lula e seus advogados
    Lula e seus advogados precisam convocar uma entrevista com os jornalistas internacionais. Antes dessa farsa, que chamam de julgamento.
    Botar a boca no trombone.
    Denunciar ao mundo, de forma clara, o absurdo de uma condenação sem prova e sem crime.
    Fazer desta entrevista um ato político. Um protesto contra o ativismo judicial, contra a lawfare.

  6. Um desembargador sério não chancelaria sentença tão fraca

    No trf4 já foi dito que”vivemos tempos excepcionais” e assim tudo é permitido. 

    A excepcionalidade no caso refere-se à caça ao LULA e aos petistas.

    Assim a Constituição e o marco legal são abandonados sem qualquer pudor.

    Fazem-se de legisladores e justiceiros.

    Enquanto isso ainda não conseguimos ver um só tucano preso.

  7. E agora?

    Depois que a justiça federal sequestrou o apartamento do verdadeiro dono, a oas, estes artigos todos não perderam o sentido?

    Quem devia ser porcessado é quem disse que o apartamento era do Lula sem qualquer prova ou mesmo convicção, por que ele não é tão idiota, para manter um processo ilegal em andamento.

    Nem o julgamento tem sentido agora. Nunca teve, mas agora a própria justiça federal define que não tem.

  8. A foto
    Além de Moro a lama da corrupção também será apagada dos anais da história? Tudo indica que sim e isso não fará a menor diferença. Culturalmente vivemos somente o presente e o futuro.O nosso passado sempre foi nebuloso , heróico, injusto, controverso, relativo, ideológico, falso, nacionalista, ufanista, subjetivo, plural, regionalista, etc, etc.

  9. dia 24 entrará para a história

    Não só um expresidente será julgado com base no … é culpado porque eu quero. Dia 24 representará

    – o dia que o estado de exceção imposto pelo impeachment de Dilma será efetivado

    – o dia que as eleições serão corronpidas com o aval do judiciário

    – o dia que ficará claro para toda a nação que DE FATO não vivemos uma democracia

    – se não vivemos uma democracia, o estado de exceção será aprofundado

    – o dia que o precedente juridico de não posse pela OAS, mesmo com o registro em seu nome irá abalar o códico civil dramaticamente, se não acabar mesmo com ele

    – o dia que o código penal aceitou a criminalização de um inocente baseado em evidencias circunstanciais

    – o dia que mostrará ao mundo a verdadeira face deste Brazil elitista, conservador e escravocrata!

  10. O judiciårio brasileiro

    O judiciårio brasileiro sempre foi aparelhado pela elite. Esse processo surreal do tal triplex contra  Lula é emblemático de como funciona a justiça brasileira. São inúmeros casos parecidos com esse dos quais nunca tomaremos conhecimento. Eu mesmo sei de um onde uma juiza aqui de BH quebrou a pequena empresa de turismo de um amigo meu, usando de seu poder para condená-lo a pagar 50 mil reais (há uns 15 anos) por causa de uma pequena confusão de reserva em hotel que foi resolvida 1 dia depois.

    1. A partilha do butim

      No fundo, a advogada togada garante o dinheiro do advogado acusador, cuidando que o advogado do acusado mão perca. Ação entre amigos. Essa é a justiça brasileira, uma trinca de advogados, um deles togado, que disputam o butim do coitado que chega até lá a pedir “justiça”.

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