A nau dos profetas embalsamados (2), por Wilson Luiz Müller

Porque a nau pode afundar em algum momento, temos que ser precavido, esse povo é muito ingrato e por qualquer coisa pode começar a se revoltar.

do Hora do Recreio

A nau dos profetas embalsamados (2)

(Viagem ao fim do mundo)

O novo centenário – capítulo 2

por Wilson Luiz Müller

Neste centenário que começa, ia dizendo o capitão, vamos anunciar muitas novidade importante. Cada novo centenário temos que mostrar as coisas novas do novo tempo, porque…

Desculpe interromper, capitão, interveio o rábula, percebendo que ele e outros tripulantes tinham perdido alguma coisa. O que é o novo centenário? São os próximos cem anos?

A pergunta provocou risinhos abafados no porão principal da nau, deixando o capitão desconfortável. Conhecedor dos planos ocultos do rábula, o capitão não tinha certeza se a pergunta revelava uma dúvida real ou se era uma tirada  para se valorizar junto aos demais tripulantes. Lendo o momento, o rábula emendou uma explicação para tranquilizar o capitão.

Eu estava envolvido com meu plano para incrementar os calabouço, discutindo com a câmera baixa. Senão eles podem vim com algum plano para esvaziar os calabouço, porque é gente perigosa que está lá, pra apodrecer no calabouço, se descuida eles vim e solta essa gente perigosa. Por isso estou alheio ao assunto do centenário.

Percebendo a serenidade de propósitos do rábula, o capitão relaxou a face iracunda e olhou para o pequeno ancião à procura de ajuda.

O centenário é uma modalidade de medir o tempo a partir da nova era, começou explicando o pequeno ancião. Analisando as razões do desencanto do povo com os rumos da nação, concluímos que a medição da passagem do tempo que vinha sendo usada causava grandes aflições e desvios de comportamento. Há cada vez mais informações circulando, mais afazeres, o tempo vai ficando curto, o dia passa, o sol se deita, e fica aquela sensação de que nada de proveitoso foi feito. E assim vai um dia atrás do outro, sempre no mesmo ritmo. Isso vai gerando angústia, frustração, revolta,   infelicidade. Então é inevitável que voltemos nosso olhar para o passado distante, onde o ritmo era mais lento, bem mais lento, e as coisas funcionavam bem e todos eram felizes. Bem, não podemos voltar a viver como no passado, mas podemos medir a passagem do tempo de uma forma que traga de volta um ritmo mais vagaroso e o  bem estar desse tempo glorioso.

O capitão esperou o pequeno ancião tomar água, retomar o fôlego, para que em seguida pudesse dar mais argumentos aos tripulantes da nau, porque o novo modelo deveria ser defendido com convicção. Mas o pequeno deu ares de cansaço, quedou-se silencioso contra o espaldar da cadeira de palha, dando por encerrada a explicação. O capitão disse que esperava uma explicação mais detalhada, com um pouco mais de ideias,  mas sem descambar para a ideologia.

A profetiza de mirta prontamente veio em socorro do capitão.

Tem um aspecto transcendente envolvendo a escolha do novo método, começou ela, e de algum lugar entrou um  vento frio regurgitando de baixo para cima, expulsando o ar modorrento condensado nas partes baixas, provocando arrepios em alguns dos presentes. Percebam a fonética da palavra dia, continuou ela. Além de muito curta, quando se começa já se termina, ela não tem elevação. Agora pronunciem cen-te-ná-rio, bem assim, pausadamente.

Todos esperaram que ela explicasse a anunciação, mas ela simplesmente reforçou o pedido.

É preciso que repitam isso comigo, para perceberem a sensação do anúncio com o pulso do coração, senão não vão entender. Repitam comigo. E todos tiveram que  repetir com ela, sílaba por sílaba, pausadamente: cen-te-ná-rio. Quando terminaram o exercício, sentiram-se de fato tomados, como que iluminados, por uma sensação diferente, que não saberiam explicar a ninguém se a isso fossem obrigados.

Perceberam a diferença? Centenário vem do alto. É cíclico, quando se termina de pronunciar fecha o ômega e volta a chamar o alfa, e isso causa essa sensação de bem estar, como se estivéssemos subindo numa pruma morna. É como o verbo que vira ação, a ação que se transforma em matéria. É como se disséssemos: po-de-ro-so, a mesma estrutura elevática. Percebem que a estrutura fonética é sinérgica e abraça a hermenêutica como uma guabiroba madura abraça a semente, é como a semente que se sente abraçada pela terra fecunda, igual…

Muito bom profetiza de mirta, interrompeu o capitão, impaciente. Tem outras coisa também do novo meto. Percebe que  tô ajustando as propaxita, ganhando tempo pra tropeçar menos com a língua. O rábula tá trabalhando neste plano da nova língua e vazou essa parte pra mim, que vai abolir as propaxita. Achei bom, por isso tô usando. Outro dia ele vai explicar esse plano. Como tá isso daí rábula?

Capitão, eu tava concentrado no plano de incrementar os calabouço. Isso agora tá  bem encaminhado, vamos conseguir novas condenação e de tempo maior que 12 anos, isso tá indo bem, os vazamento que recebi dão conta de que ninguém vai soltar ninguém.

Kkkkkkkkkkkk respondeu o capitão. Muito bom! Não conhecia teu lado anedoto. Percebi que fez um trocadilho com os dizer dos comunista: ninguém solta a mão de ninguém. Eles que fiquem de mãozinha dada. Mas bem trancafiado no calabouço. Muito bom! Assim ocê vai garantindo a sua vaga.

Sim, me dediquei bastante, respondeu envaidecido o rábula. Claro que tive ajuda importante do Irmão do Norte. Sem isso não teria conseguido. Por isso temos que discutir um plano pra ajudar o Irmão, recompensar um pouco os gasto que tiveram com os ensinamento. Uma das coisas que pensei seria fazer uma parceria pra ajudarem a administrar nossas riquezas naturais. Porque nós temos muita riqueza natural mas não sabemos administrar, nosso povo não investe nas finança, que faz o dinheiro render para reaplicar nas finanças e o bolo crescer sem parar. Enquanto que nossos Irmão do Norte carecem de riqueza natural mas sabem administrar muito bem as finanças. Então fica um negócio bom para todo mundo.

Ô rábula, isso daí não precisa nem me consultar, toca adiante. Até porque nós temos que pensar no futuro, no futuro das família, das nossas família. Porque a nau pode afundar em algum momento, temos que ser precavido, esse povo é muito ingrato e por qualquer coisa pode começar a se revoltar. E pensar em tudo que já fizemos por eles! Tantos anos de trabalho duro. Levanto os olhos para o céu quando acordo e digo meu deus o que fiz para merecer tudo isso tanto sacrifício todo santo dia e quando isso vai parar? O povo não entende que as maldade que estamos fazendo é necessário para o bem estar das nossa família, são tudo imediatista. É um povo ingrato e burro, e isso é perigoso.

O  capitão decretou essa ultima ameaça de uma forma contundente, provocando uma sensação estranha no rábula, como se o chefe estivesse a usurpar algum direito adquirido, no caso, o dele, porque aquilo parecia uma sentença definitiva.

Mas capitão, ponderou ele, não é precisamente por essas características do povo que nós estamos aqui?

Até faz sentido o que ocê diz, rábula, nunca tinha pensado nisso. De qualquer maneira,  é também uma caractista dos burro e ingrato mudar de ideia. E quando mudam de ideia mudam de lado. E é ali que mora o perigo. Por isso tem que pensar no futuro das família, das nossas família, dos nosso querido pimpolho e das nossas jovem e bela esposa. Ter um lugar bom pra terminar nossos dias de velhice. Isso até parece que está escrito no livro. Profetiza, não tem uma parte que fala que um tem que ir na frente para guardar um bom lugar para os outros?

Isso deve ser interpretado numa dimensão espiritual…

Sim, exato, quando ocê começou a falar lembrei, não precisa mais explicar. Está escrito que o maioral vai na frente preparar uma morada para os outros. No caso o maioral sou eu. Mas como estou dirigindo a nau, delego isso pro rábula, que já tá com os canal aberto e bem azeitado com os nosso Irmão de confiança.

Fico lisonjeado capitão, os despacho estão pronto, basta eu dar o comando que os comparsa vão dar andamento. Feito isso posso me dedicar ao plano da nova língua. Vou aproveitar bastante coisas de processos onde trabalhei, teorias inovadoras como o domínio do fato e da recontagem criativa do passado. Creio que em uma ou duas semanas (não sei ainda quantos centenários dá isso) posso passar para vocês o esboço.

Ótimo. não, ótimo não, bom, porque ótimo é propaxita e vai virar oto na nova lingua. Assim que tiver o escopo…

Esboço, corrigiu o pequeno ancião.

Sim, assim que tiver o escopo, nos chame, é prioridade isso daí, temos que propagandear nossos plano, pequeno, tá saindo as verba para nossos irmanado? Tem que cuidar disso, senão os comunista vão dizer que não fizemo nada, que ficamo só abatendo cabeça, eles fazem esses trocadilho que nem o rábula fez agora, parabéns, quando é do lado de cá é pro bem comum, pensando sempre nas nossa família. Do lado de lá é pra favorecer a corja de vagabundo, conheço essa gente, não dá pra dar mole. Agora eu vou dar uma laivi pra ocês poder argumentar sobre essa questão do meto centenário. Porque tem gente que critica tudo, então tem que ter reposta na ponta da língua. O negócio é não discutir essas bobagem, essas historieta, mas sair xingando direto pra eles não achar mais o chão,  senão eles se organiza e volta. Naquele tempo antigo que o pequeno falou tinha muita disciplina, hierarquia. O de cima falava e todo mundo obedecia. Não tinha mimimi nem essas frescura de analisar outro ângulo da questão. Só tinha um ângulo, e esse  geralmente era bem anguloso, e bem doído kkkkkkkkk

Antes de prosseguir, o capitão esperou até que todos pudessem rir do que ele acreditava ser uma anedota, inclusive o rábula, que riu a contragosto, de cabeça baixa, mas riu mesmo assim. Cessando os risos, o capitão prosseguiu.

O chefão da inquisitória carregava um medalhão e uma baita cruz no peito. Isso era o suficiente pra todo mundo se peidar quando ele levantava a voz. Porque tinha autoridade outorgada de cima. Aquilo era um princípio muito bom, porque as pessoas só respeita o que teme. Ninguém respeita porque gosta, porque ama, porque entende. Não precisa entender, precisa é temer e obedecer. Engraçado, rimou sem querer com alguém famoso que a gente ajudou num passado não tão distante. Aqui dá pra ver como funcionava esse princípio, porque se não temer, pau de arara ou fogueira. E todo mundo sabia interpretar isso corretamente. Não é que nem hoje. Logo ia aparecer um viadinho pra dizer: eu tenho uma interpretação diferente. Naquele tempo a interpretação diferente ia render umas 80 brasa ardente no traseiro. Claro, não matava, mas era educativo, nunca mais o viadinho ia dar uma de esperto e contrariar a interpretação oficial de cima kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Novamente o capitão esperou que todos rissem. Esperou um pouco mais para que o rábula também pudesse terminar de rir. O capitão fazia um esforço adicional para enturmar o rábula nos comportamento normal do grupo, pra ele não se sentir um lobo solitário, perdido na estepe gelada e sem emoção junto com sua turminha de peruca branca.

E o sujeito era o dono do pedaço e também senhor do tempo, prosseguiu o capitão com as lições  de história antiga que lhe tinham sido transmitidas por sinais vaporosos pelo ermitão do monturo. Aqui que entra a questão de como o tempo é relativo. Porque naquele tempo não tinha comunista. Mas uma praga sempre tem de ter, isso é esterno e está no livro. Qual era a praga daquele tempo? As bruxa. Daí o chefão da inquisitória, que era muito culto e esforçado, inventou aquelas geringonça para tirar o capeta das bruxa. Inclusive, só para abrir um parêntese, aquilo foi a inspiração pro Brilhoso trazer essas engenhoca pra cá para curar os comunista, o que muito me orgulha ser o herdeiro, ter em mãos as chave dos tesouro deixado pelo Brilhoso, estão no porão da nau e podemos abrir quando for necessário. Mas eu tava falando das bruxa. Eles pendurava aquelas endiabrada na engenhoca até elas confessar a bruxaria. E isso as vez levava anos, dependendo da força do capeta que tinha entrado nela. Quando saía logo, ela ganhava a bênção e estava salva, saía feliz para nova vida. Mas às vez não saía, ficava cinco, seis,  sete anos pendurada na geringonça, que era uma coisa parecida com o pau de arara que o Brilhoso desenhou e fabricou depois, inspirado naqueles invento genioso da inquisitória. Daí os foguista (que era os profissional de manter as fogueira acesa) iam lá no chefão do medalhão para compartilhar suas aflição, porque eles queriam o bem daquelas pobre mulher.

Chefão Santa Excelência, não sei se era esse o título, mas o cara era grandão, essa bruxa tá sete anos pendurada no pau, é demônio dos teimoso, não é melhor abreviar isso daí e amarrar no pau da fogueira?

Fica frio meus querido irmão, dizia o Santo Excelência, porque ele era macho, por isso não podia chamar de Santa, vocês tem uma ideia errada do tempo, explicava ele com seu eterno saber. Porque esse tempo que vocês mede corre por fora, é o tempo das coisas material, é o tempo ilusório. O tempo verdadeiro é o tempo que corre por dentro, é o tempo do todo poderoso que eu represento, que não tem início nem fim, é eterno. Então, o que são sete anos, doze anos, vinte e quatro anos que seja, de um tempo ilusório comparado com a eternidade? O que essa pobre mulher está sofrendo nesse suplício ilusório do tempo material não é nada se comparado com o que ela vai sofrer por toda a eternidade se não se livrar dos demônio. Ela não sabe, mas nós a estamos salvando. Então fiquem frio, queridos irmão. Vão em paz e continuem o abençoado trabalho de vocês. Daí a bruxa ficava lá pendurada por mais sete, doze anos, porque o que valia era o tempo verdadeiro, o que corre por dentro, que não podia ser medido.

O capitão olhou em torno se todos tinham compreendido a historia até aquele ponto, o que em suma era a proposta a ser levada para o futuro. Notou uma certa apreensão no grupo. O pequeno ancião tomou a palavra.

Temos que saber explicar isso conforme o tipo de gente com quem estamos lidando. Isso que o capitão falou vai facilmente ser compreendido pelas pessoas que estão do nosso lado, que são os cidadãos de bem. Mas tem uma parte do povo, não diria que é culta, mas que tem muita informação. Então temos que cuidar, porque senão nossos argumentos viram contra nós, são muito espertos nisso. Por exemplo, temos que cuidar para, ao defender o centenário, não nos acusem de querer trazer a inquisição de volta.

Bem lembrado pequeno. Tem uma outra razão para mudar a contagem do tempo que tem a ver com a descoberta do eremita do monturo da farsa de que a terra é redonda. Esses dias ele ainda mandou insistentes mensagens sobre a importância disso, todas mensagens vaporosas bem interpretadas pelos cuidadoso trabalho do meu filho. Porque a conspiração comunista nos enredou em inúmeros teoremas que nos aprisionam porque a gente não consegue entender o que eles falam. Daí dizem que é científico, usam uma língua infernal para descrever a coisa, e aí ficamo rendido. Temo convicção de que nós estamos certo, mas os escrito científico é usado como prova contra nós. Então tem que acabar com isso daí, com todas essas coisa impossível de entender. Trazer eles pro plano, pro raso, pra várzea, pro quintal miliciano, aí dá pra ganhar deles. Então essa é a grande sacada do eremita do monturo: a terra é plana. Pronto, acabou a palhaçada. Compreenderam?

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Redação

2 Comentários

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  1. Contra os energúmenos só a
    Democracia absoluta
    Todo caos que vemos na politica, nacional e mundial, é por que tem pouca participação popular. Precisamos de uma reforma politica. O poder é corruptivo, quanto maior o poder maior a corrupção. Por isso que a politica tem que ter um controle maior do povo.
    Legislativo
    A primeira mudança seria no legislativo em seus vários níveis, onde os seus integrantes não seriam mais eleitos e sim sorteados entre os eleitores. Poderíamos começar com 50% do legislativo sendo nomeado desta maneira. A cada 2 anos haveria um novo sorteio para renovação do legislativo.
    Acredito que assim poderia aumentar o interesse do povo pela política.
    Por sorteio, este grupo de parlamentares seria bem heterogêneo, bem representativo da população brasileira.
    Com certeza, 50% destes parlamentares seriam de mulheres.
    Executivo
    Poderíamos eliminar as coligações partidárias. Cada partido apresentaria seu próprio candidato a Presidente, governador, prefeito e seus vices.
    50% do legislativo, o 50% não sorteado, seria eleito proporcionalmente aos votos dados aos candidatos do executivo.
    Para dar mais controle do executivo pelo povo, a cada dois anos haveria um plebiscito para confirmar ou não a permanência do mandatário no cargo. Caso o “não” vencesse seria feita uma nova eleição para aquele cargo.

  2. Primeiro precisamos moralizar o judiciário. Inicialmente criando um movimento para impedir que Moro, Gebran e seus parceiros do TRF4 fiquem impedidos de integrar o STF, plano do Bolsonaro.

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