Coincidências: de Clarice a Drummond

Descobri que Clarice telefonava para Carlos, que por sua vez conversava com Lispector, que mimava Drummond. Ele gostava de ser mimado. E essa afirmação veio dela, que ao poeta o chamava de grande. Ela sempre soube medir as coisas muito bem. E se C. Lispec. sabia mesurar o exato de sentir, como não saberia o que era enorme. Como a enormidade de Carlos Drummond.

Mas estou aqui para contar que descobri esses telefonemas pouco antes de dormir, lendo, sempre lendo alguma claricidade. Clariciando. Porque se algum dia, ela me pareceu talvez um pouco densa, nem tanto, e nem tão hermética como costuma ser pintada pela fama, hoje suas palavras são-me um alívio. Sinal de que converso bem com alguém. Ah! Mas não posso telefonar a você – e certamente me atenderia algumas das suas empregadas, essas às quais tanto mencionastes em escritos – apenas poderei dar-te dedicatórias, como esta, agora.

Claro, já percebi, virei aqui uma das suas tantas leitoras, dessas seguidoras dos seus textos que talvez provocasse em você a escritura de uma crônica no Jornal do Brasil. ¡Mas você não pode mais escrever!, e eu estou conversando com gente morta. Melhor dito, estou dedicando escritos à gente morta. Palavreando demais. Começo a não gostar do lugar em que me encontro neste momento. Esse escrito é meu, e não seu, Clarice. Recomponho-me. Coloco-me num lugar mais adequado, estou aqui agora a escrever, alguma coisa escrevo. Eu-eu estou escrevendo! E onde foi parar o nosso Drummond? Você está tomando conta de tudo, Clarice – provavelmente querendo ser mimada. E aviso logo, não leio Drummond pela sua sugestão de que seja ele uma grandeza poética, senão pela pessoa-grande do meu pai. Ele gosta muito do Drummond. E se bem nunca telefonamos ao Carlos D., e tampouco a você, às vezes, nos telefonamos, eu e meu pai. Escassas conversas. Olha, você venceu! Parece que ando mais de papo com você, C. Lispec., do que com meu próprio pai, e não sei o que essa nossa intimidade quer dizer. Mas é pelo peso do meu pai que tenho lido ferozmente o Drummond, sem ao menos escutá-lo dizer que tanto aprecia o poeta, pois como vês, muito não nos falamos. A distância colabora, mas o silêncio é um modo tradicional de ser na família.

Assim, talvez pelo silêncio que emprestamos um ao outro, eu intuí e comecei a ler Drummond. E assim fiquei mais perto do meu pai. Depois, chegaram mais-e-mais livros do Drummond, e eu nem sabia que meu pai tinha tantos livros do nosso poeta de Itabira, e até um encarte de jornal velho eu ganhei – numa ótima entrevista, Drummond falou do amigo Pedro Nava (quero ler Baú de Ossos), que no dia anterior havia se suicidado. Mas isso não vem ao caso. A coisa aqui era pura e simples, um telefonema de Clarice a Drummond. E com aparentemente tão pouco, encontrei-me com as palavras de um escrito familiar e coincidido, e sinto-me encher de ares por demais joviais. Pareço sentir a descoberta do mundo.  

Redação

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