Consolo na praia

Enviado por Gilberto Cruvinel

Carlos Drummond de Andrade

 

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.

 

Do livro ‘A Rosa do Povo’, 1945

 

foto: Romério Rômulo Campos Valadares

 

Redação

14 Comentários

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    1. A interpretação de Paulo

      A interpretação de Paulo Autran é definitiva e só não me emociona mais do que a do próprio poeta. O coro de cigarras reforça a solidão daquele que está “nú na areia, no vento”.

      O “Nosso Tempo” é o retrato acabado deste tempo de homens partidos, Jota, A mídia conseguiu cindir o país. Mas o povo pobre já aprendeu quem está do lado dele e não vai ser enganado, não vai não.

      1. Ficou bonito!

        Olá, Gilberto Cruvinel, o poema está bem para os nossos dias, parabéns pela escolha!

        Assim que o li, me lembrei deste outro, do nosso grande Carlos Drummond de Andrade. (Elegeremos!)

                                  Elegia 1938

        Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,

        onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.

        Praticas laboriosamente os gestos universais,

        sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

        Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,

        e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.

        À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze

        ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

        Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra

        e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.

        Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina

        e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

        Caminhas entre mortos e com eles conversas

        sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.

        A literatura estragou tuas melhores horas de amor.

        Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

        Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota

        e adiar para outro século a felicidade coletiva.

        Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição

        porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

        http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/elegia.htm

        1. Há um mundo caduco que quer

          Há um mundo caduco que quer acabar com a auto estima do país e até com a alegria e o orgulho do brasileiro pelo futebol e que insiste em virar as costas para o mundo novo. Mas há esse país novo, das boas iniciativas, de uma população pobre que resgatou sua cidadania, porque agora pode organizar sua vida, sua casa, seu pequeno negócio, seu futuro e vai construir um novo país.

          ” Para ganhar um Ano Novo 
          que mereça este nome, 
          você, meu caro, tem de merecê-lo, 
          tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, 
          mas tente, experimente, consciente. 
          É dentro de você que o Ano Novo 
          cochila e espera desde sempre. “

           

  1. lindo demais; quão bela é a magia da poesia criptografada…

    tempo virá em que computadores repletos de poesias iguais serão descarregados numa página vazia, tendo garantidos numa impressora especial, solitária, o sigilo, a autenticidade, a integridade, ficando a irretratabilidade assegurada pela ausência de papel…………………………..

    técnica da chave entre ambos, online, folha em branco

     

    belo trabalho, parabéns

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