Izaias Almada
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
[email protected]

O gato Rambo e o amigo eletrônico (I), por Izaías Almada

Rambo pertencia à primeira ninhada da gata Tixe a nascer na casa da granja. Nasceu rajado. Com ele, vieram o Bola Sete e a Madonna

O gato Rambo e o amigo eletrônico (I)

Conto de Izaías Almada

Rambo, um gato rajado, personagens do Game Boy e Maneco, o motorista da família, compunham o quadro dos amigos mais chegados de Marcelo, numa mescla de sentimentos e atitudes que passavam pela lealdade, o companheirismo e a confiança. Havia os colegas na escola, é verdade, mas esses – por razões óbvias de uma convivência apenas circunstancial – não desfrutavam do mesmo estado d’alma.

Marcelo nascera e fora criado até os dez anos de idade num apartamento da zona sul de São Paulo, mas há dois anos mudara-se com os pais para uma casa da Granja Viana. Uma casa com jardins e quintal onde se destacava, para além das goiabeiras, limoeiros e laranjeiras, um imponente abacateiro com quase cinco metros de altura e em cujos galhos se abrigava por vezes um gambá fujão, frequentador dos galinheiros vizinhos.

A “casa da granja”, como ficou conhecida na família de Marcelo, era uma casa simples e que durante muitos anos fora o “sítio” para os fins de semana do antigo e até então único proprietário. O que encantava na casa eram os espaços verdes à sua volta. O muro estava parcialmente coberto por “unha de gato”, uma dessas trepadeiras de folhas pequenas e muito verdes que aderem facilmente a alvenaria das casas.

Acompanhando a linha do muro, pelo lado de dentro do terreno, plantara o antigo morador uma cerca viva de eucaliptos. Junto à garagem, fazia vista uma primavera de flores roxas e vermelhas. O terreno era inclinado e, da garagem à varanda da casa, subia-se por uma escada de quinze degraus de cimento, largos e espaçosos, margeados por hortências e sempre-vivas. Ao lado dessa escada, estendia-se o gramado sempre bem tratado, o enorme pinheiro de dez metros de altura e um flamboayant adolescente. Por último, num dos cantos do terreno, uma cerca viva de camélias e capim cheiroso servia para disfarçar a presença de um canil.

Assim que a família de Marcelo se ajeitou na nova moradia, foram chegando os gatos, os cachorros, uma tartaruga e dois gansos, sem contar os pássaros já frequentadores do local e um casal de corujas que costumava dormir nos galhos da primavera ao lado da garagem. Viajantes sazonais, também um bando de periquitos costumava frequentar a região e as árvores da casa.

No primeiro aniversário passado na casa da granja, quando completou onze anos, Marcelo ganhou um Game Boy de presente. Apaixonou-se a tal ponto pelo brinquedo, que foi preciso a interferência do pai proibindo-lhe por uns tempos o uso do joguinho eletrônico. Mal sabia o pai de Marcelo, entretanto, que com o castigo fazia despertar no filho uma espécie de pequeno artista ou cientista, ou ainda a mistura dessas duas atividades.

Foram dias e dias consumidos na invenção de histórias e personagens que, na falta material do jogo, a imaginação do pequeno transportava para as páginas dos cadernos escolares. Chegou mesmo a perguntar à  mãe se poderia enviar aquelas histórias por ele inventadas para o fabricante dos jogos no Japão. A mãe sorriu…

Essa primeira incursão de Marcelo no mundo da fantasia eletrônica acabaria por ajudar-lhe (e como!) um ano e meio depois quando os pais, nem bem acostumados à casa da granja, tiveram que mudar-se para outro país. Mas a isso já chegaremos. Antes, vamos conhecer Rambo, o gato rajado e Maneco, o motorista.

Rambo pertencia à primeira ninhada da gata Tixe a nascer na casa da granja. Nasceu rajado. Com ele, vieram outros dois gatos: o Bola Sete e a Madonna. Bola Sete, gordo e brincalhão, tinha o corpo todo negro e apenas as patas brancas, como se estivesse sempre a andar de tenis; Madonna, preguiçosa, dividia em partes iguais o preto e o branco pelo corpo. O trio nascera no inverno, ficando Tixe acomodada numa caixa de papelão dentro da lavanderia, local escolhido à guisa de maternidade, com todo o conforto de que se era possível dispor.

Ao abrirem os olhos e tentarem os primeiros passos de independência, os três gatinhos já definiram a personalidade (ou seria mais correto dizer felinidade?) que os acompanharia dali para a frente: Madonna, a calma e o dengo; Bola Sete, o apego e a graça; e finalmente Rambo, o instinto e a esperteza. Mas os gatos é que escolhem seus donos e, no caso em questão, Rambo escolheu Marcelo como seu interlocutor junto à família. Foi um caso de amizade à primeira vista.

E o motorista Maneco? Nascido no interior da Bahia, Maneco já vivia há mais de vinte anos em São Paulo. Era homem dos seus quarenta e poucos anos de idade, casado e pai de cinco filhos com a primeira mulher e agora um segundo casamento cheio de peripécias. Pessoa de boa índole, bem educado e trabalhador, apesar dos problemas com a bronquite asmática. Tinha uma peculiaridade: era excelente cozinheiro, sendo sua especialidade os “fondues”, salgados ou doces. Mariana, irmã mais velha de Marcelo, estava sempre a requisitar os serviços culinários do Maneco, particularmente quanto ao fondue de chocolate, onde pedaços de frutas eram envolvidos em calda quente de chocolate.

Além dessas qualidades e de exemplar honestidade, Maneco era o sonho de qualquer família cujos pais passassem o dia fora de casa a trabalhar: mostrava-se  cuidadoso e paciente para com as crianças.

Assim, Marcelo levava uma vida comum para os meninos da sua idade, excetuando-se, talvez, o fato de estudar numa escola de período integral. Ficava no colégio das oito horas da manhã até às quatro horas da tarde. Duas vezes por semana fazia natação, tendo desistido do tenis e do judô. Preferia, principalmente com a ida para a nova casa, o convívio com seus animais e com a natureza. Quem já morou numa casa com jardim e quintal sabe muito bem o valor dessas coisas.

          (CONTINUA)

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador