Catástrofes nunca são só locais

Antonina, no litoral do Paraná, em 11 de março de 2011

Durante toda semana logo após o maior desastre natural que se abateu sobre o Paraná, eu fiquei no quartel do Corpo de Bombeiros de Antonina, onde a Defesa Civil instalou o Comitê de Gestão da Crise, como porta voz oficial para a imprensa. Todos os meios de comunicação do Brasil – que adoram a dor e a tragédia humana –  estavam de olho na pequena e pacata cidade de Antonina, que com seus 19 mil habitantes e 363 anos de história nunca tinha sequer imaginado tamanha tragédia.

Até hoje o problema da captação e distribuição de água não foi resolvido em Antonina, porque novos desabamentos todos os dias comprometem as adutoras. Além do bairro Laranjeiras, que fica embaixo do Mirante da Pedra de onde se descortina toda a cidade e a bela Baía de Antonina – e que foi totalmente destruido pelos deslizamentos dos morros – a Defesa Civil teve que evacuar mais 600 famílias de dois bairros: Graciosa de Cima e Portinho. 

No convívio com os bombeiros e o comando da Defesa Civil, conheci verdadeiros heróis. Pessoas que passaram até cinco noites sem dormir trabalhando noite e dia para atender a tensa demanda da população local e regional (todo o litoral foi afetado pelas chuvas do dia 11 e cidades como Morretes, Paranaguá e Guaratuba sofreram uma encente histórica). Um desses heróis, o Tenente Everton, do Corpo de Bombeiros, que havia passado toda a noite de sexta-feira, dia 11, evacuando as regiões das encostas debaixo de um imenso temporal, motivo pelo qual houve somente duas vítimas que retornaram às suas casas, me disse que tudo aconteceu exatamente no mesmo horário da tragédia do Japão. “Penso que tem tudo a ver”, disse ele. 

As tragédias naturais como a da região serrana do Rio de Janeiro, o terremoto e o tsunami no Japão e a do litoral paranaense, realmente não são fatos isolados. Cientistas e ecologistas em todo o mundo têm alertado contra a ignorância das leis básicas da natureza há muito tempo. 

 

Segundo o físico Fritjof Capra, “a ecologia profunda vê os seres humanos como apenas um fio na teia da vida. Reconhece que estamos todos ligados à natureza e somos dependentes dela. Cada organismo — da diminuta bactéria, passando pela vasta gama de plantas e animais, até chegar aos seres humanos — é um todo integrado e, portanto, um sistema vivo.”

“Uma ética ecológica profunda faz-se urgente hoje, especialmente na ciência, já que a maior parte daquilo que os cientistas estão fazendo não preserva a natureza, mas a destrói.”

Acredito que será preciso um enorme esforço para promover a mudança de cultura na humanidade e, em se tratando de ser humano, a tarefa já é impossível na sua própria concepção. A humanidade é a própria catástrofe sobre o planeta.

Há alguns anos escrevi um poema satírico/apocalíptico sobre isso:

 

é tarde demais
o filho do homem
incendiou
a lira

é tarde demais
tânagras sangram
vexando
em vênus

é tarde demais
quatuórviro qual
pústula
na vida

é tarde demais
pouqüidade podre
modorra
nos resta

é tarde demais
a mofa ainda goga
o ícone
do tolo

é tarde demais
os deuses estiarão
voltando
pra casa

é tarde demais
o mar ignorado
dois ágios
encava

é tarde demais
labaredas de sal
derretem
a chama

é tarde demais
o cão ladra, late
o cãozinho
cainha

é tarde demais
o homem novo
semelhante
ao pai

 

Luis Nassif

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