Legislação ambiental corre risco no governo Temer

Ruralistas avançam no Congresso com projetos para construção de hidrovias sem necessidade de licenciamento 
 
 
Jornal GGN – No artigo à seguir, The Intercept Brasil alerta para a mais recente manobra da bancada ruralista no Congresso Nacional que é a apresentação de Projetos de Decretos Legislativos (PDLs) para autorizar a construção de três hidrovias sem necessidade de licenciamento ambiental. 
 
A bancada ruralista é a maior do Congresso e agora, alinhada ao Planalto, ganha ainda mais força, reduzindo o poder de ação dos políticos com consciência ambiental. Os três projetos apresentados pelo grupo pendem autorização para a construção de uma hidrovia no rio Tapajós, duas nos rios Tocantins e Araguaia, e outra no rio Paraguai.
 
“Se aprovados, os eventuais decretos legislativos permitirão que as hidrovias (que exigirão dezenas de dragagens, desvios de leito, destruição de pedrais e outras obras impactantes) sejam construídas independente dos seus relevantes efeitos ambientais e sociais que seriam compartilhados por todos, especialmente pela população indígena da região”, alerta a matéria.
 
The Intercept Brasil
 
Governo Temer atende bancada ruralista e pretende arrasar agenda socioambiental
 
Lobby ruralista apresentou inesperadamente três Projetos de Decretos Legislativos (PDLs) para autorizar a construção de três hidrovias sem necessidade de licenciamento ambiental
 
por Mauricio Torres e Sue Branford, do The Intercept Brasil
 
The Intercept Brasil – Um Congresso Nacional conservador como não se via há tempos alinha-se para aprovar uma enxurrada de normas que, juntas, desmantelarão grande parte da legislação nacional que protege o meio ambiente e garante direito aos povos indígenas e comunidades tradicionais. Um esforço que, ao que tudo indica, se intensificará em 2017.
 
Com legitimidade questionada e cercado de denúncias de corrupção, o governo de Michel Temer tem futuro incerto e duvidoso. Nesse cenário, a bancada ruralista usa uma série de manobras do Congresso para acelerar a aprovação de medidas que representariam o maior revés para o ambiente e direitos indígenas desde o fim da ditadura militar.
 
A última tentativa ocorreu na semana passada. O lobby ruralista apresentou inesperadamente três Projetos de Decretos Legislativos (PDLs) para autorizar a construção de três hidrovias sem necessidade de licenciamento ambiental. Os projetos seriam o PDL 119/2015, no rio Tapajós (em dois formadores, Teles Pires e Juruena); o PDL 120/2015, nos rios Tocantins e Araguaia; e o PDL 118/2015, no rio Paraguai.
 
Se aprovados, os eventuais decretos legislativos permitirão que as hidrovias (que exigirão dezenas de dragagens, desvios de leito, destruição de pedrais e outras obras impactantes) sejam construídas independente dos seus relevantes efeitos ambientais e sociais que seriam compartilhados por todos, especialmente pela população indígena da região. O principal beneficiário das obras será o agronegócio, que terá um meio barato de exportar soja e outras commodities.
 
Raposa tomando conta do galinheiro
Nos padrões do sistema de licenciamento ambiental, obras como essas hidrovias demandariam a elaboração de um completo Estudo de Impacto Ambiental (EIA), documento elaborado de acordo com um termo de referência elaborado pelo Ibama. Entretanto, se os PDL forem aprovados, o EIA das hidrovias poderia ser substituído pelo Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), um estudo elaborado pelos próprios empreendedores – ou seja, pelos maiores interessados na viabilidade da obra, com uma avaliação de impactos e riscos socioambientais muito superficial e que não passa por qualquer processo efetivo de análise técnica por órgãos ambientais e discussão pública.
 
Os ruralista formam uma das maiores bancadas do Congresso, de modo que o máximo que políticos mais progressistas e com consciência ambiental podem fazer é tentar ganhar tempo para que ocorram denúncias públicas e mobilizações da sociedade civil organizada no sentido contrário. Foi o que aconteceu na semana passada.
 
A bancada ruralista havia anexado os PDLs a outro projeto de lei que tramitava pelo Congresso em regime de urgência, para que entrassem rapidamente em votação. O plano era que eles fossem diretamente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) para o plenário. Mas a manobra foi interrompida na última hora pelos deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Nilto Tatto (PT-SP). Eles aproveitaram uma falta temporária de quórum na Comissão para suspender a sessão e “desvincular” os PDLs do processo que corria em regime de urgência.
 
A manobra funcionou e ganhou tempo. Mas os PDLs estão na agenda para a próxima reunião da Comissão, que acontecerá depois do recesso parlamentar, que acaba no início de fevereiro. Se depender das votações nas comissões e, ainda pior, em plenário, não há chance de parar os PDLs. Entretanto, os projetos teriam  impactos ambientais tão amplos — sobretudo para povos indígenas e outras comunidades tradicionais — que uma forte resistência é esperada.
 
Casamento do Congresso com o agronegócio
O deputado federal Nilto Tatto disse ao The Intercept Brasil que, mesmo que o governo de Michel Temer venha a cair em virtude dos sucessivos escândalos, a bancada ruralista continuaria fortalecida: “a bancada ruralista é, hoje, a bancada mais estruturada e organizada do Congresso Nacional”, disse ele. “O grupo ganhou ainda mais força após o golpe que destituiu a presidente eleita Dilma Rousseff. Por seu tamanho e sua força, a bancada ruralista foi fundamental para a votação do impeachment e é fundamental para aprovação, no Congresso, das medidas de interesse do governo”.
 
Embora as manobras do Congressos possam parecer muito distantes da vida cotidiana, as decisões ali tomadas podem ter impactos muito reais sobre muita gente. Veja o PDL 119/2015, por exemplo. Se for licenciada, a hidrovia Teles Pires-Tapajós significará ou a destruição das corredeiras no rio Teles Pires ou a transposição de suas águas para evitá-las.
 
Qualquer opção teria um enorme impacto sobre a vida aquática do rio e todos os complexos sistemas de vida na floresta que dependem da inundação sazonal. Para os índios Munduruku, para quem as corredeiras são sagradas e habitadas por seus ancestrais, significaria, literalmente, o fim de seu mundo. Para eles, a destruição das corredeiras equivaleria dinamitar o paraíso cristão.
 
Mas para outros, a hidrovia faz sentido econômico. O deputado Adilton Sachetti (PSB-MT) propôs o projeto para o Tapajós. Ele é um aliado do ministro da Agricultura nomeado por Temer, Blairo Maggi – também de Mato Grosso, já conhecido como “Rei da Soja”, e cuja família detém verdadeiro império econômico do ramo de commodities agrícolas. Segundo Nilto Tatto, é Maggi quem “articula os grupos que se apossaram do governo na promoção de ações de interesse do agronegócio”.
 
O estado de Mato Grosso, localizado no coração do Brasil, é a principal região produtora de soja do país, mas enfrenta grandes problemas logísticos para levar seus grãos aos mercados da Europa e da Ásia. A via fluvial Teles Pires-Juruena-Tapajós tem como objetivo ajudar a resolver este problema, pois criará um novo corredor de exportação para o norte.
 
Sachetti disse ao Canal Rural que a construção das vias navegáveis era essencial. “Somente cerca de 4% do transporte de cargas no país é feito por hidrovias, enquanto a matriz rodoviária – cara e poluente e de maior risco – é a mais utilizada”, afirmou.
 
Se, na relação custo-benefício da hidrovia equacionam-se os imensos danos ambientais e o etnocídio de povos indígenas, nos benefícios há que se considerar que a via correria paralela à BR-163 (veja o mapa aqui), cuja pavimentação está quase concluída, e de uma ferrovia anunciada recentemente por Michel Temer, a Ferrogrão, que iria de Mato Grosso até o baixo Tapajós, onde a navegação até o rio Amazonas já não encontra trechos encachoeirados.
 
Repetindo Belo Monte
As táticas atualmente utilizadas pela bancada ruralista são muito semelhantes às empregadas em um passado recente, quando o PT de Nilto Tatto, de mãos dadas com o lobby da energia hidrelétrica, valeu-se do mesmo instrumento da PDL para livrar-se de “embaraços socioambientais”. Tratava-se do Decreto Legislativo (DL) 788/2005, usado para autorizar a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Hoje, embora a usina de Belo Monte ainda nem esteja terminada, já é internacionalmente conhecida por seus dramáticos impactos sociais e ambientais, respondendo na justiça por ações que vão desde a mortandade de peixes ao genocídio indígena.
 
Sete anos após sua promulgação, o Decreto Legislativo 788 teve seu efeito anulado pela Justiça Federal. Segundo o Procurador da República Felício Pontes Júnior, “O decreto legislativo que autorizou Belo Monte sem consultar os índios era um verdadeiro monumento da afronta à Constituição. Finalmente, depois de anos de debates, o Judiciário se pronunciou em defesa da lei maior do país e dos direitos dos povos originários”.
 
Entretanto, como sempre acontece, o tempo do rolo compressor que atropela índios, ribeirinhos e a floresta não é o tempo do rito judiciário. A obra ilegal já era fato consumado e o dano ao meio ambiente e aos povos e comunidades tradicionais, irreparável.
 
O Decreto Legislativo 788/2005 concedeu autorizações sem consulta prévia aos povos indígenas e comunidades tradicionais que estão na região a ser impactada, e os PDLs repetem absolutamente o mesmo roteiro de ilegalidade. Não foi realizado qualquer processo de Consulta Livre, Prévia e Informada junto a esses povos e comunidades tradicionais que vivem às margens dos rios, conforme lhes garante o artigo 231 da Constituição Federal, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outros acordos internacionais, como a Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos dos Povos Indígenas e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
 
E isso acontece apenas 11 dias após os desembargadores da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em 2 de dezembro, decidirem por unanimidade a ilegalidade da obra da hidrelétrica de Teles Pires, no rio de mesmo nome, por falta, justamente da Consulta Livre, Prévia e Informada, nos moldes previstos na Convenção 169 da OIT, com os povos Kayabi, Munduruku e Apiaká, atingidos pelo empreendimento. Ou seja, por mais que esteja claro e certo, direitos de índios e outras minorias não se fazem valer.
 
A Amazônia como obstáculo
 
Os decretos legislativos – tanto o passado, quanto os que se pretendem aprovar – são apenas uma pequena amostra do que está por vir. O poder atualmente exercido pela bancada ruralista, aparentemente, fez com que o atual governo considerasse o meio ambiente – e especialmente a Amazônia – não como algo a ser preservado, mas como um obstáculo a ser removido.
 
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Redação

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