Mercados de água: privatização e desigualdade

De proposição do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o PL 495/2017 é mais um passo na agenda ultraliberal e predatória que vem atingindo a economia e a sociedade brasileira desde o golpe de 2016.

do Fala FADS

Mercados de água: privatização e desigualdade

No Fala FADS desta quarta-feira dia 30 de março de 2022 falaremos do tema central do projeto de lei 495/2017 do Senado Federal: a proposta de criação de mercados de água no Brasil.

De proposição do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o PL 495/2017 é mais um passo na agenda ultraliberal e predatória que vem atingindo a economia e a sociedade brasileira desde o golpe de 2016. No caso, propõe-se a possibilidade de transacionar vazões e estoques virtuais ou estimados de água constantes nas outorgas de diferentes agentes, entre sub-bacias da mesma bacia hidrográfica. 

A proposta pode ser considerada grave para qualquer perspectiva de democratização do acesso à água no Brasil.

Em primeiro lugar, indica que as próprias transações entre outorgados pelo uso da água seriam as causadoras da “alocação eficiente” da água na bacia. Com linguajar liberal ortodoxo, o argumento é tão conservador quanto obviamente inócuo; qual bem econômico posto à disposição de quem tem mais recursos poderá ser distribuído “eficientemente” e de forma “justa”?

Em segundo lugar, o texto do PL declara que o princípio dos usos múltiplos da água deve ser suspenso quando forem aplicados os negócios dos mercados de água em uma bacia, bem como em situações de crise e escassez hídrica. Ora, se os usos múltiplos permitem que atividades regeneradoras subsistam, e que diferentes padrões e escalas coexistam, qual seria a coerência mínima em chamá-los de “alocação ineficiente” do “recurso” água? Qual seria a prioridade real dada por mercados de água em caso de crise hídrica? As populações pobres em assentamentos precários? As populações de pequenos produtores agrícolas? As populações tradicionais? Ou a agentes cuja capacidade de pagamento oriente essa “prioridade”?

Em terceiro lugar, o projeto de lei dos mercados de água, embora altere a política nacional de recursos hídricos, reafirma a titularidade pública das águas no Brasil, sutilmente indicando que a transação é pelos direitos de uso, e não pelo recurso apropriado materialmente. Em paralelo, estabelece cobrança de 5% do valor da outorga de uso da água para destinação ao respectivo comitê de bacia hidrográfica. Este recurso, minoritário, seria destinado à enorme tarefa de atualização de dados de monitoramento, mapeamento, identificação de vazões de corpos hídricos e publicação periódica de relatórios de uso da água na bacia. Recai, por um valor minoritário e sobre os comitês, a responsabilidade de geração de dados que as secretarias estaduais de meio ambiente do Brasil nunca conseguiram gerar ou atualizar devidamente, bem como a fiscalização e o monitoramento. Claramente sabemos que, se aumenta a captação e o desmatamento, reduz-se o estoque de água disponível. Isto teria que ser medido praticamente em tempo real, o que não é nem de longe a realidade do Brasil ou de outro local do mundo, na prática. 

Vendem-se estoques virtuais e estimados de água como ativos. Financeirizada por mais um mecanismo, a água bruta deve passar por novos mecanismos e dela derivam novos produtos financeiros e fictícios, como títulos de uso, como o intercâmbio mediante pagamento entre diferentes bacias ou os créditos de exportação de água através de atividades agroindustriais. 

É uma proposição extremamente grave, e que deve continuar a ser criticada e combatida na sociedade brasileira sob o desgoverno Bolsonaro.

Pois esta e outras questões serão debatidas por:

Amauri Pollachi – Mestre em Planejamento e Gestão de Território pela Universidade Federal do ABC (2019). Possui experiência profissional em Saneamento, Recursos Hídricos e Meio Ambiente, com ênfase em gestão e planejamento e em gerenciamento de programas. Atua na linha de pesquisa de Estado, políticas e instrumentos de planejamento e gestão. É Vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, atualmente no exercício da presidência, diretor da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp e conselheiro do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS);

Ana Paula Fracalanza – Professora Associada da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Professora e Ex-Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (Instituto de Energia e Ambiente/USP) e professora do Programa de Pós Graduação em Mudança Social e Participação Política da USP. Participa do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados. Pesquisa temas como governança da água, políticas públicas ambientais e saneamento básico;

Angelo Lima – Doutor em Geografia (UNICAMP), mestre em Planejamento Ambiental (UFRJ); especialista em Gerenciamento de Recursos Hídricos (UFPB) e biólogo (UFRRJ). Trabalhou 5 anos no CEIVAP e quase 12 anos no Programa Água para a Vida do WWF-Brasil. Atualmente ocupa, como consultor, o cargo de Secretário Executivo do Observatório da Governança das Águas;

Edson Aparecido da Silva – graduado em Sociologia pela FESPSP,  mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC; especialista em meio ambiente e sociedade pela FESPSP. Integrou a Coordenação Nacional do Fórum Alternativo Mundial da Água- FAMA; participou em 2012, do “Fórum Alternativo Mundial de Água – FAME 2012”; participou como representante da Internacional de Serviços Públicos – ISP, da 16ª Conferência das Partes (COP-16), em 2010, da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança Climática (UNFCCC);

Juliano Ximenes, arquiteto e urbanista, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA, em Belém (PA);

Francisca Adalgisa da Silva, socióloga e militante do Fórum Popular da Natureza, será a âncora do debate. 

Para anotar na agenda: Fala FADS “Mercados de água: privatização e desigualdade”, nesta quarta-feira, 30 de março, a partir das 18h30, na TV GGN (https://www.youtube.com/tvggn). Para saber mais sobre a FADS, acesse nosso perfil https://www.facebook.com/falafads.

Redação

2 Comentários

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  1. Tasso Jereissati, o senador coca-cola? O Rockefeller do sertão?

    “…qual bem econômico posto à disposição de quem tem mais recursos poderá ser distribuído ‘eficientemente’ e de forma ‘justa’?”

    Ora, todos. Todos os bens econômicos são bens privados, e isso inclui os assim chamados recursos naturais, que são, supostamente, propriedades comunais, geridas pelo Estado. Não estão aí para serem distribuídos equanimemente (a cada um segundo sua necessidade, de cada um segundo sua capacidade), mas para serem comercializados e gerar lucro.

    Lucro, lucro, lucro. Lucro acima de tudo.

    O Estado é privado, e a longa trajetória empresarial e política do senador coca-cola é uma das provas mais eloquentes disso, uma de suas demonstrações mais cabais.

  2. O MODELO NEOLIBERAL DE GUEDES TÁ FALIDO E OS FRUTOS DELE ESTÃO AÍ, MISÉRIA,FOME E SUPER CONCENTRAÇÃO DE RENDA,ESSE É O DEBATE,É AGORA OU NUNCA!O MUNDO NÃO SERÁ MAIS O MESMO,KKKK !

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