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Por que temos tanta dificuldade em acreditar na mudança climática?, por Fernanda Feil e Carmem Feijó

Cerca de metade da população mundial experimenta atualmente grave escassez de água durante pelo menos uma parte do ano devido a fatores climáticos.

Arte Jornal da USP

do Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Por que temos tanta dificuldade em acreditar na mudança climática?

por Fernanda Feil e Carmem Feijó

O Painel Intergovernamental de Mudança Climática – IPCC – acabou de divulgar relatório[1] sobre as mais recentes descobertas científicas sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade no contexto da crise climática. O relatório confirma os piores receios de uma emergência climática planetária caso não consigamos manter o aquecimento global abaixo de 1,5 ºC até 2050. Ele também aponta a mudança climática como um motor central do colapso ambiental do planeta. A extensão e a magnitude da mudança climática são maiores do que os estimados em avaliações anteriores, causando danos substanciais e perdas crescentemente irreversíveis em diversos ecossistemas. Centenas de perdas locais de espécies têm sido impulsionadas pelo aumento da magnitude dos eventos climáticos extremos, sendo que algumas já são irreversíveis, e outras estão se aproximando da irreversibilidade – como os impactos das mudanças hidrológicas resultantes do recuo das geleiras, ou as mudanças em alguns ecossistemas de montanha e ártico impulsionadas pelo degelo do permafrost (camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada).

As mudanças climáticas, incluindo aumentos na frequência e intensidade de eventos extremos, reduziram a segurança alimentar e o acesso à água, dificultando os esforços para atingir as Metas de Desenvolvimento Sustentável. Embora a produtividade agrícola geral tenha aumentado, a mudança climática desacelerou este crescimento nos últimos 50 anos. O aquecimento e a acidificação dos oceanos afetaram negativamente a produção de alimentos provenientes da aquicultura e da pesca. Essa realidade já expos  milhões de pessoas à insegurança alimentar. O conjunto dos 48 países mais vulneráveis contribuíram apenas com 5%  do total acumulado das emissões de gases de efeito estufa e são responsáveis por apenas 2,8% do PIB mundial. Somente em 2020, 15 milhões de pessoas foram desalojadas por desastres climáticos –  de acordo com dados do Climate Vulnerabile Fórum – grupo que engloba as nações mais vulneráveis a mudança climática.

Os efeitos negativos não param por aí. Cerca de metade da população mundial experimenta atualmente grave escassez de água durante pelo menos uma parte do ano devido a fatores climáticos. Esta avaliação científica reafirma como os desastres climáticos já destroem vidas e permanecem especialmente viciosos para os mais pobres e mais vulneráveis – são essas populações que apresentam menor resiliência e são menos adaptadas às consequências da mudança climática.

Diante de tantas evidências científicas – não apenas do IPCC, mas de cientistas, organizações, policy makers, entre outros, ainda relutamos, enquanto sociedade, em acreditar na gravidade e eminência do problema. Predomina a visão imediatista de grande parte de autoridades e gestores econômicos  minimizando (ou mesmo negando) a possibilidade real de que em algumas poucas décadas não conseguiremos sustentar a vida na terra como a conhecemos. À medida em que o negacionismo predomina, a mensagem de políticas extremistas avança, ameaçando regimes democráticos no mundo.

Particularmente no Brasil a crise climática é relegada a um problema em segundo plano. Elevado desemprego e inflação merecem, justamente, a atenção das autoridades econômicas no dia a dia, e recebem destaque nos noticiários. Porém, e aí encontra-se a maior falha,  não são associados a problemas estruturais que os geram. O desemprego crônico e a queda nos rendimentos em termos reais, por exemplo, são decorrentes da elevada concentração de renda e riqueza e da especialização na produção de bens intensivos em recursos naturais que geram pouco emprego e ameaçam o meio ambiente. O processo inflacionário, por sua vez, tem como uma das causas principais gargalos na estrutura de oferta, que revelam nossa falta de segurança nos ramos alimentar, de energia, de suprimentos de produtos médicos, dentre outros. Assim, um planejamento econômico que observe os desafios da transição climática deveria ser a prioridade dos atuais governantes. Teremos falhado enquanto sociedade em não entender que desemprego, inflação, objetivos de política econômica de curto prazo,  e a sustentabilidade ambiental, objetivo de longo prazo no atual contexto climático, andam juntos. É por isso que o recente relatório do IPCC é tão relevante. Deve ser lido com as lentes da necessidade de se planejar o futuro de nossas sociedades considerando as ameaças já colocadas pela degradação ambiental.  

O ano de 2022 é de eleições majoritárias no país. Assim, temos uma  oportunidade enquanto sociedade de  colocar em primeiro plano a questão da transição climática como forma de combatermos de forma eficaz a falta de empregos qualificados, os gargalos de custo de energia, de alimentos, de serviços de saúde e de tecnologia e, por extensão, reduzir as desigualdades sociais. Para tanto, o planejamento econômico qualificado, com bases científicas, deve ser endereçado  de forma transversal em todos as áreas do governo, com coordenação do Estado, seus órgãos e instituições, cooperação com os demais atores da sociedade e Estados Nacionais e com planejamento de longo prazo.

Ironicamente, o Brasil tem todas as condições para incorrer em uma transição verde sustentável – a passagem de uma economia intensiva em carbono para uma com baixa intensidade e que opere de forma mais justa – bem-sucedida. Não apenas porque somos responsáveis pela maior floresta tropical do planeta, como porque contamos com instituições que são capazes de tomar a dianteira nesse processo. O Brasil conta com uma gama de instituições financeiras públicas de desenvolvimento – cinco bancos públicos federais (BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia), três bancos de desenvolvimento regionais, cinco bancos comerciais públicos estaduais e 16 agências de fomento (instituições financeiras não bancárias que atuam de forma similar aos bancos de desenvolvimento). Esse conjunto de instituições deve ser utilizado para financiar a transição verde, orientando os investimentos produtivos e inovadores.

Para além disso, contamos com uma das maiores empresas extratora de petróleo do mundo. A Petrobras, que já foi sinônimo de inovação e investimento em pesquisa e desenvolvimento, pode ser orientada a tomar a dianteira nesse processo, promovendo a tecnologia de fontes alternativas de energia, com a capacidade de gerar enormes efeitos encadeadores para diversificar a cadeia produtiva e a economia nacional.

O Brasil conta ainda com uma rede de universidades públicas – federal e estaduais, centros de pesquisa e entidades de pesquisa que, apesar de subfinanciadas por sucessivos cortes de verbas, podem ser direcionadas a pesquisar inovações e alternativas para a transição verde sustentável. Conta, também, com uma estrutura de Estado que reorientada e revalorizada, pode atuar no sentido de garantir esse processo. Tornar-se um Estado orientado pela missão de realizar a transição verde pode, e deve, ser o caminho para a retomada do crescimento nacional – dessa vez de forma sustentável, com redução das heterogeneidades estruturais, regionais e sociais que enfrentamos desde os primórdios da colonização.

Apesar das incontestáveis evidências científicas de que estamos caminhando para uma crise de múltiplas dimensões e sem precedentes na história, os dirigentes políticos em sua larga maioria, movidos por interesses de curto prazo e populistas, ignoram a realidade da catástrofe que se aproxima. O novo relatório do IPCC é um apelo urgente à ação para proteger as pessoas e comunidades de cada país da crise climática. A ciência é absolutamente clara quanto ao dano e destruição que estão sendo causados à Terra, às nossas sociedades e às nossas economias. É também evidente como os países mais vulneráveis, apesar de terem contribuído menos para o problema, são de longe os mais atingidos. As mudanças na forma como estamos organizados em sociedade precisa mudar. O atual modo de produção e consumo é incompatível com a vida na terra. Essa é a realidade dura e simples. Ou a enfrentamos, ou as consequências serão severas.

Fernanda Feil – pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde e do pós-doutorado do PPGE / UFF

Carmem Feijó – coordenadora do Finde – e professora titular da UFF

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileira (NEB) desenvolve estudos e pesquisas sobre economia brasileira, em seus diversos aspectos (histórico, político, macroeconômico, setorial, regional e internacional), sob a perspectiva da heterodoxia. O NEB compreende como heterodoxas as abordagens que rejeitam a hipótese segundo a qual o livre mercado proporciona a melhor forma possível de organização da economia e da sociedade.


[1] IPCC_AR6_WGII_SummaryForPolicymakers.pdf

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.

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