Qual o futuro da gestão de riscos de desastres? Uma conversa com Lavell e Maskrey

Dois pesquisadores, Allan Lavell e Andrew Maskrey, produziram e seguem produzindo reflexões importantíssimas no sentido de compreender a estrutura da construção social dos riscos e desastres

do Fala FADS

Qual o futuro da gestão de riscos de desastres?

Uma conversa com Lavell e Maskrey

por Rodolfo Moura, Luciana Travassos e Caroline Sales

No fim do ano passado e começo de 2022, mais uma vez, diversas regiões brasileiras sofreram com a deflagração de desastres socioambientais, com destaque para os estados da Bahia e Minas Gerais e, mais recentemente, na Região Metropolitana de São Paulo. Nos noticiários, o foco está na chuva e nos processos (deslizamentos e inundações) que dela decorrem, em que os impactos negativos são considerados quase como inevitáveis para o período. Sim, entender o regime de chuvas é necessário para disparar alertas e acionar planos de emergência, por exemplo, entretanto, o que passa a ser normalizada é a condição da população que está à mercê dessas tragédias anunciadas, os mais vulneráveis. São eles que fazem parte de um cenário precário de urbanização, uma urbanização de risco.

Dois pesquisadores, Allan Lavell[1] e Andrew Maskrey[2], produziram e seguem produzindo reflexões importantíssimas no sentido de compreender a estrutura da construção social dos riscos e desastres e como são tomadas as decisões que buscam enfrentar essa problemática. Em 2014, eles escreveram um artigo intitulado “The future of disaster risk management[3] (O futuro da gestão de riscos de desastres), baseado na reflexão de 21 conhecidos especialistas em risco de desastres, com atuação acadêmica e prática. Algumas das passagens desse trabalho são de grande interesse, uma vez que nele são feitas afirmações que podem nos auxiliar, como sociedade, a compreender que os eventos que estamos vivenciando nesse início de ano no Brasil, e que se repetem historicamente a cada ano, fazem parte de uma escolha de modelo de desenvolvimento territorial e econômico insustentável e predatório.

            Lavell e Maskrey debatem como os riscos e desastres fazem parte da nossa sociedade, porém são colocados como externalidades, como imprevistos, como “castigos divinos”, colocando-nos como espectadores do problema sem muita capacidade de enfrentamento. Os autores afirmam que:

Desastres e riscos induzidos por mudanças climáticas são (…) cada vez mais aceitos como endógenos ao desenvolvimento social e econômico. A Redução do Risco de Desastres (RRD) como paradigma, no entanto, continua a ser impulsionada pela noção cada vez mais desatualizada de que desastres são choques exógenos e imprevistos que afetam os sistemas econômicos e sociedades que estão funcionando normalmente, em vez de indicadores endógenos de desenvolvimento fracassado ou distorcido, de processos econômicos e sociais insustentáveis e insanos e de sociedades mal adaptadas. Sob o verniz tecnocrático da RRD, a visão dos desastres como ‘Atos de Deus’ (ou ‘da Natureza’) ainda ressoa. (…)

O risco tornou-se abstrato e compartimentalizado e sua relação de dependência com os processos de desenvolvimento foi ofuscada. O risco de desastre ainda é considerado uma externalidade a ser gerenciada (…). A tendência para a natureza ser descrita como o ‘inimigo’ nunca desapareceu e agora pode ressurgir, ilustrada por referências animistas como tempestades ‘assassinas’, terremotos ‘assassinos’ etc.”

            A forma como a gestão de riscos de desastres brasileira funciona, predominantemente de maneira reativa em inúmeros municípios, é refletida muito bem nessa outra passagem:

“Em essência, a RRD tornou-se um band-aid que é aplicado ao desenvolvimento, um airbag que infla (muitas vezes tarde demais) quando há uma crise, mas sob outras circunstâncias recebe muito pouca atenção ou financiamento.”

            Isso é exatamente o que vemos ao passar dos anos com os desastres que são recorrentes nos períodos de chuva. Há uma comoção nacional, fortalecida pela mídia, com a demanda de respostas imediatas, em que se busca responsabilizar diretamente uma gestão ou secretaria municipal, sem muito discutir quem são os mais afetados, porque sobrevivem nessas condições, quais alternativas para as cidades grandes, médias ou pequenas, cujos contextos e capacidades institucionais são tão diversos, e como podemos agir de forma comunitária e antecipatória. Na hora do desastre aparecem os governantes e os recursos, quando a tragédia entra em esquecimento, esses somem, e anseiam que na sua gestão outras crises não retornem a ocorrer, mas sem nem mesmo adotarem medidas e ações de redução de riscos.

            Trazemos uma das reflexões finais do texto dos autores, sobre o futuro da gestão de riscos de desastres. É necessário:

“Imaginar uma nova estrutura conceitual para gestão de risco, desenvolvendo arranjos de governança que unam e integrem holisticamente, em vez de isolar o risco, e que enfatizem a prestação de contas e a responsabilidade, identificando práticas de desenvolvimento transformadoras que possam atrair apoio político e econômico e usando redes sociais, educação e tecnologia de ponta como paradigmas para tornar a gestão de risco tão atraente quanto energia limpa, arquitetura verde e cozinha orgânica, essas devem se tornar prioridades para evitar um ponto de inflexão em que o risco de desastres se torne cada vez mais incontrolável.”

Se os desastres de 2010 e 2011 impulsionaram a criação de uma Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, que gerou em seus primeiros anos uma série de ações do Estado, em seus três níveis federativos, com recursos e estruturação institucional, para depois ser enfraquecida e a gestão de riscos de desastres ser praticamente abandonada nos últimos anos; os últimos desastres devem não somente recuperar seus termos e estrutura, mas também e de uma vez por todas construir uma gestão de riscos articulada ao planejamento territorial e, na recuperação do papel do Estado, ensejar a destinação de recursos suficientes para habitação e infraestrutura.


[1] Allan Lavell é geógrafo, nascido na Grã-Bretanha, mas que teve grande parte de sua trajetória profissional na América Latina, com mais de 30 anos de pesquisa dedicados ao tema dos riscos e desastres, foi membro fundador Rede de Estudos Sociais na Prevenção de Desastres na América Latina (LA RED) e ganhador do Prêmio Sasakawa das Nações Unidas para Redução de Risco de Desastres anunciado na 3ª Conferência Mundial sobre o tema, em 2015 no Japão.

[2] Andrew Maskrey, também é um especialista no tema, com trabalhos realizados, desde os anos 80, com destaque para sua atuação no Governo do Peru e Japão, no escritório das Nações Unidas para Redução dos Riscos de Desastres, no IPCC e também na coordenação da LA RED.

[3] Allan Lavell & Andrew Maskrey (2014) The future of disaster risk management, Environmental Hazards, 13:4, 267-280, DOI: 10.1080/17477891.2014.935282

Rodolfo Moura – Engenheiro Ambiental e Urbano, pesquisador do LabGRis da UFABC

Luciana Travassos – Professora do curso de Bacharelado em Planejamento Territorial da UFABC

Caroline Sales – Geógrafa, pesquisadora do LabGRis da UFABC

Redação

1 Comentário

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  1. Lhes escreve José Marcelo -especualista em QQ assunto formado pela Faculdade da Vida de SP-Obs:Talvez eu seja bem …(espaço reservado à sua imaginação!)

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