As memórias de quem conviveu com o historiador Nicolau Sevcenko, na USP

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Jornal GGN – Fruto do ensino público, Nicolau Sevcenko, já ingresso no curso de história da USP, era um aluno exemplar. Seguiu tirando as melhores notas e conquistando os primeiros lugares em concursos pela vida. O brilho extraordinário do historiador falecido no último dia 13 despertava a atenção dos colegas de sala desde 1972. A professora aposentada da USP, Laura de Mello e Souza, resgatou em artigo a memória de alguns fator sobre a trajetória de Sevcenko.

O orgulho de uma geração

Por Laura de Mello e Souza

Nicolau Sevcenko foi um dos mais talentosos alunos da universidade pública paulista, uma de suas estrelas mais brilhantes

Autor de algumas das obras mais significativas da historiografia brasileira nos últimos 30 anos –destaque-se “Literatura como Missão” (1983) e “Orfeu Extático na Metrópole” (1992)–, Nicolau Sevcenko partiu cedo demais, no aziago dia 13 de agosto.

Luto fechado para a comunidade dos historiadores, perda irreparável para a universidade paulista, que recebeu por cerca de três décadas o impacto da sua inteligência fulgurante. Os livros de Nicolau vão ficar para sempre, são clássicos, todo estudioso da história cultural brasileira passou e passará por eles, sempre com encantamento.

Por isso, começo por invocar aqui algo que não se registrou na letra impressa, mas na memória e na sensibilidade de uma geração. Ou, para ser mais precisa, na da turma que entrou no curso de história da USP no começo de 1972 e se formou em dezembro de 1975.

Primeiro, conheci-o à distância, muito claro, a cabeça sempre meio inclinada para um lado, anotando rapidamente. Aos poucos, como tantos colegas, passei a ficar esperando as perguntas que faria no final da aula, inesperadas e originais. Por fim, veio a aproximação, a camaradagem e a amizade –que se estendeu ao convívio fora das aulas, temperado pela admiração ante sua seriedade, seu brilho, suas notas altíssimas. Nicolau foi talvez o aluno mais exemplar da nossa turma, aplicado e responsável, honrando a universidade na qual entrara, vindo do ensino das escolas públicas.

Depois, em 1982, prestamos o mesmo concurso de ingresso e fomos ambos contratados como professores de história moderna no departamento onde havíamos estudado e nos tornado amigos: ele entrou antes, pois tirara o primeiro lugar.

O seu prestígio só fez crescer, as salas de aula lotadas, as listas dos inscritos ultrapassando os limites estabelecidos. Por mais de dez anos dividimos o mesmo escritório, no qual ele atendia atentamente os alunos que faziam fila na porta. Nicolau foi um professor fantástico, deixou sua marca sobre turmas sucessivas de alunos, tanto no ensino secundário –em que começou a atuar ainda estudante– como em duas outras universidades paulistas, a PUC-SP e a Unicamp.

Na década de 1990, migrou para outra disciplina, a de história contemporânea, interessado por assuntos ligados à relação entre a cultura e a técnica. Passamos a nos ver menos, ele sempre efusivo e afetuoso.

Pouco depois, tornou-se professor titular de história da cultura, coroando uma carreira brilhante. Já tinha, então, renome internacional, havia passado pela Universidade de Londres e pela de Georgetown, em Washington. Uma vez aposentado, em 2009, mudou-se para os Estados Unidos, onde atuava, até o momento, como professor titular na Universidade Harvard.

Nicolau Sevcenko desapareceu quando a instituição onde se formou atravessa uma de suas piores crises, parte aliás da que solapa o ensino público no Estado de São Paulo. Conforta lembrar que ele foi um dos mais talentosos alunos da universidade pública paulista, uma de suas estrelas mais brilhantes. Misturando orgulho e pesar, creio que expresso o sentimento de uma geração.

LAURA DE MELLO E SOUZA, 61, é professora aposentada de história moderna da USP e autora de “Cláudio Manuel da Costa – O Letrado Dividido” (Companhia das Letras)

* Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, no domingo, 17 de agosto.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    1. Nicolau

      Tive o prazer de ser sua aluna na PUC-SP, li seus livros, um professor maravilhoso que deixa marcas

      em seus alunos e muitas saudades.

       

  1. Grande Historiador

    Tive o prazer de ler inúmeras obras e acompanhá-lo em diversos Congressos. Um grande nome para a historiografia brasileira.

     

  2. Imensa perda !! Sentiremos

    Imensa perda !! Sentiremos falta de sua generosidade e personalidade singular !! O mundo acadêmico fica mais triste !!

  3. Brilho e doçura

    Fui ouvinte nas aulas dele e às vezes os alunos apresentavam seminários tão medianos. Ao final, ele costurava tudo de forma magistral, elegante. Sem ofender ou machucar ninguém… Aproveitando cada contribuição por menorzinha que fosse. E tudo com tanta doçura, leveza e habilidade. Ele era um mestre do saber viver.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador