Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Vandré, 81 anos. O que diria ele sobre o golpista Temer?, por Armando Coelho Neto

Vandré, 81 anos. O que diria ele sobre o golpista Temer?

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Hoje, o cantor Geraldo Vandré completa 81 anos. Tenho em meu currículo haver propiciado, décadas depois, o encontro entre ele e Solange Maria Teixeira Hernandes – tratada como “A Dama da Tesoura”, durante a Ditadura Militar. Foi numa tarde ensolarada, no prédio da Polícia Federal (Rua Antônio de Godoy, centro de São Paulo). Um conhecia o outro apenas por nome e se apresentaram pessoalmente, com um lacônico “muito prazer”. O curioso é que nem Solange nem Vandré eram mais as mesmas pessoas. E o destino me tornara próximo dos dois.

Solange optou pelo anonimato, fugia do incomodado assédio da imprensa, “sempre com as mesmas perguntas”. Solange era uma técnica por excelência, como seria o Sérgio Moro de hoje, com a diferença de não gostar de holofotes. Sérgio Moro é um instrumento do golpe de 2016, enquanto Solange serviu ao golpe dado. Não sei se isso faz muita diferença, mas Solange não fez proselitismo político, não abandonou afazeres para dar palestras, nem convocou o povo para as ruas para combater a corrupção de um partido só. Solange não era  um Moro ou Joaquim Barbosa.

No anonimato, Solange dizia, “quero cuidar de minha neta e criar galinhas distante de tudo” e tinha uma predileção pela canção “Anos Dourados” de Chico Buarque. Vandré optou pelo anonimato e recolheu-se atrás de uma mesa num escuro apartamento da rua Martins Fontes (centro de S. Paulo). Lá, aquele que sonhava com “flores vencendo canhões”, vive (não vive) longe daquele que outrora embalou passeatas no Brasil ao som de “Caminhando” ou no  Chile, com “Desacordonar”. Vandré abraçou Fabiana (canção dedicada à Força Aérea Brasileira) na qual fala de suas asas reais ou metafóricas “que só tu sabes do meu querer silente”.

Sabe-se que durante o governo Geisel, surgiu um fenômeno dos “terroristas arrependidos”. Caçados pelos militares, eram coagidos a se desdizerem em cadeia nacional de televisão, com a prestimosa ajuda da sempre golpista TV Globo. Num dos mais clássicos “arrependimentos”, aparece o ex-terrorista Massafumi Yoshinaga, que se entregou às autoridades em São Paulo e se arrependeu em cadeia nacional. Depois, por razões desconhecidas, acabou se suicidando. Geraldo Vandré foi um dos obrigados a se “arrepender” em cadeia nacional. Não se matou, mas deixou morrer o cantor, o militante, deixando em seu lugar um poeta silente e arredio.

Em 1982, Vandré chegou ironizar o Ato Institucional nº 05 (13/12/1968), cujo artigo 11º pontuava: “Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos”. O que diria Vandré de então sobre o golpe atual, quando a suposta Suprema Corte pode apreciar os atos e não aprecia? Cala sobre convites coercitivos de Sérgio Moro ou “porandubas” de Gilmar Mendes; sobre os inapreciáveis recursos contra o golpe de 2016. Nesse ponto, tanto os militares da ditadura quantos os justiçamentos do Primeiro Comando da Capitão são bem mais honestos.

No passado, Geraldo Vandré em parceria com Geraldo Azevedo falava de um “um rei mal coroado, que não queria o amor em seu reinado”. Qualquer semelhança com o usurpador da Faixa Presidencial é uma conjugação de farsa e tragédia de que falou Karl Marx. Afinal, nos quarteis da assassina Polícia Militar de São Paulo, já ensinam uma nova lição, a de “matar pela Pátria e viver sem razão”. Que Pátria? A dos que se vestiram de verde e amarelo para vender o país, na qual um tribunal de ladrões condena sem crime uma inocente.

O que diria o Vandré do passado de tudo isso? Talvez revidasse “com cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”. Ou quem saber dissesse que “O terreiro lá de casa, não se varre com vassoura; varre com ponta de sabre, balas de metralhadora”. Nesses tempos de desigualdade de forças, de violência cínica, no qual clamar pelo direito e democracia são tratados por “mi mi mi mi”, as metáforas de Geraldo Vandré fazem muita falta.

A única homenagem pelos seus 80 anos, em 2015, foi neste GGN. Hoje, quando mais um se soma, o pais que grita Fora Temer seria bem mais feliz se um coral de desavisados invadisse as ruas para entoar canções como “De como o homem perdeu seu cavalo e continuou andando”, Frevo de João Pra Maria, sonhando com as Terras de Benvirá!

Armando Rodrigues Coelho Neto é advogado e jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

19 Comentários

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  1. Gosto muito dos textos do Sr.

    Gosto muito dos textos do Sr. Armando Rodrigues! Sempre perspicaz e consciênte dos meandros desse jogo sujo capitaneado pelos EUA e colocado em prática pelos senhores Moro, Cunha, Temer e Gilmar Mendes.

  2. Eu, que passei décadas me

    Eu, que passei décadas me perguntando por onde andava Vandré, tive uma decepção fenomenal ao vê-lo na entrevista da Glbo News com Gedel, morto há poucos meses. Nunca imaginei rever Vandré negando que fiera músicas de protestos, ou que Caminhando nada tinha a ver com protesto, mesmo sabendo, pois ele sabe, que essa sua música já pode ser considerada um hino pelo significado que teve quando nós precisávamos nos libertar, nem que fosse só cantando alguma coisa, e aquela música, que superou todas as outras de mesmo teor, é e será sempre histórica.

    Ver Vandré ouvindo militares cantando sua música-hino, e de braços dados com os que o ajudaram a sair de cena, masi pareceu para mim uma cena patética, inexplicável. 

    Houve tempo em que ouvira falar que Vandré tinha sido castrado, outros diziam que ele havia morrido. O fato é que ele desapareceu, deuxou de fazer músicas e de cantar, e até de aparecer para a felicidade de todos que sentiam sua falta. 

    O que aconteceu a Geraldo Vandré para essa mudança radical de posição em relação aos anos de chumbo? Essa pergunta permanecerá enquanto ele, o próprio, não nos der uma resposta convincente.

    O mais importante, mesmo, é que Caminhando não morreu, e permanecerá sendo, por todas as gerações a música-hino desse grande compositor e cantor, hoje mudo sabe-se lá porque.

    1. Ouça seu ultimo disco

      Ouça o seu ultimo disco gravado na França quando estva exilhado, Nas terras do bem virá, e entenderas o que aconteceu com Vandré.

       

  3. Eu, que passei décadas me

    Eu, que passei décadas me perguntando por onde andava Vandré, tive uma decepção fenomenal ao vê-lo na entrevista da Glbo News com Geneton, morto há poucos meses. Nunca imaginei rever Vandré negando que fiera músicas de protestos, ou que Caminhando nada tinha a ver com protesto, mesmo sabendo, pois ele sabe, que essa sua música já pode ser considerada um hino pelo significado que teve quando nós precisávamos nos libertar, nem que fosse só cantando alguma coisa, e aquela música, que superou todas as outras de mesmo teor, é e será sempre histórica.

    Ver Vandré ouvindo militares cantando sua música-hino, e de braços dados com os que o ajudaram a sair de cena, masi pareceu para mim uma cena patética, inexplicável. 

    Houve tempo em que ouvira falar que Vandré tinha sido castrado, outros diziam que ele havia morrido. O fato é que ele desapareceu, deuxou de fazer músicas e de cantar, e até de aparecer para a felicidade de todos que sentiam sua falta. 

    O que aconteceu a Geraldo Vandré para essa mudança radical de posição em relação aos anos de chumbo? Essa pergunta permanecerá enquanto ele, o próprio, não nos der uma resposta convincente.

    O mais importante, mesmo, é que Caminhando não morreu, e permanecerá sendo, por todas as gerações a música-hino desse grande compositor e cantor, hoje mudo sabe-se lá porque.

    1. COERÊNCIA

      Talvez nossa incoerência seja buscar coerência onde ela não existe. Geraldo é um mistério político, social, psicológico que poderá render muitas teorias e teses. Como diria Caeteano, “onde queres revolta eu sou coqueiro”.

  4. Desmistificando Vandré

    Não creio que Vandré foi torturado ou passou por algum processo de dominio da mente. Há entrevistas dele e de outros músicos que o acompanhavam na época, como Hermeto Pascoal, que contam uma outra história. Vandré, ele próprio fala que quando fez a canção: “Pra não dizer que falei das flores”, estava do alto de um prédio observando a marcha e dali inspirou a canção e nem se quer desceu para ajuntar aos intelectuais que marcharam de  braços dados. Depois do exilio, Vandré pensou que voltaria como um herói, mas encontrou um Brasil pobre, pessoas desmotivadas como nos dias de hoje, sem uma visão política sequer e dominada pelo sistema que sobrevive e vive até hoje –  A REDE DE ESGOTO e seus asseclas. Pensando que a boina de Fagner os fariam novos Guevaras, haveria muito sangue a esvair pelo chão se entrasse nessa furada, Fagner foi para a direita e Vandré se calou com a sua história e arrogância. Temos mais Buarques vivo do que Vandrés escondidos e sóbrios. 

    1. CESAR SALDANHA

      Existem dois Vandrés. Um de antes e um de depois do exílio. Quem ouve as músicas de Das Terras de Benvirá vê nelas um trágico lamento, uma dor lascinante. Vandré, literalmente chora nessas canções. Jamais ousaria fazer uma leitura profunda tanto do antes, quanto do depois. Falo do Geraldo com  quem convivi no mesmo prédio durante duas décadas e não avanço em comentários em respeito ao silêncio dele.

      Longe de mim querer transformá-lo em herói. Mas, suas letras naquele tempo incomodavam muito os mllitares. 

      Quanto a Chico Buarque, agregaria a ele Sergio Ricardo, Gonzaguinha e outros que, com poesia e ousadia usaram sua arte para questionar essa sociedade hoje, assumidamente, de R 1,99.

  5. O PASSADO CONDENA?

    Acho que o autor está sendo injusto com GERALDO VANDRÉ.

    Conheci-o pessoalmente lá por 1992, em Imbituba, Santa Catarina.

    Um amigo comum insistiu que eu fosse até ele no hotel que se hospedara, junto minha esposa e meu filho.

    Geraldo foi gentil o tempo todo, usava rabo de cavalo e salvo forte engano trabalhava para o governo em alguma missão técnica como meio ambiente ou medição de terras. Fez perguntas a meu filho que tinha uns 10 anos e até deu alguns conselhos paternais.

    Parecia que eu estava falando com um “bíblia” e não com o artista que incendiou o Maracanazinho em 1968 com sua revolucionária SOLDADOS ARMADOS AMADOS OU NÃO – QUEM SABE FAZ A HORA NÃO ESPERA ACONTECER… (quem não conhece a letra, ou a esqueceu, busque ali no Google).

    Vandré foi perseguido, teve que fugir, deixou de compor e refez sua vida no anonimato, longe dos grandes centros e da imprensa.

    Cobrar dele alguma posição hoje é atribuir a outros a missão daquilo que nós é que devemos fazer.

    Fora isso o cidadão deixa de ser cidadão e passa a ser um reles cobrador.

    1. INJUSTIÇA – TORTURA – RESPEITO

      Não sei em que ponto fui injusto com Vandré. Acho, sim,  que alguns comentários feitos aqui sofram injustos, cheios de cobraças. Sabemos pouco sobre Vandré. Mas a sua obra fantastica é uma referência. Por ela merece ser reverenciado.

      Quanto a ter sido torturado ou não, para mim ele negou isso. Mas, conheci, dentro da Policia Federal, uma servidora administrativa que disse que ele foi, sim, torturado. Mas, nunca pude chegar essa informação. 

      Tenho um grande respeito pela pessoa e pelo artista Geraldo Vandré.

    2. INJUSTIÇA – TORTURA – RESPEITO

      Não sei em que ponto fui injusto com Vandré. Acho, sim,  que alguns comentários feitos aqui sofram injustos, cheios de cobraças. Sabemos pouco sobre Vandré. Mas a sua obra fantastica é uma referência. Por ela merece ser reverenciado.

      Quanto a ter sido torturado ou não, para mim ele negou isso. Mas, conheci, dentro da Policia Federal, uma servidora administrativa que disse que ele foi, sim, torturado. Mas, nunca pude chegar essa informação. 

      Tenho um grande respeito pela pessoa e pelo artista Geraldo Vandré.

  6. O silêncio e a virada de

    O silêncio e a virada de Vandré, ao voltar do exílio, aumentaram a rede de boatos sobre ele. Mas como ele mesmo afirma, não foi torturado. Por medo ou arrependimento fez um acordo com os militares, de que saiu a tal “Fabiana”. Há quem fale em distúrbio mental, como esquizofrenia. De todo modo, “Das Terras de Benvirá”, seu belo LP do exílio, de 1973, foi seu último, e é de uma deprê terrível.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=BMg9AXQkRiE%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=P2meimIHGsE%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=k3VjBL443vA%5D

  7. Que crônica!

    Como todas as outra que este senhor nos brinda. Obrigado.

    O que temos de Vandré é aquela brilhante música. Que ele a tenha negado, pouco importa, seria massacrado se não o fizesse.

    Feliz aniversário Vandré, obrigado.

     

  8. A crônica é boa. E Vandré continua um mistério.

    Prezados,

    Os artigos e crônicas de Armando Coelho Neto são sempre interessantes, provocadores, instigantes. 

    Não conheço pessoas próximas a Geraldo Vandré, de modo que não posso emitir opiniões sobre a vida pessoal dele. Mas pelo que  foi publicado acerca da carreira artísitica e militância política, Vandré continua uma incógnita. Versões díspares, contraditórias sobre a personalidade e convicções políticas desse artista já foram publicadas. Seria muito interessante se algum jornalista digno desse nome fizesse uma entrevista com Vandré, antes que ele morra, já que é octogenário.

    Sou de uma geração bem posterior à de Vandré; nos estertores da ditadura, o chamdo ‘rock brasileiro’ surgiu como se fosse a rebeldia de uma classe média. Várias bandas e cantores surgiram por todo o País, entoando letras supostamente de protesto contra aquele regime autoritário e decadente: Ultraje a Rigor, RPM, Legião Urbana, Lobão, etc… Hoje sabemos que muitos dos que escreveram algumas daquelas letras que cantávamos na adolescência são verdadeiros embustes; Roger Moreira e Lobão são os exemplos acabados dos nazifascistas e reacionários que se aproveitaram daquele momento para ganhar dinheiro às custas dos adolescentes e jovens que compravam os discos deles e que iam aos shows.

    O que posso dizer é que nem sempre, ou quase nunca, o artista e o militante político andam juntos e/ou mantêm a coerência. Para cada Chico Buarque, encontramos quatro ou cinco Caetanos; e estes, embora de talento artístico e literário indiscutíveis, nem sempre se mostram coerentes ou confiáveis em termos  sociológicos, históricos ou políticos. Como bom mineiro, sou admirador de toda a turma do Clube da Esquina (1ª, 2ª e 3ª fases), mas polìticamente vários desses brilhantes artistas se mostram liberal-conservadores, por vezes até reacionários; os irmãos Brant são um exemplo. Quase toda a turma do Clube da Esquina apoiou o picareta do Aécio Cunha, desde quando ele se lançou candidato ao governo de MG pela 1ª vez.

    Do que eu disse acima duas conclusões podem ser tiradas. A primeira é que não devemos idealizar os artistas que admiramos, pois eles não são perfeitos, como nenhum de nós o é. A segunda é que existe um limite aceitável para as divergências; podemos e devemos aceitar quem tenha posições político-ideológicas diferentes das nossas, mas não podemos compactuar com a grosseria, o ódio, o nazifascismo, que se tornaram a marca de alguns pseudo-artistas, como Roger Moreira e Lobão.

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