A armadilha do telejornalismo, por Mario Marona

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A armadilha do telejornalismo

por Mario Marona

Lira Neto foi enganado por uma emissora de TV. Deu entrevista e suas declarações foram manipuladas para servir ao propósito de uma pauta cuja intenção ele desconhecia.

Sabe qual é a novidade disso? NENHUMA.

No mundo inteiro, não sei, mas no Brasil é assim que se faz TV e telejornalismo. Sempre foi.

A fonte interrompe seu dia de trabalho, se arruma, se prepara, recebe os jornalistas gentilmente, quando não é levada ao desconforto de encontrá-los em outro local, capricha nos seus argumentos para ser entendida, concede uma entrevista de cinco a dez minutos e, quando assiste ao telejornal, mais tarde, fica chocada ao perceber que, de tudo o que falou, usaram uma frase, curta, incompleta e, não raras vezes, secundária em relação às suas ideias ou, pela maneira como foi editada, até contrária ao que ela realmente pensa.

Por que isto acontece?

Por falta de caráter, mesmo; por abuso e arrogância dos jornalistas; por puro exercício de poder; ou, e aqui cito uma hipótese mais inocente para o jornalista, por causa da síndrome dos 2 minutos, que é o tempo máximo que acham que um VT pode ter antes de causar enfado em quem o assiste, segundo as teorias do telejornalismo, que costumam desconhecer o fato de que assunto bom e tratado com competência pode, sim, segurar a atenção do telespectador.

Embora tenham atendido a outro tipo de programa, Lira Neto e seus colegas historiadores foram apenas mais três ou quatro vítimas do jornalismo de televisão praticado no Brasil. A maioria nem tem a quem reclamar.

Eis o artigo de Lira Neto.

na Folha

Produtora e History armaram truques para criar série sobre história do País

por Lira Neto

Eles não são apenas politicamente incorretos, são também intelectualmente desonestos, eticamente deploráveis.

Meses atrás, fui abordado por um certo Matheus Ruas, diretor e roteirista da produtora Fly, que me disse estar “produzindo um especial sobre história do Brasil” para o History Channel. Queria colher meu depoimento sobre temas relacionados aos livros que escrevi.

Solícito com repórteres e documentaristas que me procuram, disse que poderia recebê-lo dali a alguns dias, em minha casa, para conceder-lhe a entrevista. Após uma troca de e-mails, combinamos a data. Mal podia imaginar que, com isso, estava caindo em sórdida arapuca.

Recebi Matheus na sala de casa. Sem me dar conta, abria gentilmente a porta para uma das situações mais constrangedoras de minha trajetória pessoal e profissional. Mas, isso, só constataria meses depois.

Naquele momento, apenas estranhei a forma com que o entrevistador me pediu para responder às questões: “Nosso público-alvo é alguém com a inteligência do Homer Simpson”, explicitou, referindo-se ao personagem abobalhado de desenho animado, símbolo da idiotia. “Responda como se estivesse falando para ele”, pediu-me.

Disse-lhe que jamais faria isso. Compreendia que estava concedendo uma entrevista para a TV e que, pela natureza do veículo, seria didático. Mas, acrescentei, não costumo confundir didatismo com reforço à estupidez. Com isso em vista, respondi a todas as questões, com paciência e cortesia.

Estupefato, na semana passada, fiquei sabendo que minha fala seria incluída, de modo ardiloso, em uma série intitulada “Guia Politicamente Incorreto”, baseada nos livros do jornalista Leandro Narloch. Se tivesse sido informado disso previamente, não teria concedido a entrevista.

Considero tais livros um desserviço ao público jovem, alvo prioritário deles. São simplórios na argumentação, falaciosos na utilização das fontes, pródigos em promover estereótipos e sedimentar preconceitos contra minorias historicamente marginalizadas.

Imediatamente, tratei de exigir explicações dos responsáveis. Após apelar para o cinismo e tentar dizer que tudo não passara de um “mal-entendido”, o diretor foi desmascarado pelos fatos. Outros entrevistados, como as historiadoras Lilia Schwarcz, Isabel Lustosa e Mary Del Priore, assim como o jornalista Laurentino Gomes, revelaram que tinham sido vítimas da mesma armadilha.

Por e-mail, o diretor prometeu a todos os ludibriados que retiraria as respectivas participações da série. Ao longo da semana, tentei cobrar do executivo da produtora, Tiago Schenk, e da diretora de conteúdo do History, Krishna Mahon, o cumprimento da promessa.

Nenhum dos meus e-mails ou telefonemas obteve retorno. Até o instante em que escrevo este texto, deram-me o silêncio como resposta.

O próprio Narloch sentiu-se compelido a vir a público, pelas redes sociais, para dizer que estava “frustrado” com a história. Afirmou não saber que havíamos sido enganados. Concordava com o pedido dos atingidos para que fossem retiradas as respectivas entrevistas do programa. Contudo, alegou, tudo havia sido feito em nome de promover “um debate elegante sobre temas delicados”.

Quem assistiu aos primeiros episódios constatou que não há elegância ou debate naquilo. A presença e o nome de pesquisadores sérios estão sendo utilizados, na edição, apenas para legitimar e corroborar uma narrativa tendenciosa, “politicamente incorreta”. Por si só, a palavra “guia”, do título, não deixa margem para dúvidas: sugere condução, viés, predefinição de rumo.

Não poderia haver maior confissão de culpa do que o momento no qual o apresentador, um youtuber, Felipe Castanhari, anuncia: “Esta série será baseada no best-seller do Leandro Narloch”.

Em seguida, comenta, como se estivesse falando para os bastidores: “Será que é melhor não falar do Narloch?”. Na imediata sequência, uma imagem de Leandro Narloch aparece em cena, gargalhando, sugerindo escárnio.

Isso não é ser só politicamente incorreto. É demonstrar falha de caráter. Os recursos gráficos irônicos e a edição das falas feitas pelo diretor da série confundem, de propósito, o bom-humor com o deboche, a informação com o entretenimento, o debate de ideias com o polemismo raso. Por meio de linguagem moderninha, vendem velhas ideias.

 

Em um único momento, pelo menos, houve sinceridade: quando o diretor me disse que o público-alvo deles era o Homer Simpson.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Como é chato.

    Olá Colegas. Infelizmente, este notícia despertou mais curiosidade do que solidariedade. Assisti dois episódios. Chatos. Em alguns momentos asquerosos. Em outros até curiosos. Bem produzido. Chato. Chato em várias dimensões (não apenas em duas como seria a Terra plana, achatada. Chato por que é raso em conteúdo. Chato porque é vulgar. Chato porque não tem contraditório mas também não tem narrativa. Tão chato quanto whaisup de familia. Chato porque demora para acabar. Tão chato que se não houver um propósto, a gente muda de canal. Chato porque tem um excesso de decbéis. Sabe um email todo em letras maíusculas? Não é chato? Chato.

  2. politicamente salafrários

    Aos  frequentadores e participantes  desse blog, peço que me desculpem por esse palavreado, mas é que não existe outros termos para explicitar o caráter desses pseudo jornalistas: canalhas de curto intelecto e  desconhecedores do significado das palavras  moral e ética.

    Taí a confissão do que eles pensam sobre os brasileiros. O pior é  que sabem que realmente existem os tais  “Homer Simpson”.

    Ou não foram eles que  tiraram das mãos das suas  “empregadas domésticas”  as panelas das cozinhas gourmet para baterem?

    Ou não foram eles que foram comer frango e batatas fritas oferecidos pelos mais expertos, na avenida paulista  pedindo para que o tal tio(deles, os otários) sam invadisse o Brasil e “nos livrasse do comunismo”?

    Ou não foi um deles, nesse caso uma deles, que desconhecendo a história da imigração japonesa, demonstrou toda a sua ignorância e babaquice ao apontar para a  Bandeira daquele país bradando que era a futura bandeira do Brasil que seria implantada pelos comunistas?

    Ou não foram eles que criticaram o “comunista”  Haddad por ter pintado as ciclovias de vermelho?

    Os  brasileiros de boa fé, como não conseguem medir esses salafrários pelas réguas dos mesmos, acreditam neles e geralmente se dão mal.

    Não foi o primeiro e nem será o último. Lembram do “repórter” da folha que ao entrevistar o Batiste, armou todo o cenário colocando uma garrafa de bebida na mesa, e “esquecendo”  tudo que ele disse, escreveu sobre  “a boa vida”  do mesmo no Brasil?

    Como disse o Requião, uma vez canalha. . .

     

  3. Legislativo, imprensa e judiciário

    Legislativo (vereadores, deputados e senadores), Imprensa – mídia (tv, rádio, jornais e periódicos) e Judiciário, é difícil saber o que é pior neste país. Nisso somos campeões em má qualidade.

  4. armadilhas do telejornalismo

    Creio que os historiadores devem ficar mais espertos ao dar entrevistas.Eles devem saber oq ue é o History Channel. Saber para que e para QUEM se dá entrevista é primordial,não é?

  5. Todas as pessoas que eu
    Todas as pessoas que eu conheço, que assistem telejornalismo, e acreditam no que vêem, são, intelectualmente, iguais ao Homer Simpson.

  6. História pode ser didática sem ser chata

    Recomendo o canal no youtube “não vai cair no enem”. è feito pelo Eduardo Bueno, o Peninha. Vídeos de 8 minutos, sobre fatos determiandos da história brasileira, ma ensinados de forma correta,  se atendo ao principal. Razoavelemtne engraçado, muito interessante e instigante.

    Nem todos suportam auas de história técnica e maçante. Nestes casos, vídeos como os do peninha são muito bons e de boa qualdiade.

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