A Consultoria Tendências e a torcida contra a Classe C, por Arthur Gandini

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A Consultoria Tendências e a torcida contra a Classe C, por Arthur Gandini

notícia da edição do último domingo (1º) pelo Estadão – disseminada para outros veículos por meio de sua agência de conteúdo – sobre a possibilidade de retorno de 3 milhões de famílias da Nova Classe Média para as classes D e E é uma interessante lição sobre a esquizofrenia da grande imprensa econômica brasileira e de certos economistas de consultorias e ligados ao mercado financeiro.

Segundo estudo, 3,1 milhões de famílias da Classe C (renda média de R$ 1.958 a R$ 4.720) devem cair para as classes D e E (renda até R$ 1957) a partir deste ano até 2017. A estimativa leva em consideração uma queda de 0,7% da economia brasileira no período, conforme a massa real de rendimentos, que inclui a renda do trabalho, a Previdência e o Bolsa Família (como destaca, desse modo, a reportagem).

Já que Dilma seria a maior culpada pela atual crise econômica, logo pode ficar subentendido que ela é responsável por anular os próprios feitos dos governos petista ou que estes são efêmeros e de curto prazo. Rendem raciocínios como este, de um leitor que comentou a reportagem no site do Estadão: “Esta é a comprovação inquestionável que a única forma tirar o povo da miséria é a estabilidade econômica, o Bolsa Família só vicia o povão na vagabundice. A Dilma é a maior carrasca do povo brasileiro, levou o povo brasileiro para a miséria, e ainda quer aumentar a carga de impostos para cobrir os absurdos gastos do desgoverno petista.” Para a doutrina ortodoxa, é justamente a estabilidade econômica a salvadora dos grandes males, mas aquela que jamais pode vir separada do enxugamento supremo dos gastos públicos e sociais para cumprir metas como o superávit primário (o pagamento dos juros da dívida pública aos banqueiros).

Um provável retorno das famílias que subiram de renda durante o segundo Governo Lula para classes mais baixas é uma reflexão necessária, sim, sobre a eficácia de promover programas sociais se, posteriormente, o governo optar, como faz hoje,  por fazer os mais vulneráveis pagar pela crise por meio de um ajuste fiscal, e não por políticas anticíclicas de incentivo ao consumo, tal como foi feito em 2009. A atmosfera gerada com as consequências das escolhas do governo, entretanto, trata-se de uma manipulação da análise econômica e de suas origens políticas por parte dos jornalões e dos economistas ditos neoliberais.
O estudo, a matéria e suas fontes

O título manchetado na edição do Estadão “Crise devolve 3 milhões de famílias à base da pirâmide” já induz a um entendimento errado e é fruto da discussão jornalística de se noticiar um fato no tempo presente para evitar uma expressão como “pode devolver”, por exemplo, no título, já que a ideia de possibilidade traz consigo menos força de notícia ao fato. O problema é que as famílias estarem voltando às classes D e E ou voltarem até 2017 não corresponde a realidade, ou, pelo menos, conforme o que é informado no estudo. Não são oferecidos números sobre quedas de classe já ocorridas nesse ano. A projeção trata-se de uma estimativa entre 2015 e 2017 com base em uma estimativa sobre a queda do rendimento das famílias.

O título é o primeiro a ser visto pelas pessoas que passam pelas bancas de jornais ou que pegam seus jornais para ler. Muitas não continuam a ler a reportagem, mas já formam sua opinião com base na informação do título. A capa do jornal continua com texto de prévia da reportagem: “A recessão derrubou parte da nova classe média brasileira para a base da pirâmide social. Entre 2006 e 2012, no auge do consumo, 3,3 milhões de famílias subiram um degrau, da classe D/E para a classe C, e passaram a ter acesso a produtos e serviços como plano de saúde, ensino superior e carro zero. Agora, elas começam a fazer o caminho de volta. De 2015 a 2017, 3,1 milhões de famílias da classe C devem migrar para a classe D/E, revela estudo da Tendências Consultoria Integrada.(Economia Pág. B1)

O sinal de alerta para a neutralidade no pano de fundo da reportagem já acende ao se saber que o estudo foi produzido pela Tendências. A consultoria – que divide a liderança do mercado de análise econômica com a LCA Consultores – foi fundada por Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no Governo Sarney que deixou o cargo com uma inflação de 80% ao mês, mas continuou a aparecer na mídia ao dar entrevista a quem lhe aparecesse pela frente, não importa o desespero do repórter econômico. Era o que os jornalistas chamam de uma fonte para todas as horas, a que você sabe que sempre irá lhe atender quando precisar fechar uma reportagem. O resultado foi a criação da consultoria de sucesso que emplaca hoje seus economistas por meio de artigos e entrevistas na mídia. Em pesquisa que fiz para a minha monografia “Copo meio meio, meio vazio: a neutralidade na cobertura econômica dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo (Download: https://goo.gl/XHqTtD)”, verifiquei que muitos deles publicam artigos nos cadernos de economia dos dois jornais, dão entrevistas e são ligados ao pensamento de oposição conservador da política nacional. Pertencem ao Instituto Millenium e são ligados ao mercado financeiro, já tendo trabalhado em bancos ou estudado em instituições voltadas para às finanças e para o pensamento ortodoxo.

Digamos que a Tendências não está exatamente na lista das consultorias que se posicionaria contra a presidente Dilma Rousseff fazer um ajuste fiscal a todo custo na economia. Entretanto, Adriano Pitoli, sócio da consultoria e responsável pelo estudo, lamenta-se pelo o que são possíveis consequências do ajuste. “A mobilidade que houve em sete anos (de 2006 a 2012) deve ser praticamente anulada em três (de 2015 a 2017). Estamos vivendo, infelizmente, o advento da ex-nova Classe C”, afirma Pitoli como um profeta apocalíptico do governo Dilma.

Um jornalista possui o dever de deixar a reportagem o mais neutra possível. O principal modo de fazer isso é por meio da pluralidade de suas fontes, ao mostrar o maior número de lados sobre um determinado fato. Em uma reportagem de economia, isso consiste em entrevistar economistas de diversas correntes de pensamento econômico, como um neoliberal, um desenvolvimentista, um keneysiano, um marxista; ou de diversas origens, como um economista de banco, um ligado à industria, a um sindicato e um acadêmico, por exemplo.

A reportagem das jornalistas Anna Carolina Papp e Márcia de Chiara entrevistou, ao todo, quatro fontes. São elas:

– Adriano Pitoli (sócio de uma consultoria ligada ao pensamento ortodoxo)
– Mauro Rochlin (economista do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, mas creditado na reportagem como professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas)
– Maurício de Almeida Prado (sócio-diretor da consultoria Plano CDE)
– Myrian Lund (professora da FGV e planejadora financeira)

As demais fontes entrevistadas apenas reafirmam na continuação da reportagem a provável queda de classe das famílias e refletem sobre o caráter dessa classe e como elas podem tentar se proteger da crise sob o ponto de vista das finanças pessoais.

É desse modo que a imprensa acaba por atuar em duas frentes: a manutenção de um mesmo discurso sobre os rumos da economia e um bloqueio para qualquer questionamento ou vazão de alternativa ao mainstreamneoliberal.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. Otima argumentação. Mas com

    Otima argumentação. Mas com inflação de 10% ao ano, alto endividamento das famílias e desemprego, não é óbvio que não somente a classe C e D, mas toda a população brasileira está empobrecendo?

    Ou seja, ataca-se o mensageiro na falta de argumentos para responder a situação calamitosa da economia brasileira. Poderia-se atacar Levi, mas houve de fato ajuste fiscal? Que ajuste, se tudo foi barrado no congresso e o que é pior, por falta de apoio do próprio PT.

     

  2. Economia Bombando!

    Como um pais que está distribuindo ‘Conversores Digitais’ gratuitamente para membros do Bolsa Família (que era para priorizar alimentos) pode estar em crise?

    Imagina!

    A nova classe média está bombando! Anda atrasando algumas prestações da TV de LED, do seu novo smartfone 4G, da sua nova geladeira, do ar condicionado do apartamento adquirido pelo MCMV (cujas prestações também estão no prego) e do carrinho zero adquirido recentemente, mas nada catastrófico! Dilma vai dar um jeito, uma boa ‘bolsa atraso’ resolverá! O problema é o tempo e os oficiais de justiça!

    Isso tudo sem contar, infelizmente, que os incentivos para educação estão escasseando e encarecendo! 

    O certo que todos os cartões de crédito e qualquer outro tipo de financiamento foi cancelado!

    Quanto ao retorno da ‘nova classe média’ para base da piramide só não enxerga quem não quer ver, por enquanto é lento, mas é continuo e gradual!

    O desemprego é crescente, não há confiança num governo pífio e a tendência é piorar! Pessoas que investiram tudo em projetos como ‘pre-sal’ criando empresas e , inadvertidamente, se associaram aos ‘bandidos’ da lava jato perderam tudo, principalmente pequenos e médios! O difícil, ainda, é entender o ataque dos ‘coxinhas’ nos restaurantes, hoteis e livrarias, não é verdade?

    Vamos ver até quando aguentarão pagar impostos para sustentar os ‘projetos sociais’ petistas em detrimento do seu próprio sustento!

    Na realidade isso tudo é invenção de neoliberais conservadores a mando da casa grande e do capital financeiro especulativo internacional!

    Nada é real!

  3. Certo. Mas, além de

    Certo. Mas, além de desqualificar a Consultoria e a reportagem, o articulista não discute o mérito. Ou não tem conhecimento, ou não tem argumentos. 

    1. Cara, sinceramente não vejo

      Cara, sinceramente não vejo melhor argumento do que recorrer pura e simplesmente à verdade factual iremediavelmente presa à logica do tempo. Se voce diz “crise devolve 3 milhões à classe D e E” é porque ou isso já ocorreu ou é um fato certo. Que senão está aí hoje, estará amanhã, assim como o sol nascerá por trás do horizonte.

      Daí a matéria diz que é uma previsão segundo estudos da tal Tendências. Se é uma previsão, um jornalismo honesto e não miltante, colocaria “pode devovler”. Como constatou na lógica mais óbvia do mundo, o autor do texto. Até mesmo os jornais esportivos evitam colocar “Corinthians é o campeão brasileiro de 2015”. Embora todo mundo já dá como favas contadas.

      Então está na cara a má-fé miltante. Além disso o autor questiona a credibildade da tal consultoria em fazer uma afirmação tão categórica, isso num terreno movediço como a economia. Econimista que antecipa o futuro é que nem a Mãe Dinha. Acerta que o “Mamonas Assassinas vão sofrer um acidente areo”, daí se anima a passa a errar todas as outras previsões. 

    2. papo furado
      Cara , com todo o respeito a você , e concordo que o país está passando por uma crise , que para mim é mais estrutural , no sentido amplo ( por exemplo , na Educação , nossa crise maior ) , do que economica (extensão de uma crise mundial) , mas vamos deixar de papo furado !
      Vamos lá ! Você sabe , por acaso , quem é um dos principais sócios dessa Tendências ( uma dessas “consultorias” carregadas de “economistas-bruxos-futurologos-espertalhoes” que vivem de prever o imprevisivel e torcer por suas convicções mercantis- ideologicas ) ? Exatamente o “nobre” Maylson da Nóbrega , grande ministro da Fazenda do governo Sarney , que levou o Brasil ao FMI pelo menos uma duzia de vezes , deixou a nossa inflação em um patamar da ordem das centenas e o desemprego na casa das duas dezenas , e hoje , em um país de curta memória (e de oportunistas) virou um oráculo para o deus-mercado , e para uma mídia bandida , que engloba , dentre outros , esse famigerado Estadão e a indefectivel Organizações Globo (vai lá na Globonews e veja se o “distinto” não virou arroz-de-festa das “isentas” mesas redondas de economia da emissora , como um verdadeiro “especialista de prateleira” , fantástica expressão cunhada pelo gênio Nassif , para a cambada do gênero ).
      Sinceramente , sejamos honestos , dá para levar a sério e defender uma gente dessa , meu caro ?

  4. À falta de fontes plurais

    À falta de fontes plurais  confiáveis dessa matéria do Estadão(logo de quem?) vou retrucar pelo que observo a minha volta; com base na realidade, mesmo que restrita. E essas fontes(supermercados, lojas, planos de saúde etc) desmentem esse panfleto ideológico do jornalão.

    Causa nojo o quanto essa imprensa hiper liberal torce contra o país; instrumentaliza o jornalismo para fins ideológicos. Nesse diapasão, a “neutra” CBN(de quem de quem?) desde o começo da crise(inicio  do ano para eles) pinçou duas famílias – uma do Rio e outra de São Paulo – ditas de classe , paras acompanhar semanalmente. Todas as sextas sai um painel. 

    Tentem imaginar como evoluíram as duas e em que estágio se encontram. 

     

    1. Aposto, caro Costa, que na

      Aposto, caro Costa, que na tal família, o marido trabalha como motorista da rádio e a mulher como moça do cafezinho da mesma.

      Com a falência eminente da mídia tradicional e caduca, essa pobre família está lascada mesmo. O final da história será ambos perderem o emprego. O Pessoal da recursos humanso já avisou à direção, que resolveu fazer esse reality show para aproveitar o ensejo e tirar mais uma lasquinha do governo

  5. A mídia é uma empresa

    A mídia é uma empresa particular e como qualqeru empresa particular benefecia seus próprios interesses em virtude do interesse coletivo. Logo, se o coletivo quiser lutar pelos seus próprios interesses, não é acompanhando uma mídia particular altamente capitalizada pela sociedade que vão resolver os seus problemas; justamente pelo contrário, é através do acompanhamento desta mídia particular que irão destruir todos os seus sonhos coleticos em virtude do interesse capital de alguns poucos.

  6. A VACA FOI PRO BREJO


    Ô Genteee …….. não adianta ficar esperneando , implicar com a semântica da notícia , que fulano ou sicrano pertencem ao Instituto Millenium , ou que o mainstream da mídia é tendencioso. Isso tudo é verdade – e nunca foi tão verdade há pelo menos 30 anos , desde a redemocratização do país !

    Acontece que no front da economia  a vaca foi pro brejo , o leite é derramado e Inês é morta !

    Essa dona aí , que está sentada na cadeira da presidência , sinto muito ! foi e está sendo de uma irresponsabilidade tremenda.

    Se os economistas consultados pela reportagem são colocados sob suspeita , então sugiro verificar o que dizerm outros dois economistas sobre a atual política econômica do governo : Marcio Pochman e Luis Nassif. O que acham desses dois ? Servem ?

    Marcio Pochman integra o grupo de economistas que lançou um manifesto contra a atual política fiscal de austeridade , o que significa aumentar o desemprego.

    Luis Nassif mais do que demonstrou a irresponsabilidade da política de juros altos , totalmente ineficaz para combater o suposto motivo pelo qual é adotada : a inflação. E para sustentar tal política de juros altos , o governo DILMA tenta aumentar impostos (atingindo a classe média ) e cortando gastos sociais (atingindo a classe pobre) .

     Como se vê , à direita , à esquerda e ao centro , DILMA é uma unanimidade .

  7. Podemos pensar que existe uma

    Podemos pensar que existe uma estratégia em andamento nesses setores conservadores, associados ao mercado e da qual a velha mídia é um dos braços: colocamos que haverá um retrocesso, fazemos tudo para que aconteça e se acontecer jogamos a culpa no Governo Dilma.

    Depois, retornaremos ao Poder e vamos dizendo sempre em uníssono: a culpa foi do PT.

    A culpa foi do PT. A culpa foi do PT. Uma hora a vitrola riscada cansa.

    Quero ver sustentar o a culpa foi do PT por muito tempo. 

    A população vai querer é voltar ao bem bom dos anos de baixa inflação, consumo, emprego em alta e aumento real de salário, quero ver essa gente se virar pra voltar aos anos vitoriosos, depois de assumir o Poder.

    Na verdade, não terá mais retrocesso no Brasil. Nem a Direita midiática e seu mercado com seus políticos de aluguel conseguirão. 

    O povo ainda está em silêncio, vendo as elites desdenhando dele.

    Já há sinais de não aceitação desse tentativa de retrocesso, de volta à sociedade de castas.

    As manifestações pelo fechamento das escolas pelo Governador Alckmin estão ai para comprovar. 

    Brinquemos com o povo e vamos ver o que acontece. 

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