A mídia só pressiona as políticas públicas pelo viés da anti-política permanente

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Resposta ao post: A visão de mestre Wanderley sobre o novo e as manifestações de junho

Prezados e prezadas.

É imprudência o que vou dizer, mas se o objetivo é o debate, aí vai:

O eixo do pensamento nassifiano repousa em um erro conceitual grave, que contamina toda a lógica que o sucede:

Ele coloca a mídia e a produção de conhecimento/disseminação de informação dentro do contexto de pressão democrática, ou seja, ele considera esta instância discursiva como resultado de anseios democráticos onde todos os atores estão em condições semelhantes ou equivalentes, cada qual comprometido com uma visão particular de Democracia.

Não é.

Os sistemas de produção de informação e disseminação desta informação não são ajustes ou contrapesos aos sistemas representativos, mas ao contrário, funcionam ora como instrumentos de manipulação, que servem ao controle de classe (se esta classe estiver representada nos governos), ou como enfrentamento destes governos quando não as classes dominantes que ali estão, deste modo, negando e até mesmo golpeando a vontade democrático-popular.

A mídia só pressiona as políticas públicas pelo viés da anti-política permanente, pelo simples fato de que sua natureza seminal é contar o fato tendo o compromisso de transfigurá-lo para que atendam as expectativas com as quais está comprometida.

Outro erro conceitual, que Wanderley refuta, é dar uma dimensão estrutural definitiva as novas possibilidades tecnológicas, reificando-as como substitutas as formas orgânicas de fazer política.

Creio ser um equívoco..

O descompasse entre o ativismo digital e os números reais de aprovação de governos, e as aceitações (ou rejeições) de políticas públicas revelam que:

a) embora as novas tecnologias alterem uma das estruturas das esferas de atuação (ver David Harvey), é por outro lado verdade que estas esferas se influenciam mutuamente, mas não são capazes por si só, isoladamente, de mudar a configuração dos arranjos institucionais onde estão inseridas as formas de dominação;

b) neste sentido, é bem mais provável que, em breve, as dinâmicas de classe e de dominação se reproduzam e se cristalizem neste “novo” ambiente, assim como aconteceu com cada “nova era” da comunicação, desde a impressão de Gutemberg.

O fenômeno que está se apresentando é conhecido, e novamente Harvey diagnostica: são so contingentes de alienação, os grupo incapazes de agregar valor político strictu sensu às suas manifestações caóticas de desconforto, e que estão à disposição para captura pelos espectros ideológicos já conhecidos, e que ainda não foram reiventados, apesar do desejo do editor do blog.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

13 Comentários

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  1. Bingo!

    Na mosca, Obelix! A ingenuidade do Nassif em relação à verdadeira importância atual das novas mídias e redes sociais é comovente. Se ele visse o que meus alunos (de um curso de universidade federal com nota máxima no ENADE) postam no Facebook, além do fato de que usam o celular em sala de aula para ficar fazendo fofoquinhas (no FB e no Tuíter) típicas dos bilhetinhos das décadas anteriores, esperaria mais um pouco para apostar suas fichas na revolução que as novas tecnologias prometem.

    1. Sim, mas apesar desse uso

      Sim, mas apesar desse uso citado, que observo (como aluno) por parte de colegas em sala de aula de também uma universidade federal, não muda o fato que tais tecnologias possibilitam um efeito multiplicador ou divulgador de informações que antes era monopólio das velhas mídias.

      A melhor maneira de “destravar” uma demanda ou situação envolvendo a administração pública é dar visibilidade pública para a mesma, o que pode ser feito com sucesso através de uma mídia de massas.

      Por enquanto, a regra na área pública aonde atuo ainda é esse tipo de “urgência” chegar em função de matéria na velha mídia, mas eventualmente ocorrem casos originados e difundidos na internet, mas não necessariamente redes sociais. O “jurássico” e-mail (com desaforos, drama e/ou enviado para a pessoa certa) é no mínimo 10 vezes mais comum e eficaz que FB e Twitter.

      1. Prezado Ed,
        É tentador

        Prezado Ed,

        É tentador concordar contigo sobre alguma perscpetiva de que haja uma “mídia de massa”, capaz de alterar arranjos políticos, representativos ou administrativos, e que seja capaz de romper o ciclo de dominação implícita nas outras estruturas de comunicação (as passivas), simplesmente porque nestas há a ilusão de interatividade.

        Mas estas interatividade/conectividade/reciprocidade não está verdadeiramente dimensionada para uma democratização das mídias, sejam elas “antigas ou novas”.

        É só ver que os nichos midiáticos de contra-ideologia midiática (aqueles como este blog, que se dedicam a desconstruir os monopólios) não conseguem, e nem conseguirão, uma amplitude que lhes dê chance de alterar o jogo político.

        Não o fizeram até agora, e não o farão, porque os sistemas de controle já se reorganizam para reagir a primeira vertigem de democracia que invadiu as redes.

        É a História que nos ensina, embora eu não seja fatalista, que nenhuma mudança nas plataformas (meios) significou mais Democracia, ou ameaçou de forma perene os estamentos de poder.

        Logo foram capturadas.

        No caso da internet, é só dar uma olhada no feicebquistão e outras baboseiras “sociais”, palcos de vouyerismo interativo, desprovidos de qualquer função coletiva.

        O que ainda resistem são os blogs como este, cada vez mais confinados, embora tenhamos a impressão (falsa) de que há um mundo de repercussão.

        Gostaria que estes fetiches capitalistas pudessem, de fato, se tornar instumentos para sua superação, mas para tanto é preciso mais que reproduzir as lógicas de disseminação que nos colocam como pauta.

        Não existe mídia democrática (qualquer que seja ela) dentro dos limites do capitalismo. Mídia no capitalismo só tem uma função: concentrar o poder capitalista, através do fortalecimento da cultura capitalista.

        Um cordial abraço.

        1. É tentador concordar contigo

          É tentador concordar contigo sobre alguma perscpetiva de que haja uma “mídia de massa”, capaz de alterar arranjos políticos, representativos ou administrativos, e que seja capaz de romper o ciclo de dominação implícita nas outras estruturas de comunicação (as passivas), simplesmente porque nestas há a ilusão de interatividade.

          Obelix,

          Concordo com suas colocações, só destaquei o trecho acima pois acho que não fui claro no meu comentário. Minha ideia não era defender algo similar ao que Nassif disse, de que a velha mídia era a mediadora (ou defensora) da sociedade.

          Sendo mais direto e espero que agora mais claro, o que quis dizer é que o papel da mídia, em alguns casos, está mais para um “jeitinho brasileiro” com ares de legitimidade de que algo realmente transformador. Pois no fim, as “cobranças” públicas que a mídia divulga vão pular na frente daquelas que o(s) autor(es) não tiveram espaço na mídia, que passa a ter o poder de definir os rumos do Estado indiretamente. Gera resultados imediatos para quem busca a imprensa? Gera. Mas a coletividade paga o preço da intervenção pontual sem profundidade. Daria para comparar com a questão da corrupção, que sempre se faz barulho, mas pouco é feito no sentido de compreender e lidar com os mecanismos que a facilitam.

  2. A mídia só pressiona as políticas públicas pelo viés da anti-pol

    Obelix

    Concordo com a tese, mas, como Gutemberg, a mudança qualitativa que a mudança quantitativa dos novos meios de ação política provoca gera e poderá (no condicional ) gerar mudanças de fato no balanço de comportamentos sociais a esquerda, a direita em cima ou em baixo.

    A mudança existe como existiu com o advento da imprensa.

    Talvez não tão devagar quanto esta mas o mundo das articulações políticas ganhou um instrumento com poder de fogo inédito.

    Big Data.

    Não são mais caravelas, mas petroleiros. Muda a dinâmica e nisso não vejo ingenuidade do Nassif não.

    Jogo de Xadrez com mil peõs é diferente de com 8

  3. Diante do momento de

    Diante do momento de indefinição e incerteza que ainda nos encontramos com o advento de novas tecnologias de informação, acho que nem Nassif nem Obelix estejam equivocados, são apenas duas posições diferentes acerca de um futuro que ainda desconhecido.

    A verdade é que essas novas tecnologias são uma faca de dois gumes, e ainda não é possível quem prevalecerá, se o campo progressista ou o campo conservador. A invenção de Gutemberg enfraqueceu o pensamento única do catolicismo, ao mesmo tempo em que promoveu estados teocráticos tão violentos e intolerantes(a Suiça calvinista, por exemplo) quanto os regimes inquisitoriais mais repressivos. O nazismo dificilmente teria existido não fosse a disseminação do rádio, meio pelo qual Hitler divulgava seus discursos virulentos. Assim, ainda não sabemos se a internet, ao menos no caso brasileiro, trará um aprofundamento do regime democrático ou, ao contrário, sua restrição.

    Nassif está correto ao dizer que a blogsfera reduziu em muito a capacidade de manipulação do oligopólio midiático, porém, além de existirem ainda muitos alienados, muitas contradições simplesmente não se resolvem por conta do inadequado aparato institucional herdado da CF outorgada em 1988(redigida por uma Constituinte de mentira, composta pela nata do bacharelismo).

    Assim, absurdos antes ocultados pela mídia, ganham divulgação pela blogsfera, sem que, até o momento, NADA seja feita para corrigí-los. A Globo sonegou bilhões, o STF comete abusos diários, inclusive debochando dos cidadãos e das leis(vide o cinismo do ministro Marco Aurélio, a truculência autoritária de Barbosa, os negócios mal explicados de Gilmar Mendes).

    Falta ainda harmonizar as opiniões formadas nesse novo ambiente de pluralidade de informações com os casos concretos.

     

    1. Lobo em pele de cordeiro.

      Caro Amigo Daytona,

      Eu não neguei que houve uma alteração de pardigmas na produção/disseminação de informação, que desestruturou as formas conhecidas de controle destas informações.

      O que eu afirmei, e isto é comprovado pela História, é que todos os momentos de transição (novas tecnologias), houve logo depois um rearranjo conservador de retomada de controle, porque esta é a natureza de existir da mídia.

      Outro ponto que precisamos atentar é que as mudanças da esfera de atuação tecnologia não se dão em razão da mídia e suas necessidades, embora em alguns casos elas sejam o setor que mais lucram e se beneficiam com as novidades. As mudanças se destinam a perpetuar e facilitar os fluxos de circulação de riquezas e acumulação composta.

      A mídia só vem atrás, e diante da perplexidade da mudança, vende-nos a ideia do fetiche, e depois, quando a transição está consolidade, recomeçam a puxar os cordeis de controle, seja pelas regras e limites judiciais (censura), econômicos (fim da neutralidade), seja pelo controle propriamente dito (NSA a afins).

      E é isto que a proposição do Nassif difere da minha (e não a complementa, como você disse), porque ele, essencialmente, acredita que a mídia é um instrumento que pode servir a Democracia, eu digo que não, ao contrário, a mídia é sempre um instrumento de pressão anti-democrática, ainda que se esconda sob o manto das liberdades democráticas.

      Tanto é que ela não hesita em aderir aos golpes tão logo o estamento capitalista esteja sob ameaça, ainda que esta ameaça seja no campo da legalidade, institucionalidade, ou seja, das regras que eles determinaram.

      Este fenômeno é brasileiro, inglês, estadunidense ou alemão, mas claro, se manifesta de acordo com cada especificidade e com a nível de resistência/tolerância que as sociedade dedicam a ação midiática.

      Saudações.

       

      1. Prezado Obelix,
        Nesses

        Prezado Obelix,

        Nesses termos, concordo com você, tampouco compartilhop da opinião do Nassif de que a mídia oligopolizada possa a ser uma força de apoio à Democracia, pois isso vai de encontro a sua própria razão de ser. O oligopólio midiático reproduz a lógica de exclusão inerente a qualquer oligopólio privado, não sujeito aos controles sociais.

        Minhas considerações se referiam exclusivamente à internet(ainda)não controlada pelo poder econômico e judicial.

        abrç

  4. Nesse contexto revolucionário

    Nesse contexto revolucionário no acesso a informações propiciado pela internet, os principais temas em jogo são a Reforma Política, o Marco da Internet e a Lei de Meios(eu acredito que uma reforma do Judiciário – instituição que representa verdadeiro entulho autoritário da ditadura – seja tão essencial quanto).

    O rumo que essas reformas irão tomar será determinante para a estruturação do país, ao menos no médio prazo.

  5. Concordo, Obelix. Sua síntese

    Concordo, Obelix. Sua síntese é perfeita. Mas, do meu ponto de vista, nunca é ocioso denunciar as contradições dessas instituições que falam em nome da liberdade mas trazem no fundo uma defesa de privilégios. E isso é possivel ser feito, em primeiro lugar, indicando as práticas cotidianas de seus operadores.

    Saudações.

    1. O problema é que só fica na

      O problema é que só fica na denúncia, porque as instituições brasileiras não funcionam, são marcadas pelo personalismo, principalmente o Judiciário, onde os juízes podem fazer praticamente o que quiserem, de condenar sem provas a deixar arquivadas denúncias contra amigos.

  6. Sou daqueles que concordam

    Sou daqueles que concordam que Nassif tem uma postura otimista demais — e até certo ponto imprudente — sobre o efeito da Internet como mudança de paradigma no arranjo das relações políticas.

    Existe sim um novo público emergindo, e esse público não tem quem os represente, tampouco são simpáticos aos velhos comandantes do jogo (leia-se partidos políticos tradicionais, grandes grupos de mídia, etc.).

    Contudo, está muito mais ao alcance da mídia se transfigurar para agradar esse público e terminar por conquistar sua adesão do que o contrário.

    São jovens com tendências niilistas, sem interesse por maior aprofundamento no debate político. Querem as coisas e gritam por elas como crianças birrentas. É um público muito mais fácil de se conquistar pela mediocridade da mídia do que do engajamento partidário, que requer muito mais esforço em troca de muito menos retorno pessoal.

    Não vai surpreender ninguém o fato de que daqui por diante a Rede Globo e demais oligopólios vão cada vez mais abrir espaço em sua programação para transformar alguns pequenos ícones desses movimentos nascidos da internet em estrelas também da televisão.

  7. Resumo:O governo é o comitê

    Resumo:

    O governo é o comitê executivo da classe dominante e nada se pode fazer para mudar isso pq o sistema foi construido para que permaneça assim, desta forma somente a tomada do poder (pela  força) pela classe trabalhadora podermos mudar o destino que nos foi dado.

    Todos nós somos em algum grau, lúmpens, alienados (redundância) politicos  “prontos a se deixar comprar por maquinações reacionárias”, sempre reproduzindo o modelo produção e exploração capitalista.

    Todos os textos marxistas e esquerdistas (existe esquerda não marxista?) são construidos para que se chegue a estas conclusões, não fazem de forma explicita para não ficar como rótulo de propaganda.

     

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