A rendição da mídia tradicional, por Luciano Martins Costa

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Observatório da Imprensa

Jornais e revistas começam a publicar notícias diretamente no Facebook. A informação, que circulou inicialmente nos sites especializados em mídias digitais, aparece também nas edições de quinta-feira (14/5) dos jornais brasileiros de papel.

Pelo acordo anunciado, alguns dos principais veículos da mídia tradicional, com destaque para o New York Times, passam a exibir diretamente parte de seu conteúdo nas páginas da rede social, sem que o leitor tenha que ser dirigido para o site do jornal.

A primeira reportagem do Times usando esse meio (ver aqui) trata do drama de Laís Souza, a ex-ginasta brasileira que ficou paralisada por causa de um acidente numa pista de esqui, em janeiro de 2014. Também vêm aderindo ao projeto – intitulado Instant Article, ou Reportagem Instantânea, em português – as revistas National Geographic e The Atlantic, além do jornal britânico The Guardian e a rede pública de televisão BBC. Por enquanto, segundo dirigentes desses veículos, trata-se de um ensaio, mas essa experiência revela muito mais.

O que está por trás desse movimento é uma tendência que vem sendo observada por pesquisadores de comunicação desde 2009, quando o Facebook foi classificado como a rede social mais utilizada regularmente em todo o mundo. A possibilidade que então se apresentava era de que as relações horizontais entre usuários viessem a ultrapassar em pouco tempo a comunicação verticalizada que caracteriza o sistema da mídia tradicional.

Essa tendência foi observada mais claramente a partir de 2012, quando a empresa controlada por Mark Zuckerberg abriu seu capital e adotou uma política agressiva de aquisições, alcançando no mesmo ano a marca de 1 bilhão de usuários ativos. Nesse mesmo período, diversos especialistas convidados ao curso Gestão de Mídias Digitais, no Programa de Educação Continuada da Fundação Getúlio Vargas, então coordenado por este observador, alertavam que a rede social se apresentava como uma alternativa para a própria internet.

A adesão de importantes veículos da mídia tradicional ao programa Instant Article pode acelerar esse movimento, fazendo da empresa de Zuckerberg um suporte indispensável para a sobrevivência daquilo que ainda chamamos de imprensa. A partir daí, quando o sistema tradicional de notícias estiver imerso na grande nebulosa de relações sociais, tudo pode acontecer.

Uma armadilha sedutora

Os usuários mais jovens não reconhecem o valor de antigas marcas da imprensa e acessam apenas o Facebook e seu aplicativo de mensagens WhatsApp em sua rotina diária, deixando em segundo plano o conteúdo da internet. O crescimento do uso de aparelhos móveis, como os smartphones, reforça essa predominância e obriga as empresas a adaptar suas estratégias de comunicação.

Os números são impressionantes: mais de 600 milhões de pessoas em todo o mundo usam periodicamente o WhatsApp e mais de 70% deles o utilizam diariamente, produzindo um volume superior a 10 bilhões de mensagens.

Esse fenômeno encantou os gestores de marketing, que passaram a dedicar a campanhas nas redes sociais cada vez mais recursos, que antes alimentavam a publicidade tradicional – mas recentemente muitos se dão conta de que caíram numa armadilha, com o aumento de custos e uma dependência da qual não conseguem se livrar.

No Brasil, mais de 47 milhões de pessoas, a maioria com menos de 40 anos de idade, usam intensivamente esse sistema de mensagens instantâneas, o que se junta ao fato de a mídia tradicional nunca ter alcançado números realmente expressivos de circulação e à queda da audiência da televisão aberta.

Esse é um cenário definidor do futuro daquilo que chamamos de imprensa. O movimento do New York Times e outros veículos tradicionais, ainda que experimental e cauteloso, equivale a um corpo celeste aproximar-se de um buraco negro: o poder de atração da gigantesca rede digital é sedutor, mas pode eliminar qualquer tentativa posterior de afastamento. No entanto, ficar de fora também pode significar excluir-se da grande galáxia formada pelos relacionamentos interpessoais.

A mídia brasileira, que definha por conta de muitas causas, principalmente o conservadorismo na gestão e nas escolhas editoriais, olha com desconfiança o movimento do grande jornal americano, mas não parece ter uma estratégia alternativa.

Há duas semanas, quando estiveram no Brasil para sondar a possibilidade de parcerias, executivos do New York Times não esconderam a decepção com a mentalidade de dirigentes da imprensa nacional. A mídia brasileira tradicional ainda discute os “desafios da internet” e está encantada com “sistemas multiplataformas de publicação”.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

10 Comentários

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  1. – Quais as alternativas de

    – Quais as alternativas de informação para os idosos (acostumados aos jornais e que não acessam computadores) e para os menos favorecidos (que acessam quase que só a tv aberta)?

  2. Caro MV acho que você não

    Caro MV acho que você não captou inteiramente a mensagem de Mestre Luciano… São precisamente os idosos (para efeito deste assunto podemos considerar cidadãos acima de 55 anos) que ainda mantém a Imprensa impressa. Mas eles não viverão para sempre, certo? Os idosos do futuro, saberão manejar bem ferramentas como smartphones, iPads e assemelhados. Abs. 

  3. “Os usuários mais jovens não

    “Os usuários mais jovens não reconhecem o valor de antigas marcas da imprensa e acessam apenas o Facebook…” Parei de ler o texto aqui. Não reconheço nenhum valor na esgotífera Veja, e não leio os Diários Associados da Corte Tucana” (Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e O Globo). Tenho 50 anos e marcas da imprensa antigas não tem qualquer valor para mim. 

  4. Uso a internet como fonte de

    Uso a internet como fonte de informação e meio de comunicação desde 1995; antes disso eu já usava o correio eletrônico na empresa em que trabalhava. E não tenho dúvida de que a rede mundial é revolucionária. A era do PC de mesa teve seu ápice na virada do século XX para o XXI; a partir daí os computadores portáteis (notebooks) passaram a ter maior disseminação. E a partir da metade da 1ª década deste século XXI, os telefones móveis ‘espertos’ (ou inteligentes), chamados smartphones – que são na verdade computadores ultra compactos, versáteis e com baixo consumo de energia – vêm se disseminando de forma exponencial. As chamadas ‘redes sociais’ nasceram junto com os smartphones e o número de usuários delas cresce em proporção semelhante às vendas dos aparelhos. De forma simplificada, podemos dizer que estamos na 3ª fase do que se convencionou chamar “era digital”. Acompanho o Observatório da Imprensa desde o nascimento, em 1997. Sou leitor regular dos artigos de Luciano Martins Costa e claramente percebi a ironia contida no trecho ” Os usuários mais jovens não reconhecem o valor de antigas marcas… ” . Quem está habituado a ler os artigos de LMC sabe que ele quis dizer o seguinte: “os mais jovens não dão a mínima importância aos jornais e revistas que estabeleceram marcas na era pré-internet”. Ou seja: para esse público jovem tais marcas não possuem valor algum. Fui leitor assíduo de jornais e revistas, mas há mais de 10 anos deixei de fazê-lo; e isso não me faz falta. A baixíssima qualidade e o viés político-partidário adotado pela chamada “mídia tradicional” (o mais correto é chamá-la de mídia comercial) afasta ràpidamente leitores, ouvintes e telespectadores mais críticos e exigentes. No caso brasileiro, mais do que a transição tecnológica, essa falta de qualidade acelera a decadência. 

    Nunca me deixei seduzir pelas “redes sociais” e não faço uso delas. É uma opção pessoal. Entretanto reconheço que essas “redes” têm-se tornado importante fonte de informação para os mais jovens. E se os veículos da mídia ‘tradicional’ querem ter renovado o  o público, têm de aderir a essas redes. Esse é, aliás, o tema central do artigo. No 2º tópico, intitulado “Uma armadilha sedutora”, o observador alerta para o risco da adesão dos veículos tradicionais do impresso a essas ‘redes’ que tudo aprisionam. Apesar do potencial ilimitado e das diversas possibilidades de interação que a internet oferece, NENHUM grande veículo de informação com largo alcance conseguiu nascer, crescer, se estabelecer e sobreviver nesses 20 anos. Os maiores portais de notícias são derivados da ‘mídia tradicional’ e das agências de notícias. 

  5. O Facebook é uma empresa

    O Facebook é uma empresa privada que pratica a censura travestida de “termos de uso”. Só aparece o que a corporação quer.

    Veicular diretamente notícias e conteúdo no Facebook é aceitar tacitamente a censura desta empresa privada e inviabilizar qualquer tentativa de jornalismo independente.

    Há uma tremenda força de Zuckerberg em impingir este novo “nível” de interface (além dos que já existem: Sistemas Operacionais muitas vezes fechados, como os de Steve Jobs e de Bill Gates; bem como roteadores e servidores instalados nos EUA), vide o projeto aceito pela presidente Dilma em conjunto com o Facebook para “oferecer gratuitamente” conteúdo selecionado (e apenas esse) pelo próprio Facebook (o marco regulatório da internet, com a neutralidade da rede, sendo jogado no lixo).

    Como se vê, apesar da internet ser livre, cada movimento do grande capital corporativo e da superpotência mundial é no sentido de centralizar, controlar e pautar o que circula na rede. E, claro, monitorar e entregar para o governo americano todos os dados mineirados de seus usuários sempre que for solicitado.

  6. Alienado

    Qualquer notícia veículada nas redes sociais tendem a atender a demanda do que o seu público alvo quer ler e não o que de fato precisam ler. 

    Mais uma vez, será uma ferramenta de alienação. Creio eu que as notícias impregnadas nessas redes sejam cada vez mais de teor dúvidoso, visto que seu público, dificilmente consegue ler mais que três linhas de um texto bem redigido, quanto mais interpretar o que está escrito e fazer uma análise crítica coerente.

    Abraços,

    Anderson Santos

  7. É ……………………..

    É aderir ou morrer !!!!

    A rede, como todo meio de comunicação e interação tem seus mecanismos de manipulação, e sempre terá como os antigos jornais e revistas.

    Contudo, as pessoas, sempre estarão em patamares de evolução e caberá a cada um escolher o que lmais lhe lconvésm. Sem paternalismos.

    Se não souberem, irão aprender na porrada, pois os maniopuladores sempre existirão, seja em qualquer situação.

    Então, abram os olhos, e não fiquem reclamando de que são presas fáceis. Os predadores  não perdoam !!!!

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