Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Clone de O documentário “Pax Americana” e o caso Edward Snowden

Nesse momento em que vemos em pleno horário nobre das emissoras o vazamento de documentos da NSA (Agência de Segurança nacional dos EUA) por Edward Snowden dando conta de que a privacidade das comunicações de indivíduos e nações pode ser a qualquer momento devassada por dispositivos eletrônicos, é oportuno assistir ao documentário “Pax Americana e a Militarização do Espaço” (2009) do francês Denis Delestrac. Principalmente porque a descrição que o documentário faz do modus operandi  da inteligência militar norte-americana e a noção de “espaço” pensada por ela é bem diferente da tradicional noção orwelliana de “espaço” que os analistas vem pensando o caso Snowden. Se os conteúdos revelados pelos documentos há décadas são conhecidos e divulgados por estudiosos de comunicação e teóricos da conspiração, por que só agora foram “vazados” de forma generalizada por todas as mídias?

Em 12 de junho de 1982 houve uma grande manifestação em Nova York. Quase um milhão protestaram contra as armas nucleares e a corrida armamentista. Era então o auge da Guerra Fria. Na TV falava o tenente-general Daniel Graham que era o chefe da Defesa Estratégica de Ronald Reagan. Perguntaram-lhe se estava preocupado com uma manifestação de um milhão de pessoas nas ruas protestando contra armas nucleares. Disse: “Parece-me fantástico! Estão protestando contra mísseis balísticos intercontinentais, enquanto nós vamos para o espaço. Eles não fazem ideia do que fazemos. Então, que continuem assim”.

Esse episódio descrito por “Pax Americana e a Militarização do Espaço” talvez seja o mais perturbador neste documentário dirigido pelo francês Denis Delestrac. Sugere que todo movimento de protestos, críticas ou denúncias estaria sempre aquém dos poderes que pretendem desmascarar. Como um jogo de “resta um”, parece que sempre falta o conhecimento de uma outra cena, de um outro passo que estaria sempre à frente do alvo das manifestações.

Em tempos de documentos da NSA vazados pelo técnico em redes de computação Edward Snowden sobre fatos que qualquer pesquisador em Comunicação ou até mesmo um teórico da conspiração já conhecem no mínimo há vinte anos (a novidade nesse episódio é que um dissidente ganhou cara e identidade na mídia), esse fato narrado pelo documentário dá o que pensar. Quando acompanhamos a grande mídia como a TV Globo cuja pauta sempre foi conservadora, abraçando e repercutindo informações que há muito tempo são temas de movimentos mais à esquerda do espectro político, imediatamente vêm à mente documentários como “Pax Americana e a Militarização do Espaço”. E se a verdade estiver em “outra cena”?

Talvez a principal coisa a ser discutida nisso tudo seja a noção de “espaço”: será que o conceito de “espaço” (cibernético, cujos conteúdos são monitorados e esquadrinhados) que as denúncias mobilizam contra a NSA é a mesma noção de “espaço” que agências de inteligência dos EUA pensam?

O Documentário

“Pax Americana” detalha os possíveis resultados atuais de uma corrida espacial que começou em 1957 com o lançamento do satélite Sputnik pelos soviéticos, cujas origens estão nos foguetes V-2 de Hitler. O que se seguiu após o fim da Segunda Guerra foi a chamada “Operação Paperclip” que conduziu o cientista idealizador dos V-2 Wernher Von Braun para a NASA, após um processo de “desnazificação” dele junto à opinião pública.

A partir daí os custos em projetos secretos para armar e policiar a alta estratosfera se tornaram crescentes: cinquenta centavos de cada dólar de imposto vão para os crescentes gastos militares nesse setor em projetos como “Guerra nas Estrelas” ou os “Escudos Antimísseis”. Muitos especialistas consultados pelo documentário sustentam que a defesa antimísseis seria a maior fraude na história da defesa dos EUA. Sob o pretexto da defesa dos interesses comerciais, de ser o “árbitro da paz” ou de defesa contra possíveis ataques estrangeiros, na verdade tudo seria um ardil para disfarçar as verdadeiras intenções americanas de conquista da hegemonia espacial como forma de dominação geopolítica – livrar-se dos tratados anti-mísseis balísticos foi uma das primeiras medidas da administração Bush.

A preocupação midiática que a defesa americana demonstra com relação a ameaças por armas químicas, biológicas ou nucleares seria uma mera cortina de fumaça para encobrir o seu real objetivo: o domínio do espaço. Mas para quê? Para disparar raios mortais? Destruição de cidades inteiras a partir de máquinas de guerra em órbita?

Toda a nossa vida depende de satélites. Para controlar tráfego aéreo, marítimo, terrestre e até nosso carro. Transmissões de TV, telefonia, saques em caixas eletrônicos, além de previsões meteorológicas e de catástrofes. Existem aproximadamente 1.000 satélites em órbita que são propriedade de 45 nações. Os EUA detêm 48,9%.

Para além de monitoramento e espionagem dos conteúdos do tráfego de dados e comunicações, a hegemonia espacial corresponderia a um projeto muito mais amplo que consiste na própria reformulação do conceito de “espaço”. Se no passado a tática para controlar o campo de batalha era o de ter uma posição mais elevada para poder ter a visão geral do teatro de operações (desde a conquista de montanhas, torres, utilização de balões e aviões), agora os militares procuram a sinergia terra, mar e ar pela conquista do “tempo real” que anularia distâncias e diferenças geográficas.

A hegemonia espacial por satélites criaria esse espaço virtual ou ciberespaço onde não apenas criaria instantâneos de operações militares reais, mas também mapeamentos, cartografias e fluxogramas de todas as comunicações do planeta em tempo real. E para garantir tudo isso é necessário o lançamento de satélites com armas letais para a interceptação, anulação eletrônica e até destruição física de satélites oponentes.

O documentário conta com depoimentos de Noam Choamsky, Hellen Caldicott e do ator Martin Sheen – vemos cenas dele sendo preso por policiais de choque em protestos de rua nos EUA contra a militarização espacial.

O novo conceito de “espaço”

Do “Espaço” orwelliano ao “Espaço” ressonante

             Uma das lições que podemos aprender de “Pax Americana” é a notável capacidade da inteligência norte-americana criar um jogo de simulação, produzindo uma verdadeira cortina de fumaça através das mídias. A hegemonia dos EUA na propriedade de satélites em orbita do planeta e a capacidade de “vazar” informações, vídeos e dados têm uma relação direta, como demonstra, por exemplo, o filme “Mera Coincidência” (Wag the Dog, 1997): em uma estratégia de desvio de atenção de uma grave crise envolvendo um escândalo sexual do presidente às vésperas da reeleição, deixam “vazar” de satélites um vídeo fake de uma suposta frente de batalha dos EUA contra os terroristas albaneses. A mídia engole a isca e repercute destaque exclusivo, despertando um oportuno patriotismo na opinião pública.

 

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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