Folha: “vocês querem bacalhau?”, por Sergio Saraiva

“Eu não vim para explicar, eu vim para confundir” – como a tentativa de criminalizar Lula gera textos que parecem ter sido escritos pelo saudoso Abelardo Barbosa – o Chacrinha

Confesso que estou cansado. O noticiário político-criminal das últimas semanas tornou-se um festival de ilações tal que pensei em entregar-me unicamente às minhas ”Associações Indevidas”. Faltou-me inspiração, contudo.

Constroem-se histórias mirabolantes com uma falta de lógica que as coloca na ordem das fábulas. E é esse atentado à lógica narrativa que me põem de volta a encarar a folha em branco e tratar de um assunto do qual entendo nada e do qual entenderei menos ao final.  

Vejamos a Folha de São Paulo deste primeiro de novembro de 2015.

Manchete: ”BNDES dribla norma para emprestar R$ 102 mi a empresa de amigo de Lula”

Logo de cara nota-se que o escandaloso é tratar-se de um “amigo de Lula”. Há uma nova categoria de pessoas nos jornais, as gentes de Lula: amigo de Lula, filho de Lula, nora de Lula e filho do vizinho do conhecido de Lula.

Pela manchete e pela interpretação do texto, estamos diante de um escândalo de favorecimento. O BNDES descumpriu procedimentos bancários para favorecer alguém ligado ao ex-presidente. Tráfico de influência claro.

Só que não.

“O BNDES contornou uma norma interna que o proíbe de conceder empréstimos a empresas cuja falência tenha sido requerida na Justiça e concedeu crédito de R$ 101,5 milhões ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que se tornou um dos alvos da Operação Lava Jato”.

BNDES + Lula + empréstimo + amigo de Lula + Lava Jato. Vejamos se entenderemos a trama.

 “A empresa de Bumlai que recebeu os R$ 101,5 milhões é a São Fernando Energia 1, criada para produzir eletricidade a partir de bagaço de cana”.

Reparem no nome da empresa: “São Fernando Energia 1”.

“Com dívidas de R$ 1,2 bilhão, o grupo São Fernando, cujo principal negócio é uma usina de etanol em Mato Grosso do Sul, teve a falência requerida na Justiça pelo próprio BNDES e pelo Banco do Brasil mais tarde, porque não tem conseguido honrar os pagamentos que se comprometeu a fazer no processo de recuperação judicial”.

Pronto, o Velho Guerreiro entrou em cena.

A “São Fernando Energia 1” foi misturada a um tal “Grupo São Fernando” que o texto não esclarece se trata-se de uma holding ou se o termo “grupo” foi utilizado para caracterizar várias empresa pertencentes a um mesmo dono, porém, independentes entre si.

Nesse “grupo” está uma usina de etanol em Mato Grosso do Sul – suponho ser a São Fernando Açúcar e Álcool que teve a falência requerida na Justiça pelo próprio BNDES e pelo Banco do Brasil. É isso?

É essa usina que está falida, não a empresa geradora de energia elétrica?

Ora, se são empresas diferentes, uma geradora de energia elétrica, outra produtora de açúcar e álcool, como a dívida de uma interfere na concessão de empréstimos à outra? O texto não diz, apenas mistura as informações e segue em frente.

Lá pelas tantas, a informação que demonstraria a total temeridade do BNDES:

“O balanço da São Fernando Energia em 2011 mostra a empresa em situação dramática. As dívidas da companhia eram 9,5 vezes maiores do que o patrimônio líquido. Seria como um cidadão ter R$ 100 mil em sua conta e, ao mesmo tempo, uma dívida R$ 950 mil”.

Dados de quatro anos atrás. Dos balanços de 2012, 2013 e 2014 nenhuma palavra.

Mas vamos lá, o que é “situação dramática” em um balanço? Uma dívida maior que o patrimônio? Sim, mas e as expectativas de lucros com a venda da energia elétrica?

Pelo pouco que me lembro das aulas de teoria do investimento, a alavancagem de um novo negócio gera naturalmente essa situação. Quando uma organização toma um financiamento para ampliação dos negócios, ela deverá mais do quem possui no momento. Por isso, trata-se de investimento. Os lucros futuros pagaram as dívidas, não o patrimônio no momento da tomada do empréstimo.

“… Seria como um cidadão ter R$ 100 mil em sua conta e, ao mesmo tempo, uma dívida R$ 950 mil”.

Imagine Bill Gates ou Steve Jobs pleiteando um empréstimo junto a Folha de São Paulo, oferecendo como garantia uma ideia e suas guitarras elétricas. Os Frias deixariam de ser sócios da Microsoft e da Apple, se usassem o mesmo critério que cobram do BNDES – relação dívida X patrimônio.

A alavancagem de um negócio é um momento crítico que precisa ser bem gerido, mas é a expectativa de lucro e o risco envolvido que irão decidir a concessão do financiamento ou não.

Em relação a isso, qual era a situação da São Fernando Energia, quando da decisão de financiamento pelo BNDES? Nenhuma palavra. Nem se era financiamento mesmo ou outro tipo de empréstimo. E isso faz muita diferença.

Termino o texto da Folha sem entender o que as duas empresas “São Fernando” tem a ver uma com a outra, sem saber para que a São Fernando Energia tomou o empréstimo, sem saber se existe uma holding chamada “Grupo São Fernando” e sem saber se houve ou não improbidade do BNDES ou prejuízos ao banco.

Mas, Folha acrescenta:

“Bumlai, [amigo de Lula que é dono do Grupo São Fernando, mas não é o dono da São Fernando Energia, já esta está em nome dos seus filhos, os quais a Folha não esclarece se também são amigos de Lula] que já foi um dos maiores criadores de gado do país, tornou-se alvo das investigações da Lava Jato depois que dois delatores relataram que ele teria repassado recursos para uma nora de Lula e ajudado a quitar dívidas do PT, o que ele nega ter feito”.

Caramba, agora entendi.

É tudo culpa do Lula.

 

PS.: para outras histórias da carochinha, consulte a Oficina de Concertos Gerais e Poesia.

Redação

9 Comentários

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  1. Associações

    Não fora um assunto tão sério; motivo de cansaço e de desânimo com a ignomínia, a calúnia e a informação intencionalmente truncada e capciosa e poderíamos colocar no canto da boca um sorriso com “Associações Indevidas” e “Associações Indevidas de Lula”.

    Tua “Associações” tem tua assinatura: lírica, seca, tânica. Desculpe me repetir.  Merece mesmo que te debruces sobre as laudas e distribuas ao mundo o fruto do teu dom. Palavras: estas sempre gentis camaradas do Bardo. Que a Musa retorne logo para não nos privar por muito tempo da tua sensibilidade.

    Já “as” daqueles – e muitas outras objeto da atenção indevida e maliciosa de umas gentes – que buscam enredar Lula e os seus em duvidosas atividades são de uma baixeza rasteira (um pleonasmo) tão enjoativa, tão descaradamente vil que a mim causam, a esta altura, enfado e engulhos. Como de resto esta histeria moralista hipócrita que se espraia na ação conservadora – medieval é pesado demais né?  – de uma certa “turma legislativa”.

    Esta onda que busca atribuir danosas e, grave, espúrias associações a Lula e aos seus. E que na esteira da hipocrisia as negam – com ouvidos de mercador e olhos vendados – aos Cunha (Sr. e Sra.) e a todos os demais apontadores, acusadores, delatores, presidentes de partido, etc. que encontram-se no lado oposto do espectro.

    Que bom você ter facilitado aos leitores o acesso às “Associações” da tua lavra. A estas não se pode atribuir senão a pureza do sentimento que as concebeu. Mesmo que discordemos delas ou não a compreendamos por completo, não terão sido adagas a buscar o peito do outro, mas a afiada e belíssima derrama nascida da percepção do poeta.

    Sergio, compartilho do teu cansaço. Hora talvez de bater em retirada em busca de outras Associações. Quem sabe encontrar searas em que associações Devidas germinem e frutifiquem. Com esta Folha, já sabemos, impossível. Com esta conjuntura, aparentemente também.  Estou com 50, sem muito tempo a perder e sem paciência. Deixei de assinar; não haverá mudança. Há a CC e a CMaior, mas nem lá me animo a ir.  Inóspito, árido, pouco atrativo: este o clima do qual teu texto é a prova cabal.

    Obrigada pela análise e por franquear teu espaço que tenho ocupado por encontrar aqui liberdade para me expressar.

  2. Passei em concurso público

    Passei em vários concursos públicos e sou eleitor do Lula e Dilma, será que estou na mira? Também fiz financiamennto de imóvel pela Caixa. Já deixo a manchete para facilitar: “PF vasculha casa de professor que passou em concurso público, teve financiamento pela Caixa e é eleitor do Lula e da Dilma”. No corpo da notícia: “um policial federal disse até que havia um adesivo da Dilma no armário da sala…”. Pensando bem, acho melhor tirar o adesivo, pode ser uma jabuticaba concreta demais para o domínio do fato de certos juízes.

  3. Necessitam do PSDB já… Não dá para esperar 2018!

    Para esta grande Imprensa familiar que aí está afrontar da maneira que estão afrontando a inteligência (ainda que pequena…) dos leitores, de forma coordenada (entre sí e com a Oposição) e complementar, é sinal de que se o PSDB não voltar, e tem que ser muito antes de 2018, TODOS quebrarão… Não existe mais a menor preocupação sequer com a verossimilhança, o que dirá com a verdade. Só não digo que chegaram ao fundo do poço porque a cada semana conseguem descer um pouco mais. Simplesmente, inacreditável…

  4. Desculpem-me porque nestas

    Desculpem-me porque nestas horas não consigo escrever com elegância, não quando nestas horas se tem vontade de esganar os desclassificados desses lupanares que se intitulam de jornais ou revistas-de-fim-de-semana.

    Podem informar ao prato feito que eu soube de um safado que mora na puta que pariu que se diz amigo do amigo do Lula…

  5. Normal…

    Acho que é normal, Sérgio, acho que eu também me sentiria cansado se lesse esse jornal como se fosse digno de crédito. Ou se, torcendo minha consciência (“só mesmo embriagado ou muito louco”, diria Chico Buarque), forçasse-me a acreditar que esse jornal tem um ombudsman. No caso uma ombuswoman… Não tem ombudsman. Digo, não tem a função ombudsman, tem apenas o cargo. É fake. Como quase tudo o mais nesse jornal.

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