Globo: sai Florisbal, entra Schroder e Boni analisa cenário

Da Folha

Boni, ex-diretor-geral da Globo, fala sobre a troca de comando na emissora

KEILA JIMENEZ

COLUNISTA DA FOLHA 

Reza a lenda, na Globo, que José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-comandante da emissora, nunca se mostrava satisfeito.

Quando um autor lhe apresentava um texto pela primeira vez, ele dizia: “Não está bom, faz outro”. Ao ver uma cena, um cenário, uma nova iluminação, a ordem se repetia. “Está uma droga, faz outro”. Se alguém levasse o filho recém-nascido para o chefão conhecer, ouviria: “Não está bom, faz outro”.

A brincadeira, que segundo Boni foi criada pelo amigo Chico Anysio (1931-2012), não está distante da verdade.

Detalhista, o criador do “padrão Globo de qualidade” liga diariamente para a TV Vanguarda, afiliada da Globo com sede em São José dos Campos (SP), da qual é acionista, a fim de dar suas recomendações.

“Manda incinerar o vestido dessa apresentadora”, ordenou dias atrás, ao ver uma profissional com uma roupa que considerou inadequada.

“Envio também tudo por escrito, para não haver dúvidas nem surpresas”, conta Boni, conhecido por seus famosos memorandos.

Mas nem por isso ele escapa das surpresas. O executivo que por mais de 30 anos determinou os rumos da Rede Globo, da qual se desligou em 1997, soube por um comunicado oficial que a emissora trocara de comando.

Após dez anos como diretor-geral da Globo, Octávio Florisbal passou o bastão para o até então diretor-geral de jornalismo do canal, Carlos Henrique Schroder.

Em entrevista à Folha, Boni faz a sua leitura da mudança e das diferenças entre os perfis de Florisbal e Schroder.

Antenado com a influência das jovens tecnologias sobre a sexagenária televisão brasileira, Boni fala do caminho que deve ser traçado pela Globo agora, enfrentando TV paga e novas mídias.

Revela que quase comprou o SBT e que desfez um contrato já assinado com Silvio Santos. Admite também que evita assistir TV demais, porque não consegue conter as críticas aos concorrentes, à Globo e ao próprio filho, Boninho.

  Rafael Andrade/Folhapress  
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em seu escritório carioca, no bairro do Leblon
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em seu escritório carioca, no bairro do Leblon

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Folha – Qual sua opinião sobre a saída de Octávio Florisbal da direção-geral da Globo?
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho – Apesar de ser esse o projeto do Florisbal, fiquei triste. Ele aglutinou equipes, trouxe de volta o prazer de fazer bem feito na Globo. Por outro lado, enfrentou a chegada de outras plataformas de mídia. Para a Globo, que sempre foi um veículo de massa, essa competição é dura. Mas ele acertou sendo conservador nesse período. Resolveu não arriscar, não fez grandes mudanças.

Foi repentina essa troca de comando na emissora?
Achei que demoraria mais. Fui pego de surpresa, mas sei que essas coisas na Globo são repentinas. Faz parte do folclore da empresa.

Florisbal e Shroder são muito diferentes?
Schroder não tem o perfil conciliador do Florisbal, que tem a paciência entre as suas virtudes. Mas o Schroder é um executivo. Quando tinha um grande evento jornalístico, com muitas entradas ao vivo, podíamos confiar nele e ir dormir tranquilos. Schroder é muito competente e está sendo preparado há uns cinco anos para o cargo.

Agora então é a vez de o jornalismo mandar na Globo?
Na minha leitura, a Globo se dividiu em duas: uma empresa produtora de conteúdo e uma de distribuição e comercialização. É assim que funciona nas grandes TVs do mundo. O Willy Haas [diretor comercial e de novos negócios] não terá ninguém interferindo no trabalho dele de comercialização. E o Schroder terá a possibilidade de expandir o conteúdo da Globo de olho na programação do futuro, que será de eventos, esportes e jornalismo, tudo ao vivo. Tudo o que é gravado vai se tornar “on-demand”.

O jornalismo vai ter mais espaço que o entretenimento?
A turma do entretenimento está com medo disso. Mas é natural. Na TV ou na fábrica de linguiça, mudou o chefe, eu penso: “Será que vou perder o meu emprego?”.

O que vai sobrar de jornal, rádio e TV com essas plataformas que estão aparecendo?
Vai sobrar a credibilidade. Empresas como Globo, Grupo Folha e New York Times, que têm respeitabilidade, continuarão. Haverá um duto único, por onde vai passar tudo, todos os conteúdos.

É a convergência?
É a abrangência [risos]. A convergência implica a adaptação de vários meios uns aos outros, convergindo para virar uma coisa só. Não será assim. Cada meio terá sua própria personalidade, e todos serão acessados por um mesmo caminho.

Por que a Globo, mesmo perdendo audiência, segue com a maior fatia dos investimentos publicitários?
Não é só audiência que conta para o mercado, é também a qualificação do público. A Globo tem a maior concentração de público consumidor. Além da excelência da programação, tem uma concorrência medíocre. A Record fez aquele pastiche da Globo, que nadou, nadou e bateu a cabeça no teto. O SBT segue com aquele ritmo conservador.

Você quase foi para o SBT?
Cheguei a assinar um contrato com o SBT, mas tinha uma cláusula em que o Silvio Santos não poderia apitar na programação. No mesmo dia, de madrugada, o Silvio me ligou e disse que não podia aceitar a cláusula. Desfizemos o acordo. Ele não deve ter dormido, pensando em deixar de mandar no SBT, e eu não estava dormindo, pensando em como ia mandar na TV do Silvio Santos [risos].

Pensou em ir para a Record?
Cheguei a conversar sobre a possibilidade de fazer produções terceirizadas para eles, mas não deu certo.

Você conhece Roberto Marinho Neto, que assumiu a direção de projetos esportivos na Globo?
É um ótimo garoto, inteligente, vai subir rápido lá. Acho bom essa juventude chegando. Eu e o Walter Clark tínhamos 29 anos [a idade de Marinho Neto] quando assumimos a Globo.

Dará tempo de o país se digitalizar até o apagão do sinal de TV analógico, em 2016?
Não há dinheiro nas TVs para digitalizar 8.000 repetidoras. Vão ter de adiar.

Acredita que a TV paga no Brasil seguirá crescendo nesse ritmo acelerado?
Claro. Ela está começando a ter a sua própria produção de qualidade. Gostei do “Sessão de Terapia”, do GNT.

Acha que o Rupert Murdoch (dono da Fox) será sócio de um canal aberto no Brasil?
Pode ser. Tem de ver como ficará a situação da RedeTV!, que não paga direito os funcionários, e como vai ficar a MTV, que a Abril quer vender [procurado, o grupo Abril sustenta que não há negociação em andamento].

E o Silvio Santos, vai vender o SBT?
Não. O Silvio adora aquilo lá, e as filhas dele estão se interessando. Anos atrás, eu quis comprar o SBT, com um grupo de investidores. Ele não quis vender.

Você ainda quer ter um canal de notícias?
Quero, mas não consigo. Cheguei a conversar com o Fernando Di Genio [dono do Grupo Objetivo e de canais como a MixTV] sobre isso. Depois conversei com a própria Abril, para transformar a MTV em canal de notícias, mas nada avançou.

O que você gosta de ver na TV?
Eu não vejo muita TV, porque minha mulher não deixa [risos]. Se eu quiser ver, tenho de me trancar no quarto, porque fico resmungando enquanto assisto: “Olha essa luz! Que texto é esse?”.

A repetição de elencos na Globo incomoda você?
Esse uso de elenco sem critério, emendando uma novela na outra, participando de todos os programas, começou na gestão da Marluce [Dias, que foi diretora-geral da Globo]. Parece teatro com a coxia aberta. Com a super exposição, o mito desaparece. Perde o encanto, perde audiência.

Você palpita nos programas do seu filho Boninho?
Um pouco. Outro dia estava vendo o Rock in Rio na TV, transmissão com direção dele, e comecei a ficar incomodado com a falta de crédito na tela e outras coisas. Liguei para o celular do Boninho, mas ele não pôde atender. No outro dia, me pediu desculpas por não poder falar comigo, disse que estava na correria, “trabalhando”. Eu disse que tudo bem, mas que “trabalhando” ele não estava não. Se estivesse, não teria esse, aquele e aquele outro problema na transmissão… [risos]

Luis Nassif

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