Com críticas aos jornais, Luciano Martins Costa se despede do Observatório

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Luciano Martins Costa

No Observatório da Imprensa

Isto é uma despedida

Este observador vai interromper por tempo indeterminado suas análises diárias da imprensa brasileira através deste canal. Uma crise de gestão torna insustentável a manutenção desse trabalho, que vem sendo feito quase ininterruptamente, desde o dia 16 de julho de 2007. Ainda antes disso, este colaborador participou dos esforços para a criação e consolidação deste espaço para a crítica democrática da mídia desde seus primórdios, há mais de quinze anos.

Os motivos que levam à interrupção desta jornada são muitos, entre os quais não é possível fazer uma hierarquia de relevâncias. Talvez fosse possível contornar alguns deles, mas há uma causa que não pode ignorada: não há muito mais o que se analisar na mídia informativa brasileira.

Os principais veículos da imprensa se transformaram em panfletos políticos e vasculhar o noticiário em busca de jornalismo que valha uma referência tem sido como buscar um fio de cabelo no palheiro.

Naquela data de estreia, 16 de julho de 2007, uma segunda-feira, o Brasil já estava imerso em um escândalo político, mas o observador destacava que a Folha de S.Paulo era o único dos grandes diários de circulação nacional que ainda apontava o dedo para suspeitos de todos os matizes. Nas edições daquele final de semana e da segunda-feira, o jornal paulista havia aberto espaços proporcionalmente adequados tanto para os acusados que eram da aliança governista quanto para os da oposição.

Esse era o quadro do escândalo da época, segundo a visão do observador: “Enquanto o Globo e o Estado de S.Paulo dão claramente mais destaque para os casos de Renan Calheiros e da quadrilha que atuava na Petrobras, a Folha mantem sob os holofotes, com destaque, as irregularidades na CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, que respinga no deputado Mauro Bragato, ex-secretário do governo Geraldo Alckmin”.

Como se pode constatar, pouca coisa mudou no cenário da imprensa nacional desde então. Corrupção era o tema de maior destaque, e no comando da seleção de futebol um técnico chamado Dunga boicotava jornalistas da emissora SporTV. Uma diferença: o Brasil comemorava a conquista da Copa América.

Boa sorte

Naquela ocasião, as revistas Veja e Época faziam jornalismo, ainda que já mostrassem sinais de certa tendência maniqueísta. A revista mensal Os Brasileiros se apresentava como um projeto que tentava reviver o modelo das reportagens de fôlego, cujo exemplo maior havia sido a revista Realidade, da Editora Abril. O então presidente Lula da Silva iniciava seu segundo mandato, e os jornais repercutiam as novas políticas sociais com estatísticas sobre desigualdades de todos os tipos.

Nesta terça-feira (30/6), o que se lê na imprensa hegemônica não guarda mais qualquer relação com jornalismo de qualidade. As manchetes dos três diários de circulação nacional fazem uma leitura enviesada de declarações da presidente Dilma Rousseff, evitando entrar no mérito de sua manifestação: a inquietante constatação de que a Justiça tem pautado suas ações no escândalo da Petrobras com base na delação de indivíduos cujo destino depende de sua disposição para justificar os pressupostos da investigação.

O propósito da visita da presidente aos Estados Unidos – reanimar as relações conturbadas pelo episódio de espionagem revelado dois anos atrás, encaminhar acordos sobre a questão climática e estimular investimentos – ficou em segundo plano. A única pauta que interessa à mídia tradicional do Brasil é a agenda da desconstrução da aliança que controla o Poder Executivo desde 2003.

Mas essa é uma questão que os leitores atentos reconhecem em cada linha do noticiário, em cada expressão dramática nas faces dos apresentadores dos telejornais de maior audiência. Os demais – aqueles que tomam por verdadeiro tudo que sai na imprensa – seguirão repetindo a linguagem chula dos pitbulls que trucidam a língua culta e subvertem a narrativa jornalística.

Este observador se retira, sem prazo para retornar.

Os primeiros artigos escritos para este Observatório da Imprensa tratavam de sustentabilidade e de propostas para superação da crise que desde então ameaçava o futuro dos jornais.

Esta derradeira observação não pode ser mais otimista, em relação à mídia tradicional, do que as daquele tempo. Mas sabemos todos que, uma vez colocada a lente da crítica sobre a imprensa, você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

24 Comentários

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  1. Grande perda para os leitores

    Grande perda para os leitores do OI. Eu já havia percebido que o barco estva fazendo água, desde quando resolveram reformular o sítio eletrônico do observatório. Mesmo antes, quando Mauro Malin e Carlos Brickman, inconformados com as críticas de LMC, passaram a ofendê-lo em artigos publicados lá, pensei: vai ser difícil a convivência de pessoas com visões tão díspares no mesmo veículo de observação e análise da mídia. Para minha infelicidade, o Luciano é que foi forçado a se desligar. Ao Alberto Dines eu enviei vários avisos, mas não adiantou; ele preferiu acabar com os debates na versão televisiva, transformando o programa em entrevistas bajulatórias e beija-mãos. Para piorar, restringiram a postagem de comentários pelos leitores. A conseqüência será a perda de audiência e significância e a morte lenta do portal, junto com a mídia comercial, o objeto da observação e da análise a que o Observatório se propunha.

    1. Não se pode confiar no

      Não se pode confiar no Alberto Dines. Ele tem um pé lá e outro cá. Não seria por ser descendente de judeus? Os judeus não gostam da esquerda por estes defenderem os palestinos. Deve ser difícil para o Alberto Dines ser simpático ao PT. Não tenho nada contra os judeus, o pai dos meus filhos, é judeu. Nessa área estou sabendo das coisas.

  2. Boa sorte a você

    Vamos perder um fino observador da imprensa e seu tempo. Fica a triste constatação de que o jornalismo acabou. O jornalismo morreu, diria Nietzsche se vivo fora. O que ja vivemos em termos de imprensa é um embate diario num Pais sufocado entre uma classe média despolitizada e viciada em privilégios e uma imensa maioria tentando se levantar e encontrar um lugar ao sol no seio da mesma classe média que a explora e despreza. 

  3. Caro Luciano

    Ser crítico da imprensa brasileira tem sido uma tarefa ingrata, obrigada por tua contribuição, resististe muito tempo. Mas eu terminaria tua despedida assim: no Brasil hoje “…uma vez colocada a lente da crítica sobre a imprensa, você nunca mais vai ler jornal.” Boa sorte!

  4. Tamos ferrados ….

    “Talvez fosse possível contornar alguns deles, mas há uma causa que não pode ignorada: não há muito mais o que se analisar na mídia informativa brasileira.”

    Nao tem conheço mas discordo de tua posição, chapa.

    Tu e outros que sairem estarão fazendo o jogo do poder. O poder quer e sempre quis que a turba permaneça no limbo do sub-mundo da ignorância. Quer e estão quase conseguindo fazer entender que só é verdade, verdadeiro, justificável o que eles publicam.

    Exemplo ?

    29/06/2015 19p6 – Atualizado em 29/06/2015 19p6

    ‘Não imaginava’, diz amigo que deu rodas para carro de Cristiano Araújo

    Ex-jogador presenteou motorista do cantor: ‘Hipocrisia achar culpado’.
    Sertanejo e a namorada morreram após acidente na BR-153, em Goiás.

    (http://g1.globo.com/goias/noticia/2015/06/nao-imaginava-diz-amigo-que-deu-rodas-para-carro-de-cristiano-araujo.html)

    ORRA, meu! Ser noticia o que acha o ex-jogador primo do cunhado do vizinho da concunhada da prima da Monica (aquela”!) ? Tamos ferrados!

  5. Imaginem

    Ser obrigado a ler todos os dias o que se publica na imprensa escrita brasileirta para poder anali-lá. Não sei como ainda está vivo. Eu játeria tido um câncer ou morrido de ataque cardiáco.

  6. Ô , Luciano, acabou aí… não ali, acolá.

    Ouvi de Plínio Marcos, certa vez, que quando lhe trancavam uma porta ou faziam ele próprio trancá-la, ele vestia outra roupa, pegava outra direção e continua buscando e fazendo e criticando e avaliando.

    Mino Carta é outro que “sempre teve que criar seus próprios empregos”, depois de um certo tempo, inviabilizados os espaços que muitas vezes haviam sido criados por ele até. Caía fora e seguia.

    Portanto, vem aí, certeza, você maior ainda.

    Aguardaremos.

  7. triste
    É triste quando um crítico do jornalismo se afasta porque… Bem, porque não fazem mais jornalismo a ser criticado. entendo perfeitamente a postura e na verdade dou apoio. Tanto o jornalismo como a política brasileira estão num estado tão lamentável que dá um cansaço só de observar algumas manchetes. O melhor talvez seja mesmo a retirada. Na área da política, pelo fato principal de quem qdeveria se defender e fazer política não o faz, e ficam os rastaqueras na internet vociferando ao léo. No jornalismo, porque os próprios jornalistas, que deveriam lutar pela sua categoria profissional e pela sua dignidade, também não o fazem. Então para que outros o farão? Pode parecer um tanto niilista isso, mas que ambos, políticos e jornalistas, morram abraçados, até que um sopro de mudança venha, sabe-se lá de onde.

  8. Realmente fazer críticas ao

    Realmente fazer críticas ao jornalismo no Brasil hoje é uma função completamente nonsense.

    Não existe mais jornalismo no Brasil.

    Nem jornalistas, nem jornaleiros.

    Acabou.

    Ainda há um ou  outro jornalista perdido no meio de tantos fofoqueiros e ficcionistas de quinta categoria.

    Desolador.

    Vale escrever qualquer coisa para receber o salário no fim do mês.

    O patrãio pediu. Que se cumpra o que ele quer.

    Nada mais.

     

    1. “Realmente fazer críticas ao

      “Realmente fazer críticas ao jornalismo no Brasil hoje é uma função completamente nonsense”:

      De fato, ta abaixo ate de mim.  Outro dia mesmo, a uma pergunta boa e valida feita por um comentarista, eu me reduzi a analizar uso de aspas e excesso de virgulas(!).

      Ta mal…

      BOA SORTE, LUCIANO.

  9. O OI está em crise?
    Qual será

    O OI está em crise?

    Qual será o real motivo dessas despedidas?

    Usando uma expressão da época do Dines: tem gato na tuba.

  10. A grande mídia brasileira

    Caros leitores, hoje escrevi um comentário no UOL, para o texto “Agências na Lava Jato tiveram R$969 mi de publicidade nos anos Dilma”, texto de Fernando Rodrigues.

    Já se passaram algumas horas, muitos comentários foram publicados desde então, e nada do meu, que é uma crítica ao texto do jornalista e ao que escreveram os comentaristas.

    Vale a pena conferir. E vejam quantos comentários de autoria de Antonio Evandro lá estão, todos fazendo gato e sapato dos governos do PT.

     

    1. E ………….

      Adriano, não seja ingênuo. O UOL, faz tal qual na Operação Vaza Jato, seletividade. Se posta algo contra os governos do PT, imediatamente publicam, caso contrário, nem pensar !!!

      Minha sugestão é que voce faça que nem eu e vários outros. Ignore-O !!!!!!!!!!!!

  11. Infelizmente……………

    Carta aberta ao Sr. Luciano M. Costa

    Ao ler seu artigo de  “despedida” do OI, fico deveras sentido, com grande sentimento de perda, pois voce é um dos poucos que sabem fazer a diferença neste canil em que se transformou nossa imprensa nos dias de hoje.

    Acompanho-o e leio avidamente seus artigos, há anos,  pois são um alerta e uma análise lúcida dos vários momentos de nossa vida nacional. E  isto não tem preço, tendo em vista a decadência dos profissionais de jornalismo que ora proliferam no meio jornalistico!

    Aliás, chamá-los de jornalistas é depreciar os verdadeiros profissionais desta maravilhosa profissão, que tão bem você representa!

    Quando ainda freguentava e comentava no OI, e já fazem alguns anos, desde o trágico episódio da “morte” do Chaves, quando eu e vários comentaristas daquele Site, instavam o Dines a comentar a “barriga” do El Pais, e ele solenemente ignorava nossos apelos.

    Após vários dias,  AD comentou o assunto, dando-lhe o  título – El Pais caiu no conto do vigário -, e após sermos, eu e os vários colegas que o haviam instado, termos sido criticados pelo moderador Luiz Egypto, inclusive com envios de E-mails para nosso correio particular, rebatendo nossos argumentos e nos desejando – FELIZ NAUFRÁGIO, desistimos de freguenta-lo, e causando uma debandada geral !!!

    Assim, não quero lamentar sua saida, daquele Site, mas parabenizá-lo pela atitude, pois sei que naquele espaço você estava realmente podado, e embora não o diga, por ser um verdadeiro gentleman, sabemos em qual hora  deixar o navio que está naufragando!!

    Finalizando, posso dizer que todos nós, seus admiradores, sabemos que sua ausência é apenas nas páginas do OI, mas que, e você bem o sabe, não podemos ficar órfãos de seus artigos.

    Aliás, jornalista como você, jamais se furta a divulgar sua arte, pois o jornalismo esta no seu DNA !!!!!! 

  12. Tucanizaram o Observatório… virou poleiro.

    Puxa! Luciano Martins Costa, Sylvia Moretzsohn e até Luis Egypto, de uma só vez?! Bem que poderiam vir para o GGN…

     

    E sobrou quem? Castilho, Brickman, Malin, Bucci… e Dines, claro. Que pena, nunca mais se observará a imprensa do mesmo jeito.

  13. ???

    Luciano Martins Costa, posto que não hierarquize os motivos para sua saída do OI, escreve “mas há uma causa que não pode ignorada: não há muito mais o que se analisar na mídia informativa brasileira.”

    Vamos ao sítio do OI e temos lá um editorial:

    “Conjunturalmente, fomos também atingidos nos meses mais recentes pela crise econômica que o país inteiro enfrenta. Vários parceiros tiveram de atrasar pagamentos ao OI, outros foram obrigados a desistir de antigos vínculos de cooperação. Tudo isso levou a uma situação, que temos certeza que será momentânea, que afasta provisoriamente alguns colaboradores históricos do OI, que mantém suas portas permanentemente abertas a todos eles.”

    Por aí, alguém melhor informado pode deslindar a “matéria”.

  14. Vazio

    Nos últimos anos li, com prazer, sua coluna no OI. A capacidade de produzir um texto que funciona bem sendo ouvido ou lido me parece rara. Substância, elegância e síntese são qualidades incomuns, sobretudo quando simultâneas.  No momento sinto como se me tivessem tirado a possibilidade de ler as crônicas do Veríssimo. De qualquer forma vou procurá-lo por aí e espero achá-lo logo.

  15. LMC no OI

    leitura diária, bom senso. Jornalista.

     

    O OI, também com a saída da Sylvia Moretzsohn, diminui ainda mais. 

    Será que o Prof Venicio Lima também será defenestrado?

    Who knows…

    (TRISTE)

     

    ps- o tal Egypto, nenhuma perda. Fraco, direitista básico…

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