O dono da bola, por Conrado Hübner Mendes

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Monier.,.,.,

O professor de Direito Constitucional da USP, mestre e doutor em Ciência Política (conhecimento importante nessa questão) pela mesma universidade, e doutor em Direito pela Universidade de Edimburgo (para os que precisam ver um carimbo “alemão” no currículo acadêmico de outrem), faz ao nosso Jornalismo um pedido razoável: um pouco mais de leitura; um pouco menos de midiatização.

do Congresso em Foco

O dono da bola

O jornalismo que cobre o Judiciário se deixa seduzir muito facilmente pelas palavras do ministro Gilmar Mendes, critica professor de Direito da USP. “Poderíamos deixar de ouvir o Gilmar Mendes midiático e passar a ler o Gilmar Mendes juiz”

Conrado Hübner Mendes *

O STF abriu nesta segunda-feira (2) o ano judiciário. O tribunal teve uma pauta conturbada em 2014 e a de 2015 não será diferente.

Na medida em que ganhou envergadura política na última década, muito se discutiu sobre o papel que o Supremo Tribunal Federal conquistou, seu volume oceânico de casos e a qualidade de suas decisões.

Um aspecto, porém, ainda pede maior cuidado crítico: o modo como alguns de seus ministros frequentam e manipulam, sem parcimônia, a mídia cotidiana. O ano de 2014 foi exemplar nessa superexposição pública e a conduta de um ministro, em particular, serve como bom ponto de partida para essa reflexão institucional.

Gilmar Mendes, como de costume, fez-se onipresente. O tiroteio retórico lhe encanta e dele participa com artilharia pesada. Seu vocabulário é recheado de clichês da hipérbole política. Jornalistas não mais o procuram por sua clarividência, mas, sim, por uma manchete.

Tanto faz se o assunto está para ser decidido pelo Supremo ou se nem chegou ao tribunal. Sente-se autorizado a mandar recados pela imprensa. Entende, pelo visto, que a Lei Orgânica da Magistratura a ele não se aplica. Princípios de circunspecção judicial, que buscam promover não só a imparcialidade mas também a imagem de imparcialidade, servem para os outros.

Por exemplo, quando provocado a opinar sobre a validade de uma constituinte para a reforma política, ponderou: “Não é razoável isso, ficar flertando com uma doutrina constitucional bolivariana”. E concluiu com ironia: “Felizmente não pediram que na Assembleia Constituinte se falasse espanhol”.

Instado a falar sobre o decreto de participação social do governo Dilma, voltou ao seu mais novo slogan de algibeira: “Tudo que vem desse eixo de inspiração bolivariano não faz bem para a democracia”.

Nesse último processo eleitoral, como ministro do Tribunal Superior Eleitoral, após decisão que rejeitou candidatura de José Roberto Arruda com base na Lei da Ficha Limpa, da qual é opositor contumaz, afirmou, em ataque ao colegiado: “Quem tem responsabilidade institucional, justifica. Não faz de conta que hoje estava votando assim e hoje eu estava votando assado. Isso é brincadeira de menino”. E completou: “Quem faz jurisprudência ad hoc é tribunal nazista”.

Gilmar Mendes luta com as armas que tem e não gosta de perder. Quando perde, solta o verbo, e o seu verbo é calculado para polemizar. Pouco importa que afete a integridade do tribunal e de seus próprios colegas. A dúvida, matéria-prima para um bom juiz, não o atormenta.

Como numa “brincadeira de menino”, quer ser sempre o dono da bola. Uma cultura constitucional governada por donos da bola, contudo, corrói o projeto da Constituição de 1988 e o delicado capital político do STF. Sobreviver a ministros assim é hoje um dos maiores desafios do tribunal.

O jornalismo que cobre o Judiciário se deixa seduzir muito fácil pelas palavras do ministro. Poderíamos deixar de ouvir o Gilmar Mendes midiático e passar a ler o Gilmar Mendes juiz. Seus votos proporcionam descobertas mais interessantes para o bom debate e a boa crítica. Ali estão as polêmicas que precisam ser captadas pelo radar público e pelo jornalismo diligente.

A política está na temperatura ideal para os “mancheteiros” de plantão, veremos quais serão as próximas de Gilmar Mendes. Ignoremos a superfície e conversemos sobre o que vale a pena conversar, pela dignidade do direito constitucional.

* Conrado Hübner Mendes é professor de Direito constitucional da Faculdade de Direito da USP.

** Artigo publicado originalmente na edição de 3 de fevereiro de 2015 da Folha de S.Paulo.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. “O jornalismo que cobre o

    “O jornalismo que cobre o Judiciário se deixa seduzir muito fácil pelas palavras do ministro. Poderíamos deixar de ouvir o Gilmar Mendes midiático e passar a ler o Gilmar Mendes juiz. Seus votos proporcionam descobertas mais interessantes para o bom debate e a boa crítica. Ali estão as polêmicas que precisam ser captadas pelo radar público e pelo jornalismo diligente.”

    O jornalismo não se deixa “seduzir” coisa nenhuma. Ele está ali pra isso. Ele é o “lider da oposição” no Supremo e não há a menor dúvida dissso. Integram o mesmo bloco.

    Sobre seus votos basta de exemplo o papelão nos embargos infringentes quando votou escancaradamente contra a Lei, contra a Lei.

    O projeto para acabar com os embargos infringentes no STF passou pela mão dele mas foi barrado no legislativo. E ele sabia muito bem disso mas mesmo assim julgou somente de acordo com a própria vontade e pela cara do réu.

    Isso é Juiz? Não passa de um politiqueiro vulgar. Um politiqueiro do tipo arcaico, inclusive, que age como se a Lei da magistratura a ele não se aplicasse tanto quanto os regulamentos do funcionalismo público que impedem de exercer cargos de diretoria em empresas.

    São esses os talentos do bloco reacionário.

    Triste é ver que os representantes das forças progressistas são atacados com toda fúria por esse pessoal mas reagem de modo tímido e pretensamente cavalheiresco. Já era para, lá atrás, algum senador ter sido escalado para ficar pedindo o impedimento desse mendes todo dia, dia após dia, principalmente após cada “declaração” dele na imprensa.

    Pior do que dar uma de “dono da bola” é jogar sem marcação no grito.

  2. post sintomático sobre as

    post sintomático sobre as aleivosias do gilmar mendes,

    cujas traições ao direito e á magistratura devem ser travadas sob

    pena de ferir a dignidade de todo o judiciário brasileiro, para sempre,,,,

    e o histórico do judiciário certamente, como se sabe,

     não o beneficia, já que há uma  pletora de patrimonialismos e

    privilégios que maculam a sua existencia e atuação. 

    a deslealdade e perfídia de mendes são evidentes.

    a grande mídia não esclarecerá, mas o problema não é ouvir

    o animal político gilmar mendes,

    a questão fundamental é esclarecer as suas decisões ditas jurídicas

    mas  muito,convenhamos, no mínimo esdrúxulas.

    voce pode completar com outros adjetivos que dariam ansia de vomito

    em qualquer brasileiro bem informado sobre a atuação deste senhor patriarcal.

    vomito nojento, cuja farmacopeia civilizatória e democrática

    precisa ser administrada urgentemnte para evitar um retrocesso

    político histórico, o qual será de difícil  reversão…

    principalmente se não houver uma mobilização popular

    que estanque essa absurdidade ambulante e vociferante

    chamada gilmar mendes e seus assemelhados colusivos.

  3. Ingenuidade

    Os jornalistas procuram o eminente representante da plutocracia no STF com uma pauta pronta : críticas ao governo federal, ao PT ou qualquer setor progressista da sociedade. É muita ingenuidade supor que eles “seriam seduzidos” pela fala articulada do ministro ou que não saibam o que estão fazendo quando deixam de perguntar a Gilmar por que ele não devolve a ADIN da OAB. Como se dizia na minha terra, é um “jogo de compadres”. 

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