O ponto do não-retorno, por Luciano Martins Costa

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

do Observatório da Imprensa

O ponto de não-retorno

Por Luciano Martins Costa

A semana dos chamados dias úteis antes do feriado prolongado se encerra em clima de conspiração: a mídia tradicional prepara suas edições de domingo, nas quais há farta encomenda de artigos sobre a intenção de partidos oposicionistas de propor o impeachment da presidente da República.

Na sexta-feira (17/4), percebe-se que os autores da proposta deixam em segundo plano o elemento “apoio popular” – que se torna questionável com a revelação de que as manifestações contra o governo são feitas quase exclusivamente por eleitores do senador Aécio Neves (PSDB-MG), derrotado na eleição presidencial de 2014 (ver “Breviário do perfeito midiota”).

A nova tática consiste em buscar argumentos “jurídicos” com base na teoria do “domínio do fato”, que implicaria a presidente Dilma Rousseff em qualquer ato ilícito praticado por auxiliares de segundo ou terceiro escalões. Mas esse caminho leva a um labirinto no qual poderão se perder o próprio senador Neves e governadores eleitos pelo PSDB – caso, em algum ponto do calendário, a Polícia Federal e o Ministério Público decidam arbitrar suas ações na especificidade dos crimes que investigam, e não na sigla partidária a que conduzem os indícios e as provas.

As declarações selecionadas pela imprensa para criar um substrato jurídico não dissimulam o caráter golpista desse movimento, nem escondem o plano de, não sendo aconselhável partir para a ruptura institucional, seguir ateando fogo à governabilidade.

Como alternativa para manter o assunto vivo na mídia, articulou-se uma ação que pretende impugnar a chapa vencedora na eleição presidencial, com o objetivo de destituir ao mesmo tempo a presidente e seu vice, Michel Temer.

A iniciativa foi abortada pela ministra do Tribunal Superior Eleitoral Maria Thereza de Assis Moura, que negou legitimidade ao pedido, mas um recurso do PSDB recolocou o assunto em pauta, desta vez entregue nas mãos do ministro Gilmar Mendes. O magistrado, que retém em seus arquivos, há mais de um ano, o processo sobre financiamento de campanhas eleitorais, se torna, assim, o dono da agenda dessa nova manobra.

A semana que começa com o Dia de Tiradentes será uma oportunidade para discursos e declarações capazes de dar um lustro ao que é mero golpismo.

A máscara derrete

O artigo 81 da Constituição diz que, na hipótese de ser impugnada a chapa, e não apenas interrompido o mandato da presidente, seria marcada nova eleição num prazo de 90 dias. Interessante observar que ativistas em favor de uma intervenção militar no processo político contam com a possibilidade de militantes do Partido dos Trabalhadores e outras organizações sociais saírem às ruas para defender o mandato conquistado nas urnas – e celebram sem disfarces o risco de um conflito.

Dito assim, o cancelamento da eleição de 2014 parece um plano alucinado, e em circunstâncias normais seria improvável a adesão de alguns destacados protagonistas da cena política a uma aventura dessa natureza.

Observe-se que, no centro da cena, o senador Aécio Neves lidera o projeto na companhia de representantes das frações mais conservadoras da aliança oposicionista, alguns dos quais precisam produzir alguma instabilidade para adiar ou suspender ações judiciais que pesam sobre eles. Outros líderes do PSDB, como o senador José Serra e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, guardam uma posição mais discreta.

Movimentos como esse sempre têm um ponto de não-retorno, a partir do qual o comprometimento dos participantes se consolida de tal maneira que não será mais possível recuar. Aécio Neves passou desse ponto: se o projeto de impeachment for enterrado rapidamente, ele passará para a segunda ou a terceira fila dos candidatos tucanos à eleição de 2018. Quanto mais se envolve nesse plano, menores serão suas opções no futuro próximo, porque na política, como no futebol, as paixões devem ser contidas dentro das regras do jogo – e a torcida não perdoa quem tenta ganhar no “tapetão”.

Se a presidente superar a crise de relacionamento com o Congresso e as medidas econômicas começarem a surtir efeito até o final deste ano, o PSDB – e não apenas Aécio Neves – terá que enfrentar, nas próximas campanhas eleitorais, a acusação de haver atentado contra o processo democrático.

A mídia tradicional, patrocinadora dos golpistas, vai registrando mais um episódio deletério em sua história. Jornalistas recentemente demitidos, às dezenas, do Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo relatam, discretamente, os bastidores dessa articulação nas redações.

A máscara da imprensa começa a derreter.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

      1. Morreram às centenas por

        Morreram às centenas por conta da ditadura parida por Robert Marinhol. Já não é mais uma hipótese, é certeza. Para manter-se no poder, se preciso for, a mídia alegremente estimulará uma chacina em praça pública.
        Desta vez a morte tem que ser dela.

        Ahh! morte apenas à pessoa jurídica, pois nos seus estabelecimentos há bilhões de reais de dinheiro público por lá jorrados desde muito. Dilma, infelizmente, continua a alimentar esse verme chamado Rede Globo com R$1 bi anualmente.

        Ou o Povo acaba com a Globo ou a Globo acaba com o Povo.

         

      2. O mais provável é que faça
        O mais provável é que faça parte das deles. Reagir a injustiça é um direito natural. Se rasgarem a CF/88 retornaremos todos ao estado de natureza em que o direito natural é legítimo.

  1. Nas monarquias os filhos dos

    Nas monarquias os filhos dos reis são preparados desde o berço para assumirem seu lugar na sucessão. Nas oligarquias o mesmo se dá com os filhos dos poderosos. Aécio é isto, herdeiro de uma oligarquia que foi preparado para assumir um alto cargo. Foi derrotado por uma simples “plebéia” e agora, tal qual criança mimada, não aceita ter sido contrariado. O mesmo vale para os donos dos grandes veículos de mídia que herdaram das famílias o comando do “quarto pdoer”. Encheu. Sério, encheu! É muita falta de vergonha na cara!

  2. Pois é, Luciano, sacou,

    Pois é, Luciano, sacou, atira. Do contrário que Aécio Neves da Cunha torça para que a mira tenha sido limada…

  3. Será que eles pensam que vão

    Será que eles pensam que vão fazer o que querem e no dia seguinte vai todo mundo trabalhar?

    Que hoje não é possivel mais esconder como fizeram aqueles que ganharam malas de dinheiro para ajudar no golpe de 64?

    Em clima beligerante acham que haverá investimentos estrangeiros? 

    Acreditam na manutenção de empregos?

    Se eles pensam tudo isso e acham que com balas de borracha farão as mudanças, eles são IRRESPONSÁVEIS!

  4. Meu deus, meu deus, meu

    Meu deus, meu deus, meu deus!

    Quando vejo “especialistas” acordarem tão tarde me dá vontade de perguntar: bom dia, dormiram bem!?

    Esse mato está crescendo há décadas e só hoje que enxergam… Vá matar aula de Sociologia, História e Filosofia lá …!

    Será que esse aí é mais um que defende a exigência de “diploma” de jornalista [coxinha] para o exercício da profissão de in-for-mar?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador