Outro jornalismo é possível, por Gilson Caroni Filho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Hoje nos chega às mãos o discurso de Gilson Caroni Filho como Paraninfo de turma de Jornalismo. Um discurso que orienta jovens e futuros profissionais, e que deveria ser enviado a cada um que se formou há mais de dois anos e está na lida diária da caça às notícias.

Gilson Caroni lembra a todos que a ética não é um discurso vazio, mas uma prática diuturna e obrigatória nesta profissão que tem, por norte, trazer o diverso, para que mentes se formem passeando pelo dito e pelo ouvido em tantas fontes.

O discurso é novo. Mas já se torna velha esta necessidade de tornarmos o jornalismo ao ponto inicial, ao nascedouro da notícia, à conquista de uma sociedade plural, jamais uníssona, jamais partida, jamais raivosa, nunca perdida, por sorte cidadã e forte.

O discurso está aí senhoras e senhores, aproveitem e ajudem a fazer brotar um novo tempo.

Por Gilson Caroni Filho

Discurso de Paraninfo de Jornalismo. Facha. 2015-2

Prezados alunos.

Mais uma vez fui surpreendido pela escolha de vocês.  Nosso primeiro encontro se deu quando ainda estavam nos dois primeiros períodos do curso. Imaturos, não todos, viviam o encantamento do início da vida acadêmica. Estudavam Sociologia, Filosofia, Psicologia e outras cadeiras teóricas tão indispensáveis para a formação do pensamento crítico.

Passados quatro anos, pergunto qual é o significado do jornalismo nos dias de hoje? Qual a sua importância para o país em que vivemos? E como devem exercê-lo?

Gabriel García Márquez, em artigo traduzido há dez anos pelo Observatório da Imprensa, foi preciso ao definir o jornalismo como “a melhor profissão do mundo”. Sem dúvida, para quem tem espírito inconformado e crítico, para quem aprecia ouvir e produzir bons relatos, para quem se interessa pela vida pública, nada pode ser mais atraente.

Nesta noite quente de 9 de março, não vivemos apenas a solenidade que marca a conclusão formal de um curso. Vocês ganham instrumento importante.

Um instrumento para revelar o que ainda está oculto, para reavivar a memória deliberadamente esquecida por outras narrativas, para promover a cidadania com informações que, para muitos, parecem irrelevantes, mas são de uma importância fantástica na luta contra a intolerância, embate indispensável para vivermos a democracia, que só se afirma na convivência das diversidades que existem em nossa formação social.

Nunca se esqueçam de que nada disso é possível sem ética. Este ramo da filosofia, e também conceito, que transformado em palavra é citado com frequência, para ser abandonado em seguida. Não se trata de uma abstração etérea, mas de uma postura na vida. Ela exige que, em momento algum, vocês negociem princípios ou transijam com linhas editoriais que negam a essência republicana da profissão que ora abraçam.

Evitem os atalhos, apurem, perseverem. Não pratiquem o jornalismo panfletário, que por ser panfletário, não é jornalismo. Procurem se manter à distância da promiscuidade com o poder, seja ele o político ou o econômico. Usem a ética para chegar mais próximo da verdade possível. Vocês têm a possibilidade de denunciar o que está errado e anunciar o que está por vir. Mas evitem o noticiário seletivo, o texto editorializado e o denuncismo militante.

Se eu repetir a afirmação de que “outro mundo é possível” estarei lidando com a conclusão de reflexões aprofundadas por diversos movimentos políticos que se reúnem periodicamente no Fórum Social Mundial. Não é algo fácil de ser compreendido. Mas se eu disser que “outro jornalismo é possível” estarei tratando de um fato concreto, palpável.

Bastará a leitura de alguns jornais e revistas em um passado não muito longínquo. Ou a trajetória de alguns profissionais de imprensa. Já que citei Gabriel García Márquez, permitam-me, em um exercício de realismo mágico, misturar personagens ilustres de tempos distintos. Leiam o que escreveram Alberto Dines, Joel Silveira, Marcelo Pontes, Claudio Abramo, José Hamilton Ribeiro, Luis Nassif, Janio de Freitas, Mônica Bérgamo e Caco Barcellos, entre tantos outros nomes notáveis. Todos eles estão ou estiveram no mercado, o que comprova que o exercício do jornalismo pode ser feito sem rendição aos ditames de quem emprega. Não é fácil, exige muita luta, mas não é impossível.

Para aprimorar o texto, além das técnicas aprendidas no curso, procurem ler as colunas escritas por Armando Nogueira, com seu estilo machadiano, o texto telegráfico de um João Saldanha ou as linhas sinuosas e envolventes de Carlos Heitor Cony. Percebam a musicalidade das palavras e a conversa harmoniosa entre os parágrafos. Nunca parem de ler e se reinventar. Lembrem-se de que no jornalismo, metáfora da vida, aquilo que vocês acabaram de apurar e publicar já faz parte do passado. O dia seguinte é indeterminação, um desafio a ser vencido com muita apuração e pesquisa.

Não me despedirei. O que começou em sala não termina. Nós já formamos uma história indissociável. Tenham certeza que o mesmo vale para a instituição em que estudaram. Vocês se aborreceram na e com a Facha, esta faculdade criada por Hélio Alonso, um professor humanista. Mas nela também viveram momentos felizes. Não será possível tirá-la da memória, bem como a memória institucional dela não poderá ser contada sem vocês.

Queridos, sejam felizes e exitosos. Aposto minhas fichas em vocês. E muito, mas muito obrigado mesmo, por me escolherem para estar aqui, hoje, como paraninfo de vocês.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. O jornalismo, a ética, os

    O jornalismo, a ética, os Marinho e a casa em Parati

    editorial

    Leio, no Diário do Centro do Mundo, a hipótese levantada por Paulo Nogueira – que com ele conviveu – de que João Roberto Marinho poderia ter liberado a Globo para uma ofensiva sem limites contra Lula e o governo pelo fato de ter surgido o noticiário constrangedor sobre as ligações entre a família Marinho e a mansão irregular construída na Praia de Santa Rita, em Parati.

    Não creio – aliás, como o próprio Paulo também não – que seja esta uma hipótese provável, até pela inteligência que todos reconhecem em João Roberto.

    De qualquer forma, a menção presta-se a uma reflexão sobre a prática da ética no jornalismo, tão escassa em nossas plagas. E, sejamos justos, também em outras terras, como são emblema vergonhoso os tablóides ingleses.

    E obriga a este post, de natureza editorial.

    Em momento algum invadiu-se a intimidade de sua família, ao contrário aliás, do que fizeram colunas sociais que registraram divórcios, casamentos e até mesmo o fez o Judiciário, publicando estupidamente no Diário Oficial nomes numa ação que, por definição legal, é sigilosa.

    Em momento algum este blog – e quase sempre todos os outros que participaram do deslinde da propriedade da casa – publicou algo que não estivesse contido em documentos públicos.

    Aliás, não apenas públicos, mas publicados na internet.

    Mais ainda: todos os documentos nasceram de iniciativa das empresas e pessoas interessadas, com os dados e circunstâncias que resolveram utilizar. Quem ligou a Agropecuária Veine Patrimonial, dona formal da propriedade de Parati e a empresa de João Roberto e sua filha foi o endereço de registro fornecido por ambas à Receita Federal, informado por eles mesmos ou à sua ordem.

    Nenhum deles foi obtido por “vazamento” ou “ajuda” das autoridades públicas, nenhuma informação foi colhida com porteiros, vendedores, lojas e outros prestadores de serviço que tenham tido ou os donos da mansão, exceto as que estes, espontaneamente, colocaram na rede mundial de computadores para promover seu talento, capacidade e bom-gosto.

    Foi assim, por exemplo, com as fotos do exterior e do interior da casa, os vídeos e as animações computadorizadas aqui reproduzidas. Nenhum expediente escuso foi usado para obtê-las.

    O que público está, público é.

    Como são públicas e publicadas as autuações, multas, requerimentos e até a sentença que versam sobre as irregularidades e violações legais da edificação.

    Igualmente, as parcas resposta oferecidas foram publicadas na íntegra, sem edições, sem notas de rodapé que as contradissessem, sem senões que as replicassem, exceto os feitos em separado, em novas matérias, como é dever jornalístico.

    Também não foi ninguém pressionado a informar. Duas pessoas documentalmente ligadas às empresas que partilham o apartamento 601 da Rua Bulhões de Carvalho, 296 foram abordadas, gentilmente, por telefone – nada de cerco, embora dispusesse dos endereços – e responderam como quiseram: a primeira com ofensas e ameaças e a segunda com uma manifestação de que falaria pessoalmente, jamais efetivada. Não houve insistência, assédio, pressões.

    Foi, ao contrário do que assistimos nos processos de investigação judiciais-policiais que a grande imprensa não questiona do ponto de vista moral e legal, uma apuração exclusivamente lógica e documental. Com a dedicação e a garra profissional que, certamente, quer João Roberto sejam praticadas por seus colegas e empregados jornalistas.

    Se há irritação ou mal-estar pelo que se passou, que estes sejam dirigidos contra quem atropelou a legislação, camuflou propriedades e, ainda pior, o fez de forma pueril, que nem soube encobrir os rastros de ligação entre as empresas e a família a que pertencem ou pertenceram.

    De minha parte, é isso o que tenho de registrar. Não contei, neste caso e em nenhum outro, com qualquer informação partida de órgãos públicos – exceto aquelas de acesso geral – ou informação privilegiada de governos, em qualquer esfera. Nem mesmo a ajuda indireta de patrocínio, porque não conto com ele – o pequeno anúncio da campanha contra o zika virus desta página é oferecido graciosamente, por dever de cidadania, como antes foi o  da campanha contra o crack, aliás sobre o qual O Globo, de maneira dúbia, pretendeu insinuar tempos atrás, quando participei de uma entrevista com Lula, sem outro auxílio sequer senão o do café e das bolotas de pão de queijo servidas durante o encontro.

    É por isso, e não por qualquer arroubo, que o tom de notificação adotado com este blog (e felizmente logo abandonado por uma postura gentil, que não foi recusada em um milímetro) não surtiu ou surtirá efeito e é, mais que uma violência, uma bobagem utilizá-lo.

    Publicou-se e publicar-se-á aqui o que for documentado, aquilo que estiver amparado em fatos e provas, não em suposições ditadas por simpatias ou antipatias políticas.

    Algo que, antigamente, correspondia à palavra jornalismo.

     

  2. Honra

    Tive a honra de ter o professor Gilson Caroni como meu orientador e de ter ouvido este discurso ao vivo ontem.

    É um estímulo para redesenharmos a história do jornalismo, compromissado com a verdade e com o bem público.

  3. Outro jornalismo é possível

    Em minha humilde opinião Gilson Caroni Filho deve estar incluido na própria lista de grandes jornalistas citados por ele.
    Emocionante!!

  4. Meu querido amigo, Gilson

    Meu querido amigo, Gilson Caroni! O que primeiro observou o “estilo” da pena desta Graúna! O que motivou a Ave retornar aos teclados. Às cinco da manhã de hoje parabenizando esta amiga pelo seu novo ciclo solar! Uma honra. Longa Vida ao Mestre e Amigo!

  5. …e jamais traiam o que o

    …e jamais traiam o que o mestre falou com tanto esforço,

    as contextualizações que ele tanto explanou com a experiencia e a honradez de

    um  importante pensador  brasileiro,mais do que um professor emérito de jornalismo….

    bravo, mestre caroni….

    espero que seus alunos não sejam sugados

    pela máquina de fabicar doidos!!!

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