Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Parem as fotos. Não quero mais ver a cara deles, por Rui Daher

por Rui Daher

Por que o massacre? Quais motivos levam as folhas e telas cotidianas, mesmo as de esquerda, a nos fazer conviver com a cara deles? Não bastariam os textos babosos que não precisaríamos ler, pois já sabemos como se constrói a burrice social e se destrói a democracia brasileiras? Como evitar as fotos deles? Quem suporta ver a cara deles? Deve ser por isso que eles as repetem diariamente, tanto faz se para louvar ou denegrir.

Imagens desagradáveis. Caras que não são rostos, mas entulhos; recheios somente reconhecíveis pelos interesses inconfessáveis, expressos em delações premiadas; mouros a quem falta o u das dignidade e miscigenação nacionais; os mendes desprovidos de mentes benévolas; os maias sem etnia de resistência; o temer, verbo, poltrão que a ninguém amedronta.

Repito. Fotos para quê? A simples menção a seus nomes já não nos traz a caricatura inesquecível do nada? E depois de tanta repetição como evitar os pesadelos? Eles, misturados ao lodo e à água sujos, fedorentos, que correm pelos barracos de quem trabalha, quando trabalho têm, ou enxovalhados quando recebem um dízimo pago pelo governo, ah, sim, paternalista, por óbvio.

Por que não mudar, inverter? Se a notícia trouxer alguma merda que falaram fizeram, ou prometem fazer, como de costume, que a ignomínia seja ilustrada pela figura de um brasileiro dos bons, sambista, escritor ou inovador tecnológico e social. Os preferem inanimados? Pois não, temos centenas de artistas, pinturas maravilhosas, grafiteiros criativos, escultores hábeis, paisagens de tirar o fôlego, moças lindas, esquecidas pelo negócio beleza, servindo em balcões de lojas, e moços destemidos rolando em seus skates.

Assim: o presidente-mordomo, sob chuva inclemente, toca a ponta dos dedos no caixão de um dos mortos no acidente aéreo e se retira. O narrador global se emociona e fala em simbolismo. Todo o País, em suas casas, frente à tela, repete o gesto numa caixinha de fósforos. Precisamos da foto desses dedos nas capas dos jornais e revistas do dia seguinte? Qualquer visão linda não seria mais significativa do que uma face cavernosa e um terno elegante tantas vezes vistos, pois roubados de nós?

Por que não um poema curto do Romério Rômulo Valadares, que curtiríamos no lugar da expressão nerd do procurador de PPT, pontos, parágrafos e travessões. Ou do Jardim bem tratado do Rubens, do Edinho Cruz, do Thiago?

Vejam que não estou pedindo a relativização dos profissionais da fotografia e do enquadramento. Nem de nossos extraordinários caricaturistas. Peço apenas a diversidade da desnecessidade de nos afrontarem com as caras desses crápulas que entediam nossos olhos e, menos expostos, talvez pudessem ser esquecidos.

Sei que a morte ajudaria, mas seria muito cruel. Parentes e filhos podem não ter culpa e, sem dúvida, ganhariam sossego deixando de ver seus nomes lembrados pela mídia, para a caricatura de amigos e envergonhados parentes.

Lembram que na época da ditadura militar, publicava-se poemas e receitas para substituir a censura?

Pois eu censuro todas as fotos deles. Não quero mais ver seus rostos. Me amedrontam. Afrontam minhas convicções. Fazem-me brochar.

De agora em diante: “Renan é afastado da presidência do Senado”. Foto: Dominguinhos e sanfona.

“Moro vai passar um ano nos EUA”. Foto: a Biblioteca Nacional.

“Temer nomeia Roberto Freire para a Cultura”. Foto: os murais de Diego Rivera.

“José Serra no funeral de Fidel Castro”. Ilustração: uma picareta enterrada na cabeça de Leon Trotsky.

“Sérgio Cabral em seu iate em Angra dos Reis”. Acima: receita de bagos de bois do Márcio Alemão.

Nota: no som Dik Farney e Lúcio Alves, em 1954, quando eu tinha 9 anos e eles não sabiam que a Tereza da Praia já era minha.

 

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

24 Comentários

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  1. Antigos poderes de velhos meninos.

    Embora por ter menos idade tenha perdido Marina,

    Me lembro do mar, da areia  mas  também do trovão

    Me lembro dos monstros que me assombravam

    Dos raios,  e da magia.

    Mas eu tinha poderes,

    Fechava meus  olhos e os monstros se  iam 

    Nenhum sobrevivia

    Mas jamais fechando os olhos esqueci de Maria

  2. So dou gracas a Deus de nao

    So dou gracas a Deus de nao estar assistindo tv brasileira…  E olhe que minha filha adorou “nouvelas” (ela pronuncia esquizito) no Brasil, ela ate queria um canal da rede “globe” aqui em casa…  nem pensar, sempre me recusei, sempre vou prohibir.

    Na MINHA casa?

    Nao.

  3. De fato. A gente parece já

    De fato. A gente parece já ter atingido o ponto máximo da incredulidade quanto às instituições, quando, em verdade, sabemos, como nunca, que nem mesmo pelas madrugadas somos poupados de ouvir e reouvir mais safadezas praticadas por essa corja de políticos, juízes e procuradores, todos mamando nas tetas do povo, rindo da nossa cara, mas não deixando uns de votar, cravar nossos destinos, enquanto outros reverberam noutros cantos seus cantos de prisão, de delação, e de libertação, conforme simpatia, empatia, ou, quem sabe – pois de quase nada sabemos – uns acordos escusos de bandidos pra bandidos, uns de toga com outros sem toga, se misturando nas sombras.

     

    1. Maria Rodrigues,

      o quadro que você descreve é o mais realista possível. Somos joguetes de canalhas, sem ter qualquer influência nos caminhos do País. Sugiro ler aqui no Nassif, hoje, o post “País caminha rumo ao abismo econômico”. Acrescento: não só. Abraços

    1. Rui

      Acho que voce tem que se entender com o Rui, mas diga a ele que se não vi eu ouvi sobre a Tereza da Praia, que não é minha nem sua  e não é de ninguém.

        1. Pois é

          Na verdade eu estava querendo dizer para voce se entender com Jorge logo acima a respeito da Tereza. Mas sua resposta foi melhor ainda, pois também esta dificil de me entender comigo mesmo

          Um grande abraço

  4. Perfeito ! É a tortura psicológica de nossos tempos

    Por causa disto me retirei de redes sociais, ninguém mantém seu equilíbrio mental, olhando a cara do Moro 200 vezes por dia. Lacan diria que há um “gozo” em tudo isso, com certeza que há, um gozo mórbido, masoquista, doente.

    1. Antônio,

      confesso: esse o que mais me incomoda. Os demais são trambiqueiros menores com quem sempre soubemos conviver. Nas desse, percebo textos internos de mais de 10 mil toques se elogiando, vaidoso de sua “missão” de salvar o País da corrupção, daí vestir-se em preto, sobre pele azul e amarela. Sempre com olhar triunfante de um juiz de 1ª instância, como se milhares não o fossem. Abraços

  5. Sobre Teresa

    Bem, Rui, nem sei como te dizer uma coisa sobre a moça da canção citada, a Teresa. 

    Talvez a revelação te decepcione, mas a verdade precisa ser posta na mesa – ou na tela, como no caso vertente. 

    Bem, lá vai: 

    Teresa nunca foi de praia alguma. Ela apenas e tão somente tirava uma onda. 

    E olhe lá. 

    Dick e o Lúcio eram bons – ótimos – cantores. Mas nunca viram Teresa na praia. Na realidade, a bela costumava adormecer na serra. 

    Bons tempos, bons tempos. 

    Desculpe, OK?

      1. Imagine

        Imagine então se fosse verdade, prezado Rui . . . 

        Até hoje vou à serra, em busca de Teresa, que – isso sim, verdade! – nunca foi de ninguém. 

        Escutava a onda bater, vaga interminável no ouvido, fechava os olhos, enxergava só a cachoeira, o riacho mais doce da serra mais inacessível: lá estaria Teresa. 

        Não está mais. Virou Iara, mãe de águas cristalinas, pedras rugosas disfarçadas de seixos, a admirá-la. 

        Como eu, como Dick e o saudoso Lúcio. 

        E – pelo jeito – tal qual você! 

        Obrigado, Rui. Abração “pra” ti, também! 

         

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