Tolerância sexual na mídia heterossexual

19/10/2011

Revista hétero publica beijo gay em sua capa

                   Caio Cezar / Divulgação – Revista Trip

A imagem acima é corajosa. A palavra é justa para esse momento que vivemos hoje em que os direitos gays viraram bode expiatório para fundamentalistas espalharem o seu ódio. É preciso ter colhão para escolher essa imagem como capa seja de qualquer publicação, mesmo ela voltada ao público homossexual. As revistas gays atuais nunca a exibiram (teve o caso da extinta “Sui Generis” que exibiu um beijo entre homens e foi recolhida, isso ainda nos simpatizantes anos 1990). Então acabou que, nesta quarta-feira, 19, foi uma revista voltada para héteros, surfistas e pegadores que teve a ousadia de, sem alarme, demonstrar em sua capa o afeto físico entre dois homens.

Já escrevi aqui que não existe uma guerra entre gays e héteros – isso é uma falácia que os intolerantes controem e divulgam para alarmar os menos informados dizendo que uma tal ditadura gay está para reinar -, muito pelo contrário, existe hoje uma tensão entre os que anseiam por liberdade (sexual, espiritual, moral) contra os que querem vigiar, punir, impor dogmas, enfim, oprimir. E o exemplo maior acaba de ser dada pela “Trip”, uma revista voltada para jovens heterossexuais, mas que bem resolvidos, não vêem problemas em ficar rotulando e questionando a sexualidade dos outros. Saindo do óbvio, é mais que uma edição que os gays estão em pauta, o que está em jogo é a liberdade, ser livre.

Blogay fez três perguntas para Lino Bocchini, 37 anos, redator-chefe da revista “Trip”, sobre essa edição que, para muitos como eu, já nasce histórica.

Blogay – Como surgiu a ideia de revista voltada para um público hétero, tocar em um tema tão delicado como liberdade sexual e homofobia? 

Lino Bocchini – Entendemos que essas questões não têm sexo e muito menos orientação sexual. A condenação radical da homofobia e o esforço para que todos aceitem o amor do outro, seja que tipo de amor for — e não só o que foi convencionado como “adequado” — deveria ser uma preocupação de todos nós.

A revista resolveu se posicionar contra a homofobia?

Sim, abertamente. Está escrito na nossa capa: “HOMOFOBIA É CRIME: INTOLERÂNCIA SEXUAL TEM QUE TER PUNIÇÃO PESADA”

Como surgiu a ideia da capa de dois surfistas se beijando? Como vocês produziram essa foto?

Primeiro, resolvemos fazer a matéria mostrando que, entre surfistas, também há gays. Em tese, essa reportagem poderia ser boba, uma vez que, obviamente, há gays entre qualquer classe ou recorte social/profissional/esportivo. Mas sendo a Trip uma revista que tem o surf em seu DNA (há 25 anos olhamos para a cultura do surf) achamos que nesse caso valia o destaque, seria uma forma de colocar a publicação em si, de forma institucional, como simpatizante dos gays e de sua aceitação e também da diversidade sexual em geral. Bom, isso decidido, quando estávamos discutindo como fotografar os personagens da matéria, pensamos que nada mais contundente do que dois surfistas homens se beijando — uma ideia da redação que teve total aprovação da direção da editora. Aí começamos a convidar alguns surfistas para a foto, até que esse casal bacana, de Florianópolis, topou. O resultado taí pra todo mundo ver e nos deixou bastante felizes.

Escrito por Vitor Angelo às 22h14

 

Vamos falar de sexo

“Nossa ignorância abissal gera preconceito, violência e sofrimento inadmissíveis”
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19.10.2011 | Texto por Paulo Lima

Caio Cézar

 

“Sim, há uma diferença” dizia antigamente um adesivo que reproduzia as figuras de um menino e de uma menina. Cada um olhava para dentro do próprio short, depois de uma espiada no interior do shortinho do outro. Ambos tinham no rosto uma expressão de espanto. A tal imagem, que habitava para-brisas de carros, álbuns de figurinhas e peitos de camisetas por toda a parte, não só revelava a ingenuidade que de alguma forma reinava, contrastando com a dureza dos anos 70, mas talvez também resumisse a ignorância e o raciocínio simplista vigentes até hoje quando se trata de sexualidade.

Não há “uma diferença”. São centenas, milhares, infinitas talvez. E ainda interpretando o que diz aquela aparentemente inexpressiva ilustração, a genitalização excessiva da sexualidade é algo tão tosco e reducionista quanto imaginar que a genialidade de um astro do futebol esteja depositada apenas na ponta dos seus pés.

Reprodução

 

A intenção desta edição da Trip é retomar um dos temas mais antigos e ao mesmo tempo mais urgentes e necessários, o enorme espectro de orientações, desejos, fantasias, hábitos e comportamentos que condensamos na expressão “diversidade sexual”. Nosso desconhecimento, nossas travas e a amplitude do potencial inexplorado são igualmente oceânicos, como se verá ao longo destas páginas. A sexualidade dos brasileiros, sempre tão falsamente lida como liberada e resolvida, é de fato estreita, reprimida e confusa. E não é muito diferente em quase todo o resto do mundo.

Vejamos o outro lado agora. Se nossa ignorância abissal gera preconceito, violência e sofrimento inadmissíveis (veja na matéria da pág. 76 nossa opinião sobre a urgência da criminalização da homofobia no Brasil), é também na visão otimista que fazemos questão de manter em tela, da mesma grandeza do que poderá acontecer em termos de evolução social, amorosa e sensual, quando conseguirmos nos livrar minimamente dessa ignorância, entendendo um pouco mais e melhor como funcionam nosso corpo, nossos sentimentos e nossa alma.

Essa é a nossa intenção legítima, ao produzir uma edição inteiramente dedicada a explorar de forma aberta e ampla a noção de diversidade sexual. Porque entendemos que isso será fundamental, se quisermos iluminar um pouco mais aquela que talvez seja a maior transição pela qual o mundo já passou.

Paulo Lima, editor

P.S. Chegou a hora. Dia 26 faremos a cerimônia de entrega da quinta edição do Prêmio Trip Transformadores. Trabalhamos muito para que em 2011 tudo seja ainda mais inspirador e emocionante. Você verá a cobertura na próxima Trip, mas poderá acompanhar tudo pelo Twitter, pelo Facebook e pelo trip.com.br/transformadores.

Redação

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